São Paulo, fora de alcance
Fotografias de Mauro Restiffe
Texto do curador
Thyago Nogueira
Cidades são organismos vivos – nascem, crescem, desenvolvem-se. Raramente morrem e, em geral, sobrevivem àqueles que as moldaram ou que nelas vivem. A convite do Instituto Moreira Salles, o fotógrafo paulista Mauro Restiffe (1970) percorreu bairros centrais e periféricos de São Paulo, como Luz, República, Pinheiros, Vila Congonhas e Itaquera. Munido de sua Leica portátil e de filmes em preto e branco de alta sensibilidade, Restiffe palmilhou ruas e esquadrinhou a cidade entre dezembro e abril de 2014, um momento de profunda agitação, causada por eventos como as intervenções violentas no bairro da Luz ou as obras faraônicas que antecederam a Copa do Mundo. O resultado das caminhadas é esta exposição – uma síntese visual da paisagem humana, arquitetônica e topográfica de São Paulo e uma representação aguçada das tensões políticas e sociais que dão forma ao espaço urbano.
Os usos variados e inesperados que os habitantes fazem da cidade, os conflitos entre o desenvolvimento econômico e a preservação do patrimônio, a complexidade do relevo urbano – tudo está nas imagens. Eventos cotidianos, como deslocamentos diários ou o lazer do fim de semana, convivem com fatos extraordinários, como um os protestos que tomaram o país ou o incêndio no Memorial da América Latina. Cartões-postais como o Museu de Arte de São Paulo dividem a atenção com lugares menos reconhecíveis, como os arredores da avenida Jornalista Roberto Marinho, na Zona Sul. O que vemos é o espaço e o tempo da cidade, o que lhe dá corpo e vida.
Parte da frustração e do fascínio que São Paulo exerce em seus habitantes vem de seu ciclo de evolução acelerado e da dificuldade em controlar inteiramente o espaço. É o que sugere a fotografia do largo da Batata, importante entroncamento da cidade ao mesmo tempo em reforma e em ruína. Tão logo surgem, as construções já parecem gastas, como se precisassem ser constantemente substituídas, numa espiral de renovação que não vê fim.
As fotografias apresentam uma complexidade de situações, algumas aparentes, outras menos. O antropólogo Claude Lévi-Strauss acreditava que as cidades eram o produto de uma estrutura mental invisível, um tipo de ordem subjacente, fora de nosso alcance, que se insinuaria sobre os espaços e se expressaria de forma simbólica ou real, “um pouco como as preocupações inconscientes se aproveitam do sono para se exprimir”.
Depois de percorrer e fotografar exaustivamente São Paulo, Restiffe talvez tenha intuído uma ordem própria, construída por microscópicos grãos de prata. Ao expor a complexa interação entre o espaço, as pessoas e a arquitetura, ao exibir a experiência urbana como uma realidade fragmentada, o fotógrafo age como um urbanista inconsciente, um artista que constrói uma nova cidade.
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