Depois de passar pelo início de carreira de Ademir da Guia e revelar a surpresa de Jules Rimet na entrega da taça de Copa do Mundo de 1950, Cássio Loredano continua a série de pérolas esportivas Fotografia falada, nascida de pesquisas no acervo fotográfico dos Diários Associados, lembrando os primeiros tempos do maior ponta-direita da história: Garrincha.
Gualicho
Quem é aquele menino endiabrado ali no treino, com as duas pernas tortas para o mesmo lado (genuvaro e genuvalgo ao mesmo tempo, a direita, mais curta, para dentro, a esquerda para fora)? Cada qual ouve o que quer, e o repórter do Diário da Noite carioca quis ouvir Gualicho. E assim saiu o nome do moleque na edição de 14 de outubro de 1953 do jornal. Nome que estava no ouvido da cidade toda: o mesmo de um cavalo argentino que dois meses antes fora bicampeão do Grande Prêmio Brasil.
Em 10 de novembro do ano seguinte a foto saiu de novo no jornal, mas aí já com o apelido certo: Garrincha. Depois devem ter precisado de falar só de Dino e Vinicius, seus colegas de foto, e cortaram da imagem o futuro bicampeão mundial, então já com 21 anos, o maior craque da história do Botafogo, titular óbvio da seleção brasileira de todos os tempos, o maior ponta-direita surgido desde sempre. Febre alta e dor de cabeça, pesadelo das defesas adversárias, o homem que obrigou a crônica a inventar o verbo “parafusar”, isto é, imobilizar dois ou três zagueiros na lateral esquerda. Manoel Francisco dos Santos, na pia batismal.
Numa das fotos de treino ele aparece ao lado de Didi; na outra, o mais baixinho, ladeando com Nílton Santos o “príncipe” Danilo, de camisa listrada. Na de jogo, está a linha de calções e meiões brancos, com o garoto ao lado do veterano Geninho.
(Ilustração: é 29 de junho de 1958 à tarde. Os suecos, jogando em casa, tinham feito 1 a 0. Didi foi buscar a bola no fundo do gol e caminhou impertérrito para o centro, centurião conduzindo a águia legionária. Perguntaram-lhe depois em que pensava ele ali, naquele transe. Respondeu que só tinha uma ideia, “entregar o couro ao Mané”. Foi o que fez e o que se viu, foi a salvação da lavoura. O cronista alemão Willy Meisl nunca entendeu como Garrincha, em lugar de procurar evitá-lo, passar logo a bola ou centrar, enfim, livrar-se da bola, ao contrário, avançava em altíssima velocidade diretamente para cima de Axbom, aquele guarda-roupa que era o lateral sueco. Com dois centros seus da linha de fundo, idênticos, Vavá virou o jogo e deu-se o pânico nas hostes. Fosse em Estocolmo ou onde fosse, o cara se sentia no campinho de Pau Grande, na sua Raiz da Serra.)