A artista visual Camille Billops (1933-2019) e o teatrólogo James Hatch (1928-2020), ambos norte-americanos, se conheceram em Los Angeles em 1959 e viveram juntos por seis décadas. Moraram em diversos países e cidades até se estabelecerem em Nova York, onde criaram um dos maiores arquivos existentes de documentos e depoimentos sobre a cultura artística negra norte-americana e realizaram seis filmes. A Sessão Mutual Films de março traz a obra cinematográfica completa do casal, cujos documentários registraram, de uma forma muito particular, as lutas e contradições de mulheres e homens negros, tendo como frequente ponto de partida a própria família de Billops. Dentre os assuntos percorridos, a autorreflexão de uma mulher sobre o abuso físico que sofreu de seu pai durante a infância e o vício em heroína (Suzanne, Suzanne); a recusa da maternidade e o eventual reencontro entre mãe e filha (Encontrando Christa); a apropriação cultural atuante desde a época da escravidão (Pegue suas malas); o racismo disseminado como um fenômeno individual e cultural (A butique KKK não é apenas de caipiras); as experiências sexuais e afetivas entre mulheres mais velhas e homens mais jovens (Mulheres mais velhas e o amor); e os desafios do homem negro norte-americano ao longo de quatro gerações (Um colar de pérolas).
A primeira exibição da mostra no IMS Paulista, no dia 12, contará com um debate sobre a filmografia de Billops e Hatch com a artista e cineasta Aline Motta.
A curadoria e a produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard.
Blog do cinema:
Nossa própria imagem, um espelho de beleza: os filmes de Camille Billops e James Hatch - Por Aaron Cutler e Mariana Shellard
Sessões especiais
IMS Paulista
Suzanne, Suzanne + Encontrando Christa
12/3/2024, terça, 19h20
Sessão seguida de debate com Aline Motta, Aaron Cutler e Mariana Shellard
Filmes
O primeiro filme realizado por Camille Billops e James Hatch é um curto documentário filmado em 16 mm e em preto e branco. Em Suzanne, Suzanne, acompanhamos de forma direta as rememorações de Suzanne Browning, sobrinha de Billops, uma jovem mulher em Los Angeles (e mãe de dois meninos) que luta para se recuperar dos abusos físicos do pai já falecido durante a infância e de uma juventude de vício em heroína. Em algumas das cenas mais tocantes do filme, Suzanne questiona sua mãe, Billie (irmã de Billops), sobre a persistente inércia dela diante da violência que se repetia com frequência quando seu pai, Brownie, chegava em casa. Também testemunhamos a declaração de Billie, que se sentiu aliviada com a morte súbita do marido e a aparente indiferença do irmão de Suzanne, Michael, que entendia a punição como consequência do mau comportamento de sua irmã. As falas dos personagens são apresentadas para a câmera com poucas intervenções e sem qualquer julgamento evidente da parte dos cineastas, e elas expressam a complexidade dessa família negra norte-americana de classe média, que luta para manter uma aparência recatada.
Em 1981, pouco antes da finalização de Suzanne, Suzanne, Billops recebeu uma fita cassete em sua residência em Nova York contendo uma música que a convidava para um reencontro. O reencontro seria entre a cineasta e sua única filha, Christa Victoria, uma cantora que a então mãe solteira entregara para adoção em Los Angeles 20 anos antes, quando a menina tinha quatro anos. No filme Encontrando Christa – uma obra feita ao longo de uma década e que apresenta o encontro entre as duas mulheres a partir de uma mistura de cenas documentais e performance – Billops fala que ela nunca desejou a maternidade, e consequentemente a reprodução do mesmo modelo inadequado impelido às mulheres de sua família. Porém, ela também não contava que, após duas décadas, sua filha (adulta, casada e com uma carreira em andamento) retornaria para reivindicar seu acolhimento.
Vemos Billops percebendo a oportunidade artística do evento e mergulhando em seu passado, nas possibilidades de uma parceria criativa com Christa e em um novo relacionamento cheio de conflitos e espelhos. Muito do contexto emocional da história é dado por meio de entrevistas com mulheres da família de Billops e com a família adotiva de Christa, cuja matriarca amorosa, Margaret Liebig, também é uma cantora. Forma-se, assim, um triângulo maternal entre as duas mães e a filha, que, apesar das dificuldades, oferece uma compensação pelo irremediável abandono, numa história cheia de dor do passado e esperança para o futuro.
Suzanne, Suzanne estreou no festival New Directors/New Films (em Nova York) e no Festival Internacional de Cinema de Roterdã e será apresentado no IMS em uma nova restauração que foi realizada em 4K pela entidade sem fins lucrativos IndieCollect. Encontrando Christa ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance em 1992, entre outras honras, e também será apresentado em uma nova digitalização. A exibição do programa no IMS Poços, no dia 23, contará com um debate sobre o cinema de Billops e Hatch com os curadores Aaron Cutler e Mariana Shellard.
