A Sessão Mutual Films de outubro conta com filmes de duas cineastas libanesas que se dedicaram a retratar a Guerra Civil Libanesa (1975-1990) e seu impacto sobre o Líbano e Beirute, sua capital. Nos três documentários de média-metragem que Jocelyne Saab (1948-2019) chamou de “A Trilogia de Beirute”, a cineasta e jornalista reflete sobre a destruição causada pela guerra. Ela começa com um passeio impressionista ao redor das paisagens urbanas da cidade abalada, em Beirute, nunca mais (1976, com narração escrita pela autora libanesa Etel Adnan). Depois, faz uma abordagem mais pessoal, em Carta de Beirute (1978), na qual coloca-se como personagem diante da câmera e entrevista habitantes de diversas regiões da cidade em reconstrução. E conclui assumindo uma visão mais poética e desafiadora, com narração e texto do teatrólogo libanês Roger Assaf, enquanto vemos aqueles que são permanentemente feridos pelo cerco de Beirute, em Beirute, minha cidade (1982). Enquanto isso, em seu único longa-metragem de ficção, Leila e os lobos (1984), a diretora Heiny Srour (nascida em 1945) utiliza a estrutura de As mil e uma noites para transmitir a experiência do ponto de vista feminino da guerra, contextualizando-o desde o início do século XX. A protagonista Leila (interpretada por Nabila Zeitouni) – uma mulher libanesa moderna que vive em Londres e organiza uma exibição de fotos sobre a perspectiva dos palestinos na guerra – conduz o espectador em uma viagem no tempo para contar histórias que mostram a opressão constante sobre a mulher árabe e a importância de sua (auto)emancipação pelo bem de uma sociedade futura viável. A sessão também conta com um curta-metragem de Saab chamado As crianças da guerra (1976), que reflete sobre a possibilidade das crianças que cresceram com a guerra civil viverem um futuro estável. A exibição do dia 9/10 será seguida por um debate com Carol Almeida, uma das curadoras da Mostra de Cinema Árabe Feminino.
Blog do cinema:
O Líbano de Heiny Srour e Jocelyne Saab - por Aaron Cutler e Mariana Shellard ►
Sessões especiais
IMS PAULISTA
Programa 1: A trilogia de Beirute
8/10/2025, quarta, 19h30
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
Programa 2: Leila e os lobos
9/10/2025, quinta, 19h
Sessão seguida de debate com Carol Almeida, Mariana Shellard e Aaron Cutler

Filmes
Classificação indicativa da sessão: 18 anos
Beirute, nunca mais
Beyrouth, jamais plus
Jocelyne Saab | França | 1976, 37’, DCP (Association Jocelyne Saab), cópia restaurada | Classificação indicativa: 18 anos
Carta de Beirute
Lettre de Beyrouth
Jocelyne Saab | França | 1978, 50’, DCP (Association Jocelyne Saab), cópia restaurada | Classificação indicativa: 18 anos
Beirute, minha cidade
Beyrouth, ma ville
Jocelyne Saab | França | 1982, 37’, DCP (Association Jocelyne Saab), cópia restaurada | Classificação indicativa: 18 anos
No início da década de 1970, a jornalista e cineasta libanesa Jocelyne Saab trabalhou como repórter para a televisão francesa. Seu tema principal era a vida política de seu país. Com a eclosão da Guerra Civil Libanesa, em 1975, o seu cinema tomou um rumo mais pessoal para tentar transmitir o impacto da guerra sob o olhar íntimo, em contraste com os inúmeros jornalistas estrangeiros que também faziam suas coberturas. Entre 1976 e 1982, Saab fez três médias-metragens documentais ambientados na capital Beirute, em três fases distintas da guerra, que acabou durando até 1990 e envolveu milícias cristãs, sunitas e xiitas, ateus, palestinos, drusos e o Estado de Israel.
Em Beirute, nunca mais, observamos de imediato um jovem dormindo na rua, um carro de artilharia atravessando o quadro, a paisagem tomada pela destruição. A narração em off nos informa que “um em cada dois viajantes no mundo conhece Beirute, mas a cidade não existe mais.” Pessoas caminham pelas ruas fantasmas, repletas de destroços da guerra que estava apenas começando e que já havia deixado milhares de mortos na cidade, que foi um dia considerada a Paris e a Suíça do Oriente Médio. A narração foi escrita pela artista visual e poetisa libanesa Etel Adnan e faz uma reflexão sobre o que vemos em julho de 1976, há pouco mais de um ano do início do conflito. Esqueletos de massivos edifícios modernos, jovens armados, crianças abandonadas revirando a sucata de tudo o que existe em uma metrópole. A cidade é apresentada por um olhar contemplativo, que vagueia pelas ruas, sem se envolver explicitamente com a destruição que testemunha.
Em 1978, com a ação militar israelense no sul do Líbano, Saab realiza Carta de Beirute, que foi escrito em parceria entre ela e Adnan. Dessa vez, a cineasta não apenas narra um texto sobre imagens, mas também se coloca diante da câmera, como uma personagem que se dirige tanto aos seus amigos da classe intelectual e artística libanesa quanto à população em geral, para ouvir o que têm a dizer. Dentro de um ônibus (alugado para o filme) que se desloca de leste a oeste da cidade dividida, ela entrevista grupos diferentes de pessoas, como estudantes, trabalhadores, mulheres e homens idosos. Depois, em seu carro, Saab viaja para o sul do Líbano, onde entrevista militares de vários países a serviço da ONU e participa de um evento com o líder da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), Yasser Arafat. O filme conclui com uma visita a um parque de diversões abandonado, e com a sensação de que o país está girando em círculos.
Em junho de 1982, Israel invade o Líbano e, no mês seguinte, bombardeia Beirute. Na terceira parte da trilogia, Beirute, minha cidade, Saab novamente se coloca diante das câmeras para mostrar as ruínas que representam o que restou da casa de 150 anos de sua família, onde cresceu. Em seguida, com imagens de fontes diversas, ela denuncia o cerco que foi o momento mais violento da guerra, com corpos de mulheres e crianças soterrados pelos bombardeios, pessoas queimadas, mutiladas e desabrigadas. Vemos as imagens de resistência e sobrevivência da população enquanto ouvimos uma reflexão melancólica, porém firme, dessa vez escrita e narrada pelo teatrólogo libanês Roger Assaf. As imagens não poupam o espectador, porém também não existem para agredir, mas para esclarecer ao mundo o preço da guerra. Ao fim, testemunhamos tanques militares desfilando com crianças e jovens preparados para irem ao front. A população os apoia, clama a Deus por justiça, e a guerra continua.
As restaurações digitais dos filmes da Trilogia de Beirute foram feitas entre 2019 e 2022 e fizeram parte de uma iniciativa conjunta entre a Associação Jocelyne Saab, instituições europeias e libanesas. Apesar das digitalizações terem ocorrido na Europa, as restaurações foram conduzidas no Líbano, em uma série de workshops, com o intuito de devolver à população local imagens de seu país. Os filmes, que foram reduzidos e censurados pela televisão francesa nas suas transmissões iniciais, passarão no IMS Paulista em suas versões mais completas possