Patrimônio nacional, Pixinguinha (1897-1973) está grudado na memória musical de praticamente todo cidadão de Norte a Sul do país. Difícil encontrar alguém que não saiba cantarolar ao menos um trechinho de Carinhoso, sua mais famosa criação, que ganhou letra de Braguinha. Porém, os 120 anos de nascimento do compositor, arranjador e intérprete, que serão comemorados dia 23 de abril, são também uma oportunidade ímpar para mostrar que Alfredo da Rocha Vianna Filho, nascido no bairro carioca de Piedade, legou à música popular brasileira pelo menos outras 300 pérolas que merecem ser igualmente apreciadas.
Com esse objetivo, o IMS lança no próximo fim de semana o site pixinguinha.com.br, que reúne e disponibiliza para o público todo o acervo do músico sob a guarda da instituição desde 2000, composto por documentos, depoimentos, objetos, fotografias, cadernos e partituras. Além disso o site, produzido em parceria com o Hacklab, incluirá também o que a coordenadora de música do IMS, Bia Paes Leme, chama de ouro do portal: o primeiro Catálogo crítico de obras de Pixinguinha, com 515 verbetes, dentre eles mais de 300 músicas do autor, sendo que 45 ainda inéditas.
“Pixinguinha tem esse perfil de artista muito conhecido do grande público talvez por uma dúzia de obras. E é conhecido dos chorões, do pessoal que ama e pratica o choro, por umas 60 composições. Só que ele tem 300, e são 300 músicas de qualidade que têm a marca, a assinatura dele. Então essa já é uma grande contribuição do site”, afirma Bia sobre o catálogo, elaborado por Pedro Aragão e José Silas Xavier a partir de uma extensa pesquisa no Acervo Pixinguinha do IMS e em instituições parceiras da empreitada, como o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS-RJ), Instituto Jacob do Bandolim (IJB), Instituto Casa do Choro (ICC), Instituto Piano Brasileiro (IPB) e Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB), que cederam cópias das partituras sob sua guarda. “Queremos fazer, a partir daqui, com que as pessoas tenham vontade de ouvir e tocar essas músicas”, completa a coordenadora.
O lançamento do site acontecerá dia 22, às 18h, na sala de aula do IMS-RJ, com uma apresentação geral do portal (que é dividido em vida, obra e acervo), e logo a seguir uma roda de choro, no jardim, com a participação de diversos músicos. No domingo, 23, quando se comemora também o Dia Nacional do Choro exatamente por causa do aniversário de Pixinguinha – que, descobriu-se há pouco tempo, foi registrado com outra data de nascimento, 4 de maio –, será a vez de celebrar o autor com um show reunindo, no auditório, Nailor Proveta (clarinete/saxofone), Cristóvão Bastos (piano) e a cantora Áurea Martins. E para celebrar ainda o centenário da obra-prima do autor, o site presenteia o público com uma gravação de Carinhoso feita por um time especial: Chico Buarque, Zélia Duncan, Joyce, Jacques Morelenbaum, Monarco e a portuguesa Carminho.
Outra das preciosidades do portal – que registrará todas as publicações, shows e programas de rádio sobre a obra de Pixinguinha feitos pelo IMS – é o conjunto de milhares de partituras (aproximadamente 2.200) de músicas do autor e também de arranjos que ele criou para composições alheias, principalmente na época em que fez parte do programa “O Pessoal da Velha Guarda”, apresentado semanalmente entre 1947 e 1952 por Almirante na Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Ali, Pixinguinha era o responsável pelos arranjos das músicas apresentadas ao vivo pelos artistas, e todas as partituras foram preservadas por ele.
“Uma das coisas que vamos tentar mostrar no site é que Pixinguinha já nasceu com alma, talento e criatividade de arranjador. Ele foi arranjador a vida inteira, em todos os grupos dos quais participou ou dirigiu, e isso é muito forte na carreira dele, quase tão forte quanto o trabalho de compositor, que é magnífico”, conta Bia. “Infelizmente os arranjos que ele fez para discos não existem, porque ninguém guardava nada. Música gravada é partitura jogada fora, ainda hoje. A sorte é que as apresentações eram feitas para o rádio, ao vivo, e durante cinco anos ele escreveu cerca de 300 arranjos para esse programa. Como os ouvintes pediam para repetir algumas músicas, ele guardava tudo, ainda bem”.
