O catálogo homônimo da exposição Seydou Keïta apresenta inúmeros retratos dos habitantes de seu país. Em seu estúdio, localizado perto da estação ferroviária de Bamako, registrava as expressões, os vestuários e os gostos dos visitantes que passavam por lá. Realizadas entre 1948 e 1962, suas imagens também mostram um período de transformação no Mali, quando o país caminhava rumo à sua independência, em 1960.
Autodidata, Keïta começou a fotografar logo após receber do seu tio uma Kodak Brownie, câmera popular na época. Curioso, tentava aprender a técnica enquanto trabalhava como carpinteiro, ofício de sua família. Aos poucos, aperfeiçoou sua prática, e também começou a revelar suas próprias imagens. Em 1948, abriu seu estúdio, onde retratou a elite de Bamako, a pequena-burguesia em ascensão em pleno regime colonial, mas também gente do campo em visita à cidade. Funcionários do governo, donos de lojas e esposas de políticos visitavam o fotógrafo, em busca de imagens que simbolizassem o seu status social.
Sua clientela era formada também por jovens, cujas vidas nas metrópoles contrastavam com a rotina e os saberes do campo. Em uma das poucas entrevistas que concedeu, Keïta menciona essas diferenças regionais. “No interior do país, era só pegar minha câmera que todo mundo corria de mim ou me dava as costas. As pessoas acreditavam que era muito perigoso ser fotografado, porque suas almas poderiam ser roubadas. Mesmo na cidade, algumas pessoas mais velhas tinham a mesma convicção.”
Essa tensão entre modernidade e tradição pode ser identificada nos próprios retratos produzidos pelo fotógrafo. Nas imagens, símbolos tradicionais, como as estampas coloridas dos vestidos, convivem com automóveis e rádios, grandes emblemas do sucesso econômico e de um estilo de vida ocidental. Em seu estúdio, Keïta disponibilizava para seus clientes várias roupas, como ternos europeus e boinas francesas. A convergência desses elementos aparentemente díspares também evoca um momento de ruptura histórica, como pontua Samuel Titan Jr.
Até disparar o clique, Keïta realizava um procedimento meticuloso de “direção de arte”, compondo cada detalhe da cena. Ele costumava, por exemplo, criar correspondências formais entre os vestidos das mulheres, ricos em desenhos geométricos, e os fundos das fotografias, compostos por tecidos ornados com desenhos. Além de se preocupar com o cenário, ele orientava os clientes, coordenando seus gestos e poses diante da câmera, em busca do melhor ângulo. Como resultado, surgiam imagens delicadas, sempre em preto e branco, feitas a partir da colaboração entre o fotógrafo e seus modelos.
Também adotada por outros colegas, essa postura de empatia representava uma ruptura com os fotógrafos vindos da Europa que, durante muito tempo, retrataram o continente apenas com o olhar externo e distante do colonizador. “Essa atitude dos fotógrafos africanos demonstra que havia um comprometimento pessoal com seus clientes. Eles se comportavam como verdadeiros cenógrafos de uma existência que eles partilham, como se soubessem inconscientemente que, por trás de suas imagens, estava a dignidade de um povo inteiro, de seu próprio povo, da qual eram emissários”, afirma Jacques Leenhardt.