Sahar Khalifeh, uma jovem escritora e professora divorciada que vive e trabalha em Ramalá, e Roumia Farah Hatoum, uma viúva mais velha que se recusa a deixar o que restou de suas terras, são duas mulheres palestinas que, por diferentes razões, vivem uma situação de inércia, em consequência de uma sociedade árabe patriarcal e opressiva e uma ocupação israelense que as colocou na condição de estrangeiras em sua terra natal. O filme recém-restaurado A memória fértil (1981), do pioneiro cineasta palestino Michel Khleifi (nascido em 1950), acompanha as vidas diárias dessas mulheres de gerações distintas de forma delicada e poética, mostrando a resiliência e força de uma classe duplamente oprimida. Já o cineasta israelense contemporâneo Avi Mograbi (nascido em 1956), em seu documentário lúdico Uma vez entrei num jardim (2012), propõe a seu amigo e professor de árabe palestino Ali Al-Azhari reencenar a migração dos antepassados do diretor, do Líbano para Israel. O mergulho resultante nas histórias familiares dos dois homens expõe a dramática existência de uma população cujos indivíduos foram destituídos de sua condição de cidadãos e transformados em “ausentes presentes”.
A Sessão Mutual Films de setembro de 2024 apresenta um diálogo entre os cinemas de artistas pacíficos, que também inclui dois curtas-metragens: Ma’loul celebra sua destruição (1984), de Khleifi, é um registro do retorno anual de ex-residentes às ruínas de sua aldeia palestina que foi eliminada em 1948; Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora (2002), de Mograbi, apresenta uma conversa telefônica entre o cineasta e seu amigo palestino George Khleifi (irmão de Michel e coordenador de produção de seus filmes) durante uma incursão militar israelense. A exibição do dia 11 será seguida por uma conversa com o professor e curador norte-americano de cinema Richard Peña, e, a do dia 25, por uma leitura pela poeta israelense Tal Nitzán.
A curadoria e a produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard.
Blog do cinema:
A ausência na presença: filmes de Michel Khleifi e Avi Mograbi - Por Aaron Cutler e Mariana Shellard ►
Sessões especiais
IMS Paulista
Programa 1: Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora + A memória fértil
11/9/2024, quarta, 19h
Seguida de debate com Richard Peña, Aaron Cutler e Mariana Shellard
Programa 2: Ma’loul celebra sua destruição + Uma vez entrei num jardim
12/9/2024, quinta, 19h20
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
Programa 2: Ma’loul celebra sua destruição + Uma vez entrei num jardim
25/9/2024, quarta, 19h
Exibição de filmes + leitura de poemas por Tal Nitzán
Filmes
Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora
Wait, It’s the Soldiers, I’ll Hang up Now
Avi Mograbi | Israel | 2002, 13’, DV para DCP (acervo do artista) | Classificação indicativa: 14 anos
A memória fértil
Al Dhakira al-Khasba
Michel Khleifi | Bélgica, Holanda, Palestina | 1981, 100’, 16 mm para DCP (Sindibad Films Ltd., Inglaterra) | Classificação indicativa: 14 anos
Em A memória fértil, o cineasta palestino Michel Khleifi acompanha o dia a dia de duas mulheres de gerações e ambições diferentes, mas que compartilham um desejo em comum de autoafirmação em uma sociedade duplamente opressiva. Viúva há décadas, a camponesa palestina Roumia Farah Hatoum (tia do cineasta) trabalha incessantemente para manter suas terras em Nazaré, que foram usurpadas após a criação do Estado de Israel em 1948. Ela costura maiôs em uma fábrica israelense de tecidos, faz massas, prepara lã e cuida de sua casa, onde também vivem seu neto, cunhada e filho. Este último tenta convencê-la a transferir a posse da casa para o novo proprietário em troca de dinheiro. “Eu quero cultivá-la, viver nela, dormir nela, e não podemos nos beneficiar dela!”, diz a velha sobre suas terras perdidas.