Ao navegar pelo site, o público pode optar entre fazer uma imersão mais ou menos profunda pela vida e pela obra de Pixinguinha. A área chamada Lado A, ancorada por uma minuciosa linha do tempo, exibe um recorte mais curatorial, em que estão destacados verbetes com personagens e histórias em torno do autor. Os destaques levam o visitante ao Lado B, que proporciona um mergulho na obra completa, em estado bruto, catalogada no acervo do IMS. “A base é o nosso banco de dados, e isso foi o que nos deu mais trabalho”, conta Bia, que na elaboração do site contou com o trabalho de Pedro Aragão, Paulo Aragão, Marcílio Lopes, Alexandre Dias, Pedro Paulo Malta, José Silas Xavier – pesquisador e biógrafo de Pixinguinha –, além da equipe do próprio IMS (Euler Gouvêa, Fernando Krieger, Elias Leite, Mário Tavares e Maurício Gonçalves). Ao clicar em cada música, o visitante do site será direcionado à página do verbete sobre a obra, que inclui todas as partituras e gravações dela disponíveis. “É um site extremamente denso”, afirma a coordenadora.
Na seção Destaques do Acervo Pixinguinha, por exemplo, há o verbete sobre uma polca inédita do compositor Joaquim Antônio da Silva Callado Júnior (1848-1880), considerado por muitos como o “pai dos chorões”. Assim como a polca de Callado, outras preciosidades do século XIX fazem parte do arquivo do compositor, guardadas pelo menino que cresceu numa família musical. Seu pai era flautista amador, seus três irmãos mais velhos também tocavam (e o ensinaram a tocar cavaquinho), sua casa vivia cheia de músicos. Precoce, compôs sua primeira obra, o choro Lata de leite, em torno dos 11 anos. Convivendo desde cedo com músicos mais velhos, e ouvindo um repertório mais antigo, Pixinguinha embasou no passado sua visão de presente e futuro da música brasileira. “Ele tinha talento desde pequeno, e absorveu tudo o que ouviu, porque era uma esponja. Mas fez muito mais, porque tinha liberdade”, observa Bia. “As gravações que temos do Pixinguinha tocando ou cantando choro, samba, macumba, mostram que ele está inteiro lá. De repente você ouve uma sonoridade impressionista num arranjo, ou uma jazzística em outro, é impressionante. Ele tinha uma liberdade incrível de ser ele mesmo”.
A mesma liberdade Pixinguinha transferiu para o choro, diz Bia, lembrando que o compositor formatou o gênero, “pedra fundamental da música popular brasileira de qualidade”, que passou para a segunda metade do século XX. “A mãe do choro é a polca, aqui ela ganhou a síncope africana e se transformou no que chamamos de choro. Pixinguinha abre mais esse leque, traz o samba para o choro. Muitos músicos também fazem choro na época, como Luiz Gonzaga no Nordeste, outros no Sul. Mas Pixinguinha, com a criatividade melódica e harmônica dele, é o libertador do choro, no sentido de não deixá-lo uma linguagem ligada ao passado”, explica ela. E cita um exemplo bem específico do papel fundamental cumprido pelo autor de Lamentos e Rosa: “O Guinga é um cara do choro contemporâneo, e hoje há toda uma meninada que o segue. Se não fosse Pixinguinha, porém, o choro nem teria chegado aos ouvidos de Guinga. Então acho que essa é uma dívida que temos com ele”.
SERVIÇO
Lançamento do site pixinguinha.com.br
Dia 22 de abril, às 18h
Local: Sala de Aula do IMS-RJ
Distribuição de senhas 30 minutos antes do evento
Roda de choro
Dia 22 de abril, às 20h, com a participação de músicos diversos
Local: Jardim do IMS-RJ
Show em homenagem a Pixinguinha
Com Nailor Proveta (clarinete/saxofone), Cristovão Bastos (piano) e Áurea Martins (vocal)
Dia 23 de abril, às 19h
Local: Auditório do IMS-RJ
Distribuição de senhas 30 minutos antes do evento
Haverá telão com transmissão ao vivo
Instituto Moreira Salles – Rio de Janeiro
Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea
Tel.: (21) 3284-7400