O programa conta com os filmes:
Suzanne, Suzanne
Camille Billops e James Hatch | EUA | 1982, 26’, DCP (Third World Newsreel)
Encontrando Christa
Finding Christa
Camille Billops e James Hatch | EUA | 1991, 56’, DCP (Third World Newsreel)
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
12/3, terça, 19h20
Sessão seguida de debate com Aline Motta, Aaron Cutler e Mariana Shellard
17/3, domingo, 18h15
IMS Poços
23/3, sábado, 16h
No curta-metragem Pegue suas malas, comissionado para o National Black Arts Festival, em Atlanta, Camille Billops reflete sobre a apropriação cultural a partir de sua visão sobre a escravidão dos africanos nos Estados Unidos – a qual ela compartilha em cena ao lado de um primo distante, um menino atencioso chamado Keita Omawale Erskine, usando uma linguagem lúdica. Ela diz no filme: “Quando as pessoas escravizadas embarcaram no navio com destino às Américas, na Passagem do Meio, elas foram recebidas por um oficial acolhedor, que cuidadosamente colocava suas malas em um local onde todos podiam ver. O oficial garantiu que elas seriam retornadas no final da viagem. As malas continham todas as experiências de vida. [...] Quando essas pessoas chegaram nas Américas, elas se deram conta de que as malas que tinham entregado ao oficial haviam sido trocadas. E, nas malas que elas receberam, havia outras imagens...”
Em A butique KKK não é apenas de caipiras – o único longa-metragem realizado por Billops e James Hatch –, os cineastas convidam seus diversos amigos para um jogo que aborda várias formas de racismo. Em uma mistura de documentário – com entrevistas sobre as experiências de vida dos participantes – e encenações teatrais e satíricas, somos convidados a refletir sobre nossos próprios preconceitos de uma forma surpreendente. Com dinâmicas ácidas e ousadas, os anfitriões desse jogo não perdoam ninguém: independente de raça, cor ou gênero, todos são submetidos ao mesmo escrutínio.
Em uma cena inicial, Hatch explica que o filme é uma espécie de jornada dantesca para o inferno e apresenta um mapa com as diferentes etapas pelas quais passarão os convidados. Inicialmente, eles entram numa butique de roupas inspiradas em diferentes entidades, que variam entre símbolos nazistas, capas da Ku Klux Klan (uma sociedade secreta de racistas no sul dos Estados Unidos) e máscaras caricatas para todos os gostos. São convidados a escolher seus trajes de acordo com o que lhes apetece e seguem pelos corredores escuros e apertados que conectam cada ambiente. As performances extremamente irônicas são intercaladas por depoimentos impactantes dos participantes. Na passarela de um desfile chamado “os quatro cantos do mundo fascista”, homens e mulheres desfilam as “combinações mais racistas”. Uma mulher negra de idade relata que, em 1928, ela e seu marido se hospedaram em um bairro branco, e, no dia seguinte, no outro lado da rua, apareceu uma placa ameaçadora com as iniciais “KKK”. Um outro cenário, chamado “o quarto dos inescrutáveis” – um palco decorado com sombrinhas e luminárias orientais –, é descrito por um descendente de chineses como sendo para “pessoas com fantasias asiáticas”. Uma mulher branca apresenta sua filha mestiça para a câmera e explica que a perda é de sua família por não querer conhecê-la.
Mas, mesmo em meio a tanta raiva, A butique KKK não é apenas de caipiras mantém uma tocante essência humanística, inclusive nas figuras dos diretores, um casal inter-racial que enfrentou preconceito em diversas ocasiões. Em cenas recorrentes ao longo do filme, Billops corta os cabelos de Hatch em um campo de girassóis, e ele desmancha as tranças dela, como atos de intimidade que eles praticam há mais de 30 anos.
O programa conta com os filmes:
Pegue suas malas
Take Your Bags
Camille Billops | EUA | 1998, 11’, DCP (Third World Newsreel)
A butique KKK não é apenas de caipiras
The KKK Boutique Ain’t Just Rednecks
Camille Billops e James Hatch | EUA | 1994, 77’, DCP (Third World Newsreel)
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
13/3, quarta, 19h30
24/3, domingo, 17h30
IMS Poços
23/3, sábado, 18h30
O segundo filme de Billops e Hatch começa com uma descontraída reunião no apartamento nova-iorquino dos artistas, onde conversas picantes, num tom de fofoca, rolam soltas sobre mulheres mais velhas que se envolvem com moçoilos. Entrevistas variadas, em diferentes ambientes, entremeiam essas cenas no curta-metragem Mulheres mais velhas e o amor (cujo ponto de partida foi a experiência de uma tia de Billops), com relatos de experiências sexuais e afetivas contadas por diversas amigas do casal sobre momentos passados e, em alguns casos (como um casamento entre uma atriz e um músico mais jovem), extremamente presentes. Uma psicóloga explica a importância do relacionamento amoroso para a saúde; Dion Hatch – filho de James e cinematógrafo do filme – relata sua constatação durante a adolescência ao ver sua mãe visivelmente apaixonada, “com ar de juventude no rosto”. O próprio Hatch lembra um casal de idosos que redescobriu o amor, perto do leito de morte. Acompanhando o filme, uma performance da jazzista Patti Bown, que também é uma das convidadas desta celebração da vida.
