Os últimos dias de 2019 levaram consigo o artista Fernando Lemos. Nascido em Portugal em 1926, o fotógrafo, pintor, poeta e designer residia no Brasil desde 1953. Em conversa com o pesquisador Rubens Fernandes Júnior, publicada na revista ZUM 11, Lemos comentou algumas de suas fotografias mais conhecidas, realizadas em Lisboa junto ao grupo de artistas surrealistas portugueses. Permeadas por afetos, tragédias e busca por liberdade em meio à ditadura salazarista, as imagens fazem parte do acervo do artista adquirido pelo IMS em outubro de 2019. (Angelo Manjabosco)
EU, POETA, 1949-52
“A foto remete ao enforcamento. É uma brincadeira com a tortura: não precisam me enforcar, já me enforquei. A sombra branca dá um ar de mistério, de terror mascarado. A máscara se move, tem expressão, fala. Talvez ela esteja confessando suas intenções, revelando sua identidade. É um autorretrato. Na ditadura, fazemos o possível para não ser identificados. Quanto menos reconhecerem, melhor.”
REUNIÃO DE DIRETORIA, 1949
“Nosso ateliê em Lisboa era um apartamento enorme em um prédio antigo da avenida da Liberdade, ao lado de um parque de diversões popular. A foto remete aos cartazes de circo e de teatro".
A DANÇA DOS ANIMAIS, 1949
“Faz parte de uma sequência de fotos do Fernando de Azevedo e do Marcelino Vespeira, tirada na quinta dos pais do Vespeira. Quando nos chamaram para o almoço, eles pegaram essas galinhas e brincaram: ‘Então, vamos almoçar?’. O artista nunca deve ser levado a sério. A gente ria, na cara das pessoas, ríamos de nós mesmos.”
A LAVAGEM CEREBRAL, 1949
“O Alexandre O’Neill andava em crise, falando em suicídio, em depressão por causa da escritora surrealista Nora Mitrani. Chamamos duas amigas e fizemos o retrato de uma ‘lavagem cerebral’, que tem sempre um sentido estranho de invasão de personalidade das pessoas. Ele morreu há dez anos, de câncer. Era gente do meu coração. Com as fotografias, eu ponho o amor em dia.”
NORA MITRANI, 1949-52
“Nora veio para Portugal em busca de um parente levado pelo nazismo. Havia muitos refugiados no país, Salazar não mexia com eles. André Breton deu-lhe uma carta, dizendo para procurar nosso grupo surrealista. Ela veio, fez uma palestra sobre o inconsciente. Ao fim, cometeu suicídio.”
INTIMIDADE DOS ARMAZÉNS DO CHIADO, 1949-52
“Tínhamos o hábito de conversar com os manequins das vitrines das lojas. Quem via pensava: ‘esses caras estão loucos’. Pedimos emprestado o manequim ao gerente de uma das lojas. É o tipo de fotografia que prezo, em que não se pode pôr nem tirar coisa alguma. A fotografia não é uma armação, como o cinema; ela é o que está lá.”