Neste Mês da Consciência Negra, o Cinema do IMS convida seu público a assistir em tela de cinema uma pequena seleção de filmes – muito pouco exibidos em sala escura – em que o ritmo, a musicalidade e a voz têm um papel fundamental. Seja o ritmo da soul music, que reuniu milhares de pessoas negras nos bailes da Chic Show, em São Paulo; a sonoridade de uma Luanda barulhenta fabulada no Ar condicionado, de Fradique; o som desconcertante da voz de uma mulher negra nos tribunais franceses, que levaria Alice Diop a filmar Saint Omer; ou a música de Palenque, que levou Sebastián Pinzón ao primeiro povoado livre do domínio europeu nas Américas.
A essa programação que reúne criadores e temáticas negras, se somam outros destaques do mês, como o registro das visitas de Audre Lorde a Berlim nos anos finais de sua vida, exibido como parte da mostra Arquivos, vídeos e feminismos; o trabalho pioneiro e generoso em animação de Moustapha Alassane, parte da Sessão Mutual Films; o registro que a cineasta Natara Ney, junto a Lírio Ferreira, faz do fotógrafo branco Cafi, responsável por capas de discos memoráveis, como os dois meninos em Clube da esquina (1972); e a incontornável discussão da violência policial a partir do documentário A troco de nada, realizada em parceria com o King’s College e o Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV.
Outras programações que fazem parte do Novembro Negro 2023:
Filmes
Ar condicionado
Air Conditioner
Fradique | Angola | 2020, 72’, DCP (Geração 80) | Classificação indicativa: 14 anos
Quando os aparelhos de ar-condicionado começam misteriosamente a cair dos apartamentos na extremamente quente cidade de Luanda, o guarda Matacedo e a empregada doméstica Zezinha têm a missão de recuperar o aparelho do chefe. Essa busca leva-os à loja de materiais elétricos do Kota Mino, que trabalha em segredo em uma complexa máquina de recuperar memórias.
Ar condicionado é o primeira longa-metragem de ficção da produtora Geração 80 e teve sua estreia mundial no festival de Roterdã em 2020. Em entrevista ao portal Papo de Cinema, o cineasta Fradique comenta:
“Acredito que o realismo mágico ajuda as pessoas a entrarem melhor nesse mundo. Temos uma tradição muito grande quanto a ele na literatura angolana, vide Pepetela, José Eduardo Agualusa e o José Luis Mendonça, escritor que admiro bastante. Aliás, quero muito fazer um filme baseado num livro dele. Há sempre uma dúvida quando o realismo mágico surge: é possível que aquelas coisas tenham acontecido? Essa incerteza me encanta. O ambiente é estranho, mas, no fim das contas, a gente não sabe se é verdade ou não. Para nós, sempre foi importante brincar com tal questão. Mudamos pouco os cenários naturais da cidade. Simplesmente tratamos de selecionar os que se encaixavam na proposta. Escolhemos essa rua que simboliza boa parte de Luanda, com prédios coloniais antigos em processo de deterioração, onde as pessoas encontram maneiras de sobreviver, na qual fica evidente a ausência do Estado. Então, ao invés de criarmos o realismo mágico, nossa vontade era descobrir o que dele já existia na cidade.”
“Já na construção do roteiro, vislumbramos o fato de que a cidade de Luanda é demasiadamente barulhenta. Vizinhos, músicas, máquinas trabalhando, sonoridades diversas acabam se misturando naquela polifonia. Queríamos colocar quase como obrigação prestar atenção ao som. Além de vermos a cidade pelos olhos do Matacedo, também a ouvimos por meio dos ouvidos dele. Acho que essa construção trouxe uma camada poderosa ao filme, junto da trilha sonora da Aline Frazão.”
Entrevista do diretor Fradique ao portal Papo de cinema (Na íntegra) ►
Palenque
Palenque
Sebastián Pinzón Silva | Colômbia | 2017, 25’, DCP (acervo do artista) | Classificação indicativa: 14 anos
Guiada por temas que tocam vida e morte e um ritmo musical afro-latino constante, uma ode a uma pequena cidade que contribuiu imensamente para a cultura e a memória coletiva da Colômbia: San Basilio de Palenque, o primeiro povoado das Américas a se libertar do domínio europeu.
