Na busca por registros históricos do noticiário, as hemerotecas digitais são ferramentas de precisão. No caso das imagens prejudicadas pelos velhos sistemas de impressão dos periódicos, só a conservação de acervos fotográficos originais garante qualidade ao material pesquisado em jornais de época. Em nova imersão nos arquivos dos Diários Associados sob a guarda do IMS, Cássio Loredano revela um Ademir Queixada, craque do Vasco e da seleção brasileira de 1950, que nenhuma hemeroteca conserva com tamanha nitidez.
Duas frases:
Primeira, de Ivan Soter, rubro-negro, autor da monumental Enciclopédia da Seleção (edições Folha Seca, 2014): “Eu só tinha medo do Ademir.” Justificava-se: o ‘Queixada’, apelido óbvio do prognata pernambucano, era um inferno para as defesas, quando partia em ‘rush’ rumo ao gol, com a bola dominada e chutando repentinamente sem reduzir a velocidade e, surpresa, com qualquer dos pés.
Segunda, de Gentil Cardoso, o ‘moço preto’, treinador do Fluminense: “Dêem-me Ademir e lhes darei o campeonato.” Deu. Ademir saiu do Vasco, foi campeão pelo tricolor em 1946 e voltou a São Januário para compor com Barbosa, Augusto, Eli, Danilo, Jorge, Jair e Chico o lendário Expresso da vitória, base absoluta da Seleção para a copa de 1950. Torneio do qual, aliás, o artilheiro foi o ‘Queixada’, com 9 gols.
Ei-lo aqui aos 19 anos, ainda jogador do Sport Recife, em duas fotos com a seleção pernambucana de 1941. Na imagem ornamentada com flores, ele é o quinto de pé da esquerda para a direita. A do time formado, com Ademir na meia-direita, apareceu na edição de 28 de novembro daquele ano do O Jornal carioca. E então que sorte esta ampliação ter sobrevivido no arquivo dos Diários Associados agora incorporado ao acervo do IMS. Porque o grão grosseiro da retícula do clichê e a reprodução muito manchada na página do jornal impedem o reconhecimento de qualquer fisionomia. E nem a busca pelo nome poderia localizar o jovem craque naquele time: por erro da redação ou da oficina, na escalação saiu ‘Adeuir’.
Num amistoso Sport 5 x 4 Vasco, em que Ademir fez 4 gols, os cruz-maltinos sentiram como era melhor tê-lo do lado de cá e o trouxeram. Inaugura-se ali a série de transferências entre o grêmio da colônia portuguesa no Recife e o do Rio – Vavá, Almir e Juninho os que mais história fizeram.
Dez anos depois daquele torneio de seleções estaduais, aparece, numa página do Diário da Noite de 9 de outubro de 1951, de novo Ademir, agora já craque consagrado, dos maiores de todos os tempos e, assumo o risco de afirmar, o maior da história do Vasco. E aqui, de novo irreconhecível na reprodução empastada do jornal, somente identificável na ampliação guardada na pasta 'Clube dos Vassourinhas' do arquivo fotográfico dos Associados.
A matéria inclusive nem é sobre ele, seu nome nem aparece. Só o do Vasco, de passagem. Era notícia anunciando o fim iminente que ameaçava a existência do lendário bloco de frevo do Recife. Para ilustrar a reportagem publicada em outubro, o arquivista foi buscar uma imagem do Carnaval daquele ano, registro até ali inédito da passagem do Vassourinhas pelo Rio oito meses antes, quando diz o texto que tinham mesmo se exibido para Getúlio no Maracanã – e no Vasco, informa a legenda da foto. Explica-se, assim, a presença do 'Queixada' entre os passistas, que tinham ido a São Januário levar um abraço ao ídolo, seu conterrâneo mais famoso.
A ameaça de extinção do bloco de frevo felizmente não se concretizou. E lá está ainda hoje, em proezas físicas inimagináveis, aquela gente elástica e flexível com suas sombrinhas descarnadas, outrora fatais, transformando em dança e graça o que antes foi aquecimento, ao som de bandas marciais, para embates campais entre os Aquiles e Heitores recifenses.
Arte, velocidade, negaça, repente que Ademir trouxe de lá para encher de medo o rapazola Ivan Soter lá em cima, nas maravilhosas curvas de cimento do finado Maracanã.
Cássio Loredano é caricaturista e consultor do IMS.
Com pesquisa de Andrea Wanderley