A escritora e professora marxista-feminista mais jovem Sahar Khalifeh vive na cidade de Ramalá, para onde se mudou após terminar seu casamento de 13 anos. Sahar lutou pela guarda de suas duas filhas e as sustenta trabalhando como diretora de atividades culturais na Universidade de Birzeit, a única faculdade palestina. Ela leva uma vida solitária, pois sua condição de divorciada dificulta a possibilidade de um novo relacionamento, e vive plenamente consciente de ter recomeçado do zero. Além das reflexões e de trechos de seus romances que ela compartilha com Khleifi, também são ouvidas as letras das músicas que compôs para seus alunos em uma tentativa de comentar as realidades políticas do velho e novo mundo. Em uma cena, Sahar lê uma das letras: “A galinha diz: ‘Pobre de mim! Me venderam ao matadouro e me degolaram sem me abençoar’”.
A linguagem do filme de estreia de Khleifi parte do cinema direto para desenvolver uma narrativa poética e repleta de metáforas sobre um povo que perdeu o direito à existência enquanto nação, mas que mantém sua força enquanto indivíduos. O cineasta rejeitou uma estratégia de mise-en-scène, a favor do que ele chamou de “mise-en-situation”, na qual as escolhas principais foram guiadas pela maneira em que as protagonistas queriam mostrar o seu ambiente.
O primeiro longa-metragem filmado dentro do território ocupado da Cisjordânia lançou não apenas a filmografia de Michel Khleifi, mas também iniciou a carreira cinematográfica de seu irmão mais velho George Khleifi, que trabalhou como coordenador de produção nas obras de Michel e em outros filmes feitos no território palestino. É a voz de George que ouvimos conversando com o cineasta israelense Avi Mograbi no curta-metragem Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora, que nasceu durante uma incursão em 2002 pelas Forças de Defesa de Israel em Ramalá e em outras cidades palestinas. Durante esse período, Mograbi tornou um hábito ligar e pedir notícias de amigos que moravam nos Territórios Ocupados, e às vezes gravava as conversas com a permissão dos participantes.
Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora estreou no festival FIDMarseille em 2002 e terá sua estreia brasileira no IMS. A memória fértil foi exibido no Festival de Cannes em 1981 e, nos anos seguintes, foi reconhecido como uma obra fundamental do cinema árabe moderno. Ele foi restaurado digitalmente em 2017 pela Cinemateca Real de Bélgica, a partir de seus negativos originais em 16 mm e sob a supervisão de Michel Khleifi.
A exibição dos dois filmes no IMS Paulista no dia 11 será seguida por um debate com Richard Peña, organizador de vários cursos e mostras do cinema feito no Oriente Médio.
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
11/9, quarta, 19h
Seguida de debate com Richard Peña, Aaron Cutler e Mariana Shellard
21/9, sábado, 17h45
Ma’loul celebra sua destruição
Ma’loul tahtafilu bi damariha
Michel Khleifi | Bélgica, Palestina | 1984, 33’, 16 mm para DCP (Sindibad Films Ltd., Inglaterra) | Classificação indicativa: 14 anos
Uma vez entrei num jardim
Nichnasti pa’am lagan
Avi Mograbi | Israel, França, Suíça | 2012, 99’, HD para DCP (The Party Film Sales, França) | Classificação indicativa: 14 anos
Uma vez entrei num jardim começa com uma discussão em uma cozinha em Tel Aviv em torno do convite feito pelo cineasta israelense Avi Mograbi ao seu amigo de longa data, o professor palestino de árabe Ali Al-Azhari, para participar do seu próximo filme. O documentarista inventivo e o ator aspirante chegam ao acordo de que nada entrará no corte final sem o consentimento dos dois. O que se segue é uma troca de fotos e documentos na busca das histórias de família dos dois homens, ao longo de uma conversa realizada tanto no hebraico perfeito de Ali – que vive em Israel desde a destruição de sua aldeia nativa de Saffuriya, em 1948 – quanto no árabe hesitante e quebrado de Avi, que o palestino trabalha pacientemente para corrigir.
