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Uma brasileira na China de Mao

28 de novembro de 2017

 

Em 1966, sob o comando do “Grande Timoneiro” Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong, na grafia atual), a República Popular da China vivia sua Revolução Cultural Proletária e era um dos países mais fechados da época. Fechado para dentro: a Guarda Vermelha, formada por milhões de estudantes, agricultores e operários, reprimia violentamente tanto os dissidentes do Partido como todas as ideias que fossem julgadas fora dos padrões comunistas definidos no Livro Vermelho de Mao. E fechado para fora: as relações diplomáticas com o Ocidente eram quase nulas, e difíceis até mesmo com a URSS.

Visitar a China era algo quase impensável, mas Elisa Moreira Salles (ou Elizinha, como era geralmente conhecida) e um grupo de curiosos conseguiram autorização para visitar o país em outubro. Foi uma viagem de turismo cultural paga pelos interessados no passeio e organizada pela revista francesa Connaissance des Arts. Por todas as dificuldades implicadas na ocasião, imagina-se que o tour deve ter sido combinado com muitos meses de antecedência. Com o acirramento da Revolução Cultural, o grupo foi seguramente um dos últimos a entrar na China naquele período.

Elizinha tinha a curiosidade dos grandes viajantes, e embora sua imagem na imprensa fosse a de uma frequentadora do jet set internacional, sempre citada como uma das mulheres mais elegantes do mundo, é preciso dizer que era uma pessoa de imensa cultura, muito lida, entendedora de artes plásticas, refinada. Certamente seu interesse maior em conhecer a China estava nas descobertas estéticas à sua espera, mas não deixou de tomar conhecimento da experiência política na vivência daquele momento especial.

Seu interessantíssimo relato da viagem mostra tudo isso, desde o entusiasmado deleite com os jardins, as cerâmicas, os entalhes, a elegância dos gestos triviais dos chineses, aos discretos comentários sobre a repressão cotidiana da Guarda Vermelha, que manteve o grupo sob constante vigilância por todo o mês em que lá permaneceu.

Publicado na Vogue americana em 1o de abril de 1967 e em O Cruzeiro em setembro do mesmo ano (ambas constam do acervo Walther Moreira Salles), o relato de Elizinha serviu de ponto de partida para o filme No intenso agora, de seu filho João Moreira Salles. De maneira muito diversa dos acontecimentos de Maio de 1968 em Paris, a estada chinesa foi vivida com intensidade semelhante, como se pode ver abaixo em “Uma brasileira na China”, aqui disponibilizado na íntegra.

 


 

O Cruzeiro, 23 de setembro de 1967


  

O Cruzeiro, 30 de setembro de 1967


  

  • Sergio Goes de Paula é coordenador do acervo Walther Moreira Salles do IMS.