“Sempre me achei ator de teatro”, dizia Paulo Autran, que teria feito 95 anos no último 7 de setembro. Deu-se conta do talento ainda menino, quando o pai, que era delegado de polícia, ganhava ingressos para os espetáculos e ia vê-los com o filho.
O interesse precoce pelo teatro não impediu Paulo Autran de se formar em Direito e montar escritório de advocacia, em São Paulo, experiência que deu por encerrada quando, no Rio, conheceu Tônia Carrero. Nesse momento, decidiu seguir o que o destino lhe impunha e não demorou a subir em palco paulista para fazer Esquina perigosa. A partir daí passou a brilhar não só como ator, mas como diretor, e até mesmo empresário.
O papel-título em Otelo, no Rio, em 1956, foi apenas um dos clássicos que representou, assim como a peça foi apenas uma das várias montagens da companhia que fundou com Tônia Carrero e Adolfo Celi, a Companhia Tônia Celi-Autran. Na condição de sócio, pôde gozar da liberdade de escolher o repertório que lhe agradava, aquele pelo qual pouca gente se interessava, como Edipo rei, que ele montou e protagonizou.
Quem o viu em O homem de la mancha, ao lado de Bibi Ferreira, não esquecerá o vigor encantatório que deu ao personagem de d. Quixote, assim como não terá esquecido sua atuação no papel do tirânico professor Higgins na versão brasileira de My fair lady, também com Bibi Ferreira, dez anos antes.
Aos 77 anos de idade, naquela fase da vida em que, do ponto de vista amoroso, "os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme", como escreveu Drummond em "Campo de flores", casou-se com Karin Rodrigues, atriz com quem contracenara muitas vezes e de quem não podia mais se afastar. Descobriram que se amavam.
“Era um homem apolíneo”, define-o Karin no vídeo que o IMS preparou para homenageá-lo neste ano de 2017. Sóbria e amorosa a um só tempo, Karin, com Meg no colo, lembra os traços marcantes da personalidade de Paulo Autran: os do homem de teatro e do homem que amou com insuperável admiração. Tão insuperável que, sendo ela de natureza alegre, reconhece que grande parte de sua alegria se foi quando o marido morreu, em 12 de outubro de 2007. Há dez anos, portanto.
A outra metade da alegria que lhe restou Karin converteu numa espécie de felicidade não ruidosa, certamente forjada no legado que lhe deixou Paulo Autran.
- Elvia Bezerra é coordenadora de literatura do IMS