Em famoso perfil, Otto Lara Resende define as cartas de Sobral Pinto como “um dos pontos mais altos do Brasil”. Não lhe pode negar razão. Jurista, intelectual católico e militante político, o mineiro se envolveu em grande parte dos embates públicos brasileiros do século XX e encontrou nas cartas o meio privilegiado para sua atuação. Sobral certamente tinha outras tribunas, seja nas frequentes contribuições à imprensa, nos famosos casos em que atuou como advogado ou nas instituições a que se manteve vinculado por décadas, como o Centro Dom Vital, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO).
Era nas correspondências, todavia, que doutor Sobral se sentia mais à vontade. Tão logo identificava alguém contrário aos caminhos da Justiça e do Direito – ambos vistos por uma perspectiva que transcendia as conjunturas mais imediatas –, não tardava a ditar para sua secretária Ceci as palavras destinadas a fustigar, por meio de expressões duras, ou a ridicularizar, através do sarcasmo e da ironia, seus adversários. Sobral cultivava o hábito de divulgar suas missivas mais importantes não apenas entre os amigos mais próximos, mas também em meio aos integrantes do debate público nacional. O costume tinha sua razão. Se por vezes as cartas ganhavam tom intimista, voltadas aos mais próximos, em outros momentos, talvez nos mais célebres, ressoavam em um registro mais amplo do que o privado, ultrapassando em muito o destinatário ao qual aparentemente se dirigiam. Sobral usava, nestas ocasiões, as vestes de tribuno ou apóstolo, cioso em dar lições não apenas ao seu interlocutor explícito, mas à sociedade brasileira como um todo.
Dentre uma correspondência ativa de mais de 13 mil cartas sob guarda do Instituto Moreira Salles, redigidas ao longo de quase 60 anos de vida pública, entre 1929 e 1987, e meticulosamente organizadas pelo próprio Sobral Pinto, encontram-se registros onde ele ataca amigos e poderosos – como Francisco Campos, a quem pede que “tenha pena do Brasil”, e Castelo Branco, que vê seus argumentos contra o comunismo comparados aos de Hitler e Mussolini –, sem poupar mesmo aqueles que aparentemente se colocavam a seu lado nas preferências políticas. Também não faltam momentos onde ele reconhece os direitos e a virtude de supostos adversários, caso de Prestes e outros notórios comunistas.
A força, extensão e diversidade da correspondência permitem tomá-la como uma lente privilegiada para compreender a história do Brasil no último século. Sobral Pinto nunca reagiu com o silêncio aos grandes eventos políticos, usualmente vistos e revistos em cartas aos mais diversos interlocutores. O olhar para este amplo material, ainda em processo de catalogação e, no momento, indisponível para consulta, poderá, certamente, sugerir novas interpretações e perspectivas para fatos e personagens cruciais no desenrolar dessas seis décadas.
- Jorge Chaloub é doutor em Ciência Política, professor da UFJF e curador do acervo de correspondência de Sobral Pinto no IMS
Leia a primeira correspondência de Sobral Pinto publicada no Correio IMS: