Maio de 1968 em Paris virou efeméride mundial de um ano inteiro de manifestações de rua por liberdades. O IMS guarda nos acervos de David Zingg e dos Diários Associados alguns flagrantes da época
Edson Luís de Lima Souto, estudante, 18 anos, paraense. Nunca voltou à sua Belém natal. Um mar de gente conduzia seu esquife ao cemitério São João Batista, no Rio, dia 29 de março de 1968. Tinha sido morto na véspera pela polícia que reprimia uma manifestação de protesto contra os preços e a qualidade da comida e a ameaça de fechamento do restaurante estudantil da ponta do Calabouço, ao lado do aeroporto Santos-Dumont. Foram baleados ele e mais seis, vindo um deles a falecer no dia seguinte no hospital Sousa Aguiar.
Edson Luís tinha vindo do Pará estudar no Rio. Nunca se metera em política propriamente, e, ao morrer, trazia nas mãos um papelão que dizia, só e só, "queremos comer decentemente". Sua morte foi o estopim de um ano de enorme turbulência, de uma escalada de violência em todo o país – confrontos, protestos, passeatas, mais mortes, prisões em massa –, culminando com a promulgação pelo governo, a 13 de dezembro, do ato institucional nº 5, o AI-5.
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A foto do moço do tapa-olho com a faixa de repúdio à ditadura é do dia das missas de sétimo dia por Edson Luís, que houve duas na Candelária a 4 de abril: uma de manhã, outra no início da noite.
Daquele maio que incendiou as ruas da França não há nos arquivos cariocas dos Diários Associados qualquer registro fotográfico de manifestações por aqui.
O Pequeno Jornaleiro de bronze, no "carrefour" de avenida Rio Branco com Ouvidor e Miguel Couto, parece amplificar as palavras da moça que protesta. Estávamos já em junho, de nuvens carregadas. A linda estatueta, do caricaturista Fritz, esteve anos a fio naquela esquina, de onde foi transferida para a ilha central da rua Sete de Setembro, entre Rio Branco e rua Uruguaiana. Mais recentemente, foi também dali removida para a instalação da parada 'Colombo' da recém-inaugurada linha de VLT no centro da cidade. O menino agora deve estar apregoando suas manchetes no depósito do departamento de Parques e Jardins da prefeitura. Vai ver que daqui a pouco perde o sentido: como assim vendia jornais - e de papel?!
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O carro incendiado e os jatos d'água da PM são a preparação, na antevéspera, da sinistra 'sexta-feira sangrenta', dia 21 de junho. No início daquela tarde, estudantes e aderentes partiram da sede do Ministério da Educação, o Palácio Capanema, onde tinham marcado encontro, para a então embaixada (hoje consulado) dos Estados Unidos, na avenida Presidente Wilson. Ali, foram recebidos a bala pela guarda do edifício, reagiram, quebrando vidraças com paus e pedras, e, quando já preparavam a dispersão, foram atacados pelos reforços policiais recebidos pela guarda. "A partir desse momento", assim O Jornal de 22 de junho, "desencadeou-se um violento conflito entretropas de choque da PM e populares, armados de pedras, tijolos e material de construção. Durante horas, a avenida Rio Branco transformou-se num verdadeiro campo de batalha, cercado de nuvens de gás lacrimogêneo", como se vê na foto do soldado, em que aparece o lampião dos antigos postes da avenida, publicada na mesma edição do jornal. "Na praça XV de Novembro, viaturas policiais foram queimadas. O confronto só terminou às 20 horas, com um saldo de 28 mortes, segundo informações dos hospitais – ou três, segundo a versão oficial –, centenas de feridos, além de mil prisões."
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26 de junho foi o dia da famosa passeata dos 100 mil. Nas fotos que David Zingg fez da marcha – também no acervo do IMS, como toda a obra do fotógrafo –, veem-se Edu Lobo, Chico Buarque, de óculos escuros, Ítala Nandi, Nana Caymmi e Gilberto Gil, ainda "Todo-redondo", o apelido que lhe botou Chico na época, Caetano Veloso e Nelson Motta, entre outros.
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Na foto dos Diários Associados, tinha anoitecido e Vladimir Palmeira continuava inflamando as gentes. Os passageiros do ônibus 'Lido' vão precisar de um pouquinho de paciência. Durante três horas, a massa caminhou do Passeio Público à Assembleia Legislativa, na rua Primeiro de Março – via Cinelândia –, sem maiores incidentes. Pedia democracia, libertação de presos e o fim da censura à imprensa e às artes. Esperou por isso 20 anos.
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Os caminhões e os tanques são do início de julho e do início de agosto. Os primeiros estão de prontidão no pátio do antigo ministério da Guerra, o Palácio Duque de Caxias. Em agosto, os tanques já estão fora do quartel, na rua, defronte ao prédio, atual comando militar do leste.
Também de agosto é a foto do soldado que socorre a moça simplesmente porque ela precisa e sem se interessar pelo detalhe de se ela era uma passante acidentalmente atingida ou se era manifestante - e de que lado. Solidariedade, ponto.
De outubro, o acervo dos Diários Associados guarda ainda as imagens do informante à espreita, a Spaguettilândia (que sobrevive até hoje na Cinelândia) e o soldado que atira de dentro do camburão; o caos cada vez mais fora de controle. Um mês e meio depois recrudesceria aquela já soturna quadra da história republicana com a edição do AI-5.
(Pesquisa: Andrea Wanderley)
- Cássio Loredano é caricaturista e consultor do IMS