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Presença

29 de agosto de 2018

A série Primeira Vista traz textos de ficção inéditos, escritos a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Para o mês de agosto, selecionamos uma imagem evocativa de Haruo Ohara para inspirar a escritora carioca Ana Paula Lisboa.

Haruo Ohara. O bosque, c. 1950. Londrina, PR (Acervo IMS)

 

Fatos sobre a ausência: o moço que escreveu que “todo amor é recíproco, mesmo quando não é correspondido."

Vazio.

O nunca, nunca foi dito devera, também não foi dito o para sempre, não foram feitas promessas.

Era sobre ter Vênus na casa 12 no mapa, estava tudo explicado. Era sobre leituras de mão e de corpos nas madrugadas. Era sobre tudo e sobre nada.

“Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. ”

O vazio.

E se perguntava como alguém podia ser tão exato nas coisas, naquelas coisas sob as quais ele não tinha exatidão. Ela sim. Cheia.

A sua presença pairava feito nuvem, uma cortina de fumaça.

- A presença do corpo é uma ótima presença.
- E quando não tem corpo?
- Ficam as outras presenças. Mas, faz falta né? Ainda mais você.

“É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. ”

E que não estar com ela o dava a imensa vontade de estar sozinho. Não havia outra escolha no mundo se não o vazio. O copo do seu corpo repleto de ar.

Ela de caminhada dura, passos largos e pesados de quem amassa café e solta toda a tensão da cabeça nos pés.

Não daria pra ser mais forte? Mais forte! Mais forte!

Ele um tanto mais suave, um ser aquático que também voava e ainda tinha a habilidade de queimar o ar. Quando voltava para a terra, a terra era seu lar.

Queria que fossem perfeitos. Suaves como uma brisa de verão a noite na praia. Quente como águas termais. Que tivessem gosto de comida caseira temperada com alho.

- Cuida das tarefas e do coração. Coração demora pra aprumar. Eu também sei.

“Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação”

Esperou no vazio que ficava no ar em suas saídas. O peito chorava fino feito cão com saudades do dono.

Esperou nas manhãs e fins de tarde. Esperou da forma mais difícil de se esperar: sem esperar nada.

Esperou.

Ana Paula Lisboa é a mais velha de quatro irmãos, filha de dois pretos. Favelada e carioca de nascimento, atualmente divide a vida entre o Rio de Janeiro e Luanda, onde dirige a produtora cultural Aláfia. Escritora, publicou contos e poemas em coletâneas nacionais e internacionais. Desde 2016 escreve para a revista feminista AzMina e para o Segundo Caderno do jornal O Globo, além de ser âncora do web programa Querendo assunto.