“Palenque é uma ode a um povo na Colômbia”, diz Sebastián Pinzón em entrevista ao podcast Domingos en Vocalo. “Descrevo-o como um documentário musical. Em si, o filme não tem uma temática específica, é mais como uma coleção de ritmos, canções, momentos, que de certa forma compõe uma ode audiovisual a esse povo. [...] A musicalidade e a vida cotidiana. Encontrar a convergência entre as duas era como a nossa missão. Tudo o que fazemos tem um ritmo. O falar tem um ritmo, o caminhar tem um ritmo. Como contar e seguir esses ritmos e conectá-los de certa forma, isso esteve sempre muito presente.”
“Eu cheguei a San Basilio graças à música em si. Eu escutava a música muito bonita que se inspira na tradição chamada lumbalu, um sincretismo entre tradições cristãs e africanas, em que se canta canções aos mortos durante nove dias e nove noites. A família se reúne por meio da música. Isso foi algo sobre Palenque que me levou a esse lugar. Além de não ter aprendido a história de Palenque no colégio. Me parecia uma parte da história muito importante que eu desconhecia, e foi graças à música e a esses artistas que pude conhecê-la”.
Entrevista do diretor Sebastián Pinzón ao podcast Domingos en Vocalo (na íntegra) ►
Programação
IMS Paulista
11/11, sábado, 17h
21/11, terça, 20h
Emílio Domingos e Felipe Giuntini | Brasil | 2023, 90’, DCP (Globoplay) | Classificação indicativa: livre
O baile Chic Show foi um marco na vida paulistana. Realizado em diversos salões pela cidade nas décadas de 1970 e 1980, o evento rapidamente se transformou num ponto de encontro da cultura negra e abriu espaço para o funk, soul, rap, pagode, entre outros ritmos.
Pelas mãos de seu idealizador, Luiz Alberto dos Santos, o Luizão, o Chic Show foi uma experiência social, cultural e política que recebeu nomes como Tim Maia, Sandra de Sá, Gilberto Gil, Jorge Ben, Djavan, Bebeto, Carlos Dafé, além de artistas internacionais, como Kurtis Blow, Betty Wright e o inigualável James Brown.
“Eu sou do Rio, sempre ouvi falar na Chic Show, uma coisa meio mítica”, comenta Emílio Domingos em entrevista a Marcelo Aliche para o festival In-Edit Brasil. “Através do documentário, deu pra perceber realmente que é a história social do negro, né? Do negro de São Paulo. São Paulo é uma megalópole, e a festa serviu para unir a negritude de São Paulo. Principalmente o baile do Palmeiras. 20 mil pessoas. As pessoas se deslocavam de todas as periferias pra se encontrar, pra se ver. Tem toda essa importância política social, mas também não dá pra deixar de dizer que é o grande movimento sociocultural de São Paulo dos anos 1970. E não dá pra parar nos anos 1970, tô sendo injusto, porque nos anos 1980, 1990, a Chic Show não para. A importância da Chic Show pro hip hop, a importância da Chic Show pro pagode dos anos 1990… Acho que ajudou a firmar a identidade do negro paulistano.”
“O baile da Chic Show foi o primeiro lugar que Mano Brown e Ice Blue subiram num palco e foi o primeiro lugar em que eles foram reconhecidos enquanto artistas. Imagina o que é isso pra dois moleques de periferia. Subir num palco com uma plateia enorme. Você não tem nenhum disco gravado, muito longe disso ainda, e num concurso de rap você ter seu talento reconhecido. Isso mudou a chave.”
Um original Globoplay, Chic Show tem supervisão artística de Rafael Dragaud, direção-geral de Emílio Domingos, direção de Felipe Giuntini, roteiro de Milena Manfredini e produção de Anelise Franco.