A família de Mograbi, originaria da Itália, morava por gerações na Síria antes da formação do Estado de Israel. Eles se deslocavam livremente entre Beirute e Tel Aviv, em uma época em que era possível consultar quase todos os endereços do Oriente Médio em uma única lista de classificados trilíngue (árabe, francês e inglês). Avi conta um sonho no qual ele se encontra com seu avô Ibrahim, em Damasco, sem saber em qual língua eles falam, e pede para Ali interpretar o patriarca. Em outro momento, referindo-se a uma foto do bisavô de Mograbi, Ali diz: “Ele era um árabe no seu modo de vestir, nos seus gostos, nos seus anseios, na sua música e nos seus sonhos. Mas a sua religião era o judaísmo”.
Despertado por imagens da Revolução Egípcia de 2011, Ali traz seu próprio sonho: o do direito de retorno dos palestinos a suas terras expropriadas. Ele e Avi são acompanhados pelo cinegrafista francês Philippe Bellaïche e, em certo momento, pela filha de dez anos de Ali, Yasmin, uma menina curiosa de descendência mista, fruto do casamento de seu pai com uma mulher israelense. As cenas da trupe se intercalam com imagens em super-8 do Líbano atual, ao som da leitura de cartas de uma mulher sem nome em Beirute (interpretada pela voz de Aysha Taybe) a seu amante em Israel. O filme termina em um passeio no local de nascimento de Ali, onde atualmente, uma terra ocupada, os portões se fecham para “estranhos”.
O título do sexto longa-metragem de Mograbi se inspira na música preferida dos amantes (interpretada pela cantora egípcia Asmahan), que expressa saudades por um tempo mais afetuoso. O diretor se referiu a Uma vez entrei num jardim como seu filme mais radical, por representar “a primeira vez que eu comecei um projeto não porque eu estivesse frustrado ou com raiva de algo ou de alguém, mas de um outro ponto de vista”*. Diferentemente de seus filmes anteriores, nos quais Mograbi se dedicou a denunciar os abusos dos governos israelenses contra a população palestina, dessa vez ele busca comunhão com seus personagens.
Ma’loul celebra sua destruição, o curta-metragem do palestino Michel Khleifi que precederá Uma vez entrei num jardim, retrata os ex-moradores do vilarejo do título, que foi destruído durante a Primeira Guerra Árabe-Israelense, assim como outras mais de 250 aldeias palestinas. O filme inicia com os expropriados celebrando a história de sua aldeia entre as ruínas do local, para onde são autorizados a retornar uma vez ao ano (14 de maio, o dia de comemoração da independência do Estado do Israel). A lembrança de Ma’loul permanece na mente dos mais velhos, que passam sua história para os jovens durante a celebração, e em uma pintura do vilarejo. “Nós, que nascemos aqui, nunca vamos esquecer”, diz um dos ex-moradores da aldeia. Em contraponto, em uma sala de aula, um professor e nativo de Ma’loul ensina seus alunos a história oficial da fundação de Israel.
Ma’loul celebra sua destruição foi restaurado em 2K em 2018 sob a supervisão de Michel Khleifi, dentro de um projeto de restauração dos filmes do cineasta pela Cinemateca Real de Bélgica. Uma vez entrei num jardim estreou no Festival de Cinema de Roma em 2012 e circulou em muitos festivais subsequentes, inclusive dentro de em uma retrospectiva dos filmes de Mograbi no forumdoc.bh em 2014. Segundo o cineasta, Ali e sua família estão bem.
A exibição dos filmes no dia 25 será acompanhada por uma leitura pela poeta israelense Tal Nitzán, que estará no Brasil como convidada do Festival Artes Vertentes.
*Citação extraída de entrevista realizada em 2014 pela equipe do Festival do Filme Documentário e Etnográfico (forumdoc.bh), com o diretor Avi Mograbi.
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
12/9, quinta, 19h20
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
25/9, quarta, 19h
Exibição de filmes + leitura de poemas por Tal Nitzán
Richard Peña
É professor emérito da Universidade Columbia (Nova York), onde lecionou entre 1989 e 2023 nas áreas de teoria do cinema e cinema mundial. Entre 1988 e 2012, foi diretor do Festival de Cinema de Nova York e diretor de programação de cinema no Lincoln Center, sendo responsável pela curadoria de inúmeras retrospectivas de diversos realizadores, como Michelangelo Antonioni, Abbas Kiarostami, Youssef Chahine, Jean Eustache e Ritwik Ghatak, e mostras dedicadas aos cinemas africano, árabe, chinês, cubano, soviético e argentino, entre outros. Atuou como professor visitante em instituições nos Estados Unidos e em outros países, a exemplo da Princeton University, Harvard University, Université de Paris-Sorbonne, Universidade de São Paulo (onde suas atividades contaram com um curso sobre o novo cinema árabe, em maio de 2019), Beijing University e Jadavpur University. Ao longo de sua carreira, tem abordado o cinema brasileiro e latino-americano em diversos cursos, palestras e publicações.
Tal Nitzán
É poeta, romancista, tradutora, editora e uma das mais importantes vozes da literatura hebraica contemporânea. Recebeu diversos prêmios por sua obra literária, entre os quais destacam-se o Prêmio Mulheres Escritoras, o Prêmio Ministro da Cultura de Israel para Jovens Poetas e Livro de Estreia, os Prêmios de Poesia da Universidade Hebraica e da Universidade Bar-Ilan e o Prêmio do Primeiro-Ministro de Israel para Escritores. Publicou sete livros de poesia, dois romances, uma coletânea de contos e seis livros infantis, editou duas antologias de poesia latino-americana e uma de poesia política hebraica. Adaptou versões do romance Dom Quixote e peças de Shakespeare para jovens leitores e traduziu diversos autores importantes da língua espanhola (como Pablo Neruda) para o hebraico. A editora Ars et Vita publicou dois livros dela no Brasil, sendo a coletânea de poemas Atlântida (2019, publicado no Brasil em 2022) e o romance Todas as crianças do mundo (2015, publicado no Brasil em 2024).
IMS PAULISTA
11/9/2024, quarta
19h - Programa 1: Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora + A memória fértil*
Seguida de debate com Richard Peña, Aaron Cutler e Mariana Shellard
*Sessão gratuita. Com distribuição de senhas 60 minutos antes da sessão.
12/9/2024, quinta
19h20 - Programa 2: Ma’loul celebra sua destruição + Uma vez entrei num jardim
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
21/9/2024, sábado
17h45 - Programa 1: Aguarde, os soldados chegaram, vou desligar agora + A memória fértil
25/9/2024, quarta
19h - Programa 2: Ma’loul celebra sua destruição + Uma vez entrei num jardim
Exibição de filmes + leitura de poemas por Tal Nitzán
Vendas
Os ingressos do cinema podem ser adquiridos online ou na bilheteria do centro cultural, mais informações abaixo.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem e maiores de 60 anos.
Cliente Itaú
Desconto de 50% para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
Sessões com debate
As sessões com debate são gratuitas. Sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 60 minutos antes do evento. Limite de 1 senha por pessoa.
IMS Paulista
Sessão com debate
Entrada gratuita. Sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 60 minutos antes de cada sessão. Limite de uma senha por pessoa.
Demais sessões
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a domingo, das 12h até o início da última sessão de cinema do dia, na Praça, no 5º andar.
Os ingressos para as sessões são vendidos na recepção do IMS Paulista e pelo site ingresso.com. A venda é mensal e os ingressos são liberados no primeiro dia de cada mês.
Sessão Mutual Films é um evento bimestral com o propósito de criar diálogos entre as várias faces do meio cinematográfico, trazendo para o público, sempre que possível, filmes, restaurações e eventos inéditos em sessões duplas.