O sexto e último filme do casal, o média-metragem Um colar de pérolas (cujo nome se inspira em uma composição do jazzista norte-americano Glenn Miller), nasceu a partir de um comentário de Billie, irmã de Camille, que percebeu que seus filmes se detinham nas mulheres e questionou a cineasta sobre a possibilidade de fazer um filme sobre os homens da família. Billops então mergulhou no universo masculino de quatro gerações de parentes, a maioria vivendo em Los Angeles, onde a família de Billops se estabeleceu em consequência da Grande Migração, que deslocou milhões de pessoas afro-americanas do sul dos Estados Unidos em busca de mais trabalho e melhores condições de vida. Ao observar o desdobramento da vida deles – registrados entre 1979 e 2001 e em uma combinação de película e vídeo –, Billops reconhece um crescente desespero, infelizmente comum entre as famílias negras ao seu redor. “O desemprego, o uísque e o racismo mataram os homens da minha família”, ela declara no início do filme, em referência à perda de pelo menos três entes queridos (inclusive o pai da diretora), que faleceram antes de chegar aos 50 anos.
Além dos relatos familiares, o filme inclui poesias e depoimentos médicos que aprofundam a discussão da condição do homem negro norte-americano. Os homens do filme passaram por dificuldades para proporcionar às próprias famílias uma boa qualidade de vida. Porém, a cada geração, viram seu poder aquisitivo decair, a violência da cidade aumentar e as oportunidades se extinguirem. Ainda assim, cada uma de suas vidas consta como uma pérola.
O programa conta com os filmes:
Mulheres mais velhas e o amor
Older Women and Love
Camille Billops e James Hatch | EUA | 1987, 27’, DCP (Third World Newsreel)
Um colar de pérolas
A String of Pearls
Camille Billops e James Hatch | EUA | 2002, 57’, DCP (Third World Newsreel)
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
14/3, quinta, 20h
31/3, domingo, 18h
IMS Poços
30/3, sábado, 16h
IMS PAULISTA
12/3/2024, terça
19h20 - Suzanne, Suzanne + Encontrando Christa
Sessão seguida de debate com Aline Motta, Aaron Cutler e Mariana Shellard
13/3/2024, quarta
19h30 - Pegue suas malas + A butique KKK não é apenas de caipiras
14/3/2024, quinta
20h - Mulheres mais velhas e o amor + Um colar de pérolas
17/3/2024, domingo
18h15 - Suzanne, Suzanne + Encontrando Christa
24/3, domingo
17h30 - Pegue suas malas + A butique KKK não é apenas de caipiras
31/3/2024, domingo
18h - Mulheres mais velhas e o amor + Um colar de pérolas
IMS POÇOS
23/3/2024, sábado
16h - Suzanne, Suzanne + Encontrando Christa
18h30 - Pegue suas malas + A butique KKK não é apenas de caipiras
30/3/2024, sábado
16h - Mulheres mais velhas e o amor + Um colar de pérolas
Vendas
Os ingressos do cinema podem ser adquiridos online ou na bilheteria do centro cultural, mais informações abaixo.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem e maiores de 60 anos.
Cliente Itaú
Desconto de 50% para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
IMS Paulista
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a domingo, das 12h até o início da última sessão de cinema do dia, na Praça, no 5º andar.
Os ingressos para as sessões são vendidos na recepção do IMS Paulista e pelo site ingresso.com. A venda é mensal e os ingressos são liberados no primeiro dia de cada mês.
Não é permitido o consumo de bebidas e alimentos na sala de cinema.
IMS Poços
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h, na recepção do IMS Poços.
Os ingressos para as sessões são vendidos na recepção do IMS Poços e pelo site ingresso.com. A venda é mensal e os ingressos são liberados no primeiro dia de cada mês. Os preços variam de acordo com o filme ou a mostra.
Não é permitido o consumo de bebidas e alimentos na sala de cinema.
Sessão Mutual Films é um evento bimestral com o propósito de criar diálogos entre as várias faces do meio cinematográfico, trazendo para o público, sempre que possível, filmes, restaurações e eventos inéditos em sessões duplas.