Programação
IMS Paulista
4/11, sábado, 18h
29/11, quarta, 20h
Saint Omer
Alice Diop | França | 2022, 122’, DCP (Goodfellas) | Classificação indicativa: 14 anos
Rama é uma romancista que assiste ao julgamento de Laurence Coly no Tribunal de Saint-Omer, na Normandia. Laurence é acusada de matar e abandonar a sua filha de 15 meses numa praia, durante a maré cheia. Rama planeja usar a história para fazer uma adaptação moderna do antigo mito de Medeia, mas as coisas não saem como esperado.
Primeiro longa-metragem de ficção de Alice Diop, Saint Omer estreou no Festival de Veneza, em 2022, no qual recebeu o Grande Prêmio do Júri. O filme se inspira na história real de Fabienne Kabou, que chegou às manchetes francesas em 2013 e no processo judicial que, assim como faz sua personagem, Diop acompanhou.
“Eu estava obcecada pela história e atraída por ela quase como um ímã, mas não tinha a ideia de fazer um filme”, conta a diretora em entrevista ao portal Film Comment. “Mas quando fui ao julgamento, fui confrontada com a realidade dessa mulher – o modo como ela era, a maneira como falava, a complexidade de sua história, a impossibilidade de entender seu ato – e, ao final do julgamento, não tinha mais qualquer clareza. E esse mistério que permaneceu me forçou, devo dizer, a entrar em minhas próprias profundezas ocultas e a olhar para dentro de mim mesma para coisas que eu não necessariamente queria ver ou reconhecer. Foi muito perturbador.”
“E o que eu vivenciei foi vivenciado por todas as mulheres que estavam presentes como espectadoras. Havia mulheres que, como eu, tinham vindo sem motivo, e também jornalistas, advogadas, a presidente do júri, as duas assessoras do juiz. Todas aquelas mulheres estavam abaladas. Foi então que percebi o que estava em jogo. Foi com essa consciência do caráter universal das questões levantadas pelo julgamento que me convenci de que tinha um filme em mãos.”
“É engraçado porque, de uma perspectiva americana, a questão da universalidade que pode ser incorporada em um corpo negro está completamente ultrapassada. Mas na França ainda não estamos acostumados a ver as mulheres negras a não ser como objeto de projeções, objeto de fantasias que continuam a transmitir um modo de pensar racista. Sempre que há um personagem negro em um filme, o roteiro tem que justificá-lo. Ou é uma questão de migração ou é uma questão social. Mas, aqui, é simplesmente uma questão de maternidade, que diz respeito a todas as mulheres do mundo. O aspecto político do meu filme está justamente no fato de que um corpo negro – e as mulheres negras em particular – pode ser universal.”
“Acho que até hoje ninguém entende essa mulher. O grande prazer que tive, embora o filme tenha sido extremamente difícil de escrever e filmar, foi escrever a história de uma mulher negra tão complexa, que raramente encontrei no cinema ou na literatura. Não sabemos se devemos sentir empatia por ela ou desconfiar dela, se ela é mentirosa ou manipuladora. Ela evoca as grandes figuras trágicas.”
Entrevista da diretora Alice Diop ao portal Film Comment (Na íntegra, em inglês) ►
Programação
IMS Paulista
19/11, domingo, 17h45
30/11, quinta, 19h45
Programação
IMS PAULISTA
4/11/2022, sábado
18h - Chic Show
11/11/2022, sábado
17h - Ar condicionado + Palenque
19/11/2022, domingo
17h45 - Saint Omer
21/11/2022, terça
20h - Ar condicionado + Palenque
29/11/2022, quarta
20h - Chic Show
30/11/2022, quinta
19h45 - Saint Omer
Vendas
Os ingressos do cinema podem ser adquiridos online ou na bilheteria do centro cultural, mais informações abaixo.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem e maiores de 60 anos.
Cliente Itaú
Desconto de 50% para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
IMS Paulista
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a domingo, das 12h até o início da última sessão de cinema do dia, na Praça, no 5º andar.
Os ingressos para as sessões são vendidos na recepção do IMS Paulista e pelo site ingresso.com. A venda é mensal e os ingressos são liberados no primeiro dia de cada mês.
Não é permitido o consumo de bebidas e alimentos na sala de cinema.