Para alguns ele é um crítico musical inflexível em seus princípios, rabugento e intolerante. Para outros, é um dos mais importantes historiadores da cultura popular brasileira, pesquisador rigoroso e incansável.
José Ramos Tinhorão pode ser os dois e muitos mais. Completou 90 anos em 7 de fevereiro de 2018, e é possível constatar sua multiplicidade no canal do Instituto Moreira Salles no YouTube. Em 39 vídeos, o jornalista e escritor repassa toda a sua vida profissional e também a pessoal, revelando aspectos desconhecidos pela maioria das pessoas.
O IMS adquiriu o acervo de Tinhorão em 2001. O trabalho é permanente: catalogação, digitalização e ampliação, boa parte disponível para consultas.
Alguns números da Coleção Tinhorão, segundo a contabilidade do momento: 11.044 fonogramas de discos de 78 rotações, 3.932 discos de 33 rpm, 31.455 partituras impressas, 6.979 livros, 7.918 fotos e uma hemeroteca com mais de 30 mil itens, de recortes de jornal a coleções encadernadas de revistas e suplementos.
Os 39 vídeos da entrevista com Tinhorão completam esse acervo. Ele detalha como se tornou pesquisador e colecionador, algo que não era seu projeto de vida. Nascido em Santos, destacou-se no Rio de Janeiro na década de 1950 como redator do Diário Carioca, sendo chamado de "homem-legenda", graças à facilidade com que criava textos para fotos. Ganhou ainda o apelido de Tinhorão, uma planta tóxica, por causa da língua e da pena ferinas.
Foi no Jornal do Brasil que, a partir de 1960, passou a escrever sobre música. Logo mostrou as armas, derivadas de sua formação marxista: a defesa dos artistas de origem popular e o ataque a quem sucumbisse às condenáveis (para ele) influências estrangeiras. Sua aversão à bossa nova é o item mais ressaltado de sua biografia.
O ofício de pesquisador e historiador, vasculhando sebos e arquivos inclusive em Portugal, tornou-se prioridade, ainda que as contas a pagar o impedissem de largar completamente o jornalismo. As posições ideológicas foram deixando Tinhorão isolado, o que resultou em privações financeiras e problemas familiares. Hoje sua obra é reconhecida como referência incontornável em cultura popular. Graças à Editora 34, existem 18 livros em catálogo.
Há mais informações no site do IMS, em tinhorao.ims.com.br. E, nos vídeos, há a versão de Tinhorão para tudo o que aconteceu nestes 90 anos. Ele nunca falou tanto sobre si mesmo. A partir de agora, será impossível refletir sobre o seu trabalho sem conferir estes depoimentos.
O material que chega ao YouTube é fruto de dois dias de entrevistas gravadas na sede do IMS no Rio de Janeiro. Entre os entrevistadores estavam Rachel Valença, Bia Paes Leme (coordenadora de Música do IMS) e Janio de Freitas. As sessões aconteceram em 26 e 27 de março de 2013. Uma primeira edição já esteve no ar, mas uma organização melhor se mostrou necessária, e é lançada para celebrar os 90 anos de Tinhorão.
- Luiz Fernando Vianna é coordenador da Rádio Batuta