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Januário Garcia, fotógrafo e ativista


Januário Garcia nasceu em Belo Horizonte, em 1943. Aos cinco anos, ficou órfão de pai e, aos 10, de mãe. Ainda pré-adolescente, foi sozinho para o Rio de Janeiro. Em 1963, ingressou no Exército, onde se formou como paraquedista. Com o valor recebido no trabalho, comprou sua primeira câmera fotográfica. A partir do fim da década de 1960, frequentou aulas de história da arte no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), estudou na International News Cameramen Association do Rio de Janeiro e no Museu de Arte Moderna do Rio, onde fez o curso de fotografia sob orientação de Georges Racz.

Na década de 1970, passou a colaborar com jornais independentes e, posteriormente, para grandes veículos, como O Globo, Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil. Para manter sua autonomia e seu posicionamento político, optou por atuar sempre como freelancer.

Nesse período ainda, começou a participar de encontros para discutir as questões em torno das relações raciais no Brasil e conheceu nomes centrais do ativismo e pensamento negro, como Beatriz Nascimento e Abdias do Nascimento. Cada vez mais engajado nas lutas, tornou-se um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) e do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), que viria a presidir posteriormente por 10 anos.

Na dupla condição de fotógrafo e ativista, comparecia a inúmeros atos e eventos, sempre carregando sua câmera e utilizando uma boina de crochê com linhas nas cores verde, vermelho, preto e amarelo, um símbolo de autoafirmação em referência ao movimento do pan-africanismo.

Entre os atos que documentou, estão a Marcha Zumbi Está Vivo, o I Simpósio sobre Racismo e Discriminação Racial, ambos em 1983 no Rio de Janeiro, a Marcha contra a Farsa da Abolição, em 1988, também no Rio, e o I Encontro Nacional de Entidades Negras, em 1991, em São Paulo, além das mobilizações, na década de 1980, pelo tombamento da Serra da Barriga, onde ficava o Quilombo dos Palmares. Ao fazer esses registros, Januário sabia da importância das disputas pelas narrativas históricas, como afirmava em entrevistas: “Existe uma história do negro sem o Brasil. O que não existe é uma história do Brasil sem o negro.”

Outra faceta importante de sua carreira é a atuação no campo da indústria fonográfica. O fotógrafo registrou mais de 90 artistas, para quem produziu capas de discos e imagens de turnês. São dele as fotografias de álbuns como Alucinação (1976), de Belchior, Urubu (1976), de Tom Jobim, Coisas do meu pessoal (1977), de Leci Brandão, Há 10 mil anos atrás (1976), de Raul Seixas, Cores, nomes (1982), de Caetano Veloso, Das bênçãos que virão com os novos amanhãs (1985), de Beth Carvalho, e Martinho da Vila Isabel (1984), de Martinho da Vila, entre outras.

Januário também colaborou bastante com o mercado publicitário. Em seus trabalhos no meio, atuou para valorizar a imagem de pessoas negras, criticando abertamente peças racistas. Foi um dos responsáveis, inclusive, pela campanha “O negro na publicidade brasileira”, que estimulava a contratação de atores e atrizes negros para comerciais.

Sua atuação tanto como fotógrafo quanto como ativista também fez com que ele viajasse por 27 países, registrando sempre que possível a população negra da diáspora, em nações como Colômbia, Uruguai e Venezuela. Também clicou manifestações culturais como o primeiro ensaio do Bloco Afro Olodum, em 1982. Outro importante conjunto, feito como projeto pessoal, é a série de imagens que registra o cotidiano e a religiosidade dos moradores do Morro do Salgueiro, no Rio, na década de 1980.

Ao longo de sua trajetória, Januário foi um importante personagem da história dos movimentos sociais brasileiros, colaborando para a produção de novos imaginários em torno das populações negras e das manifestações culturais do país. Ao preservar seu acervo, as duas instituições agem para reforçar e expandir o legado do ativista.