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A voz e o piano de Chiquinha

21 de julho de 2015

Nunca se soube de uma gravação de piano solo de Chiquinha Gonzaga (1847-1935) ou de um registro de sua voz. Até 2015, quando um disco que chegou ao Instituto Moreira Salles preencheu, muito provavelmente, essas duas lacunas.

O acetato foi encontrado no lixo. Estava na área de descarte de uma loja de discos frequentada pelo colecionador e pesquisador Gilberto Inácio Gonçalves, em São Paulo. É um exemplar, em péssimas condições, do selo Disco Popular, mantido entre 1919 e 1923 pelo companheiro de Chiquinha, João Batista Gonzaga.

 

 

Após ouvir, em meio a chiados, o que estava gravado nas duas faces do 78 rpm (rotações por minuto) e conversar com outro pesquisador, Sandor Buys, Gonçalves concluiu que tinha uma raridade nas mãos. De um lado, a música é anunciada como “‘Argentina’, habanera, por Francisca Gonzaga, Rio de Janeiro”. Do outro, “‘Saudade’, valsa, por Francisca Gonzaga, Rio de Janeiro”. E são números de piano solo, sem registro na Discografia Brasileira em 78 rotações.

Não bastasse isso, a voz que anuncia as músicas é de uma mulher, algo bastante incomum para a época – a exceção, segundo Sandor, é Pepa Delgado. Em sendo um produto da Disco Popular, é praticamente certo que a própria Chiquinha estivesse apresentando as suas interpretações. Nos dois lados, diretamente na cera, há também a assinatura “F. Gonzaga” e a data “1922”.

 

 

A explicação para essas gravações não serem conhecidas é que elas nunca foram lançadas comercialmente. O rótulo de número 4000 presente em ambas as faces do disco indica a música “Plicéa”. É possível que Chiquinha tenha usado um exemplar como suporte para o que chamaríamos hoje de “demo” – um registro não comercial.

O disco pertence a Gonçalves, que o emprestou ao IMS – guardião do acervo da compositora – para que fosse feita a digitalização. O tratamento dos áudios coube ao radialista Otacílio de Azevedo Neto, filho do jornalista e pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, coautor (ao lado de Alcino Santos, Grácio Barbalho e Jairo Severiano) da Discografia publicada em 1982 pela Funarte e dono de uma das mais importantes coleções de discos de 78 rpm do país. A recuperação completa é impossível, mas a melhora foi grande em relação ao estado em que o disco se encontrava.

Alexandre Dias, coordenador do site Ernesto Nazareth 150 anos e colaborador do IMS em outros projetos, identificou que a valsa anunciada como “Saudade” era conhecida como “Cananéa”. E contou com a ajuda de Douglas Passoni – responsável pela editoração das partituras de Chiquinha disponíveis no site Acervo Digital Chiquinha Gonzaga – para constatar que a habanera “Argentina” foi lançada como o tango “Xi!” e que ainda aparece num manuscrito como “Sada”.

Para Edinha Diniz, biógrafa de Chiquinha, o disco é “um grande achado” pelo qual ela procurou durante sua longa pesquisa.

De Chiquinha, o colecionador Sandor Buys também localizou no mercado popular da Praça Quinze, no Centro do Rio, a partitura de “Julia”, até então desconhecida. Alexandre Dias gravou ao piano.

 

 

 

Escute a gravação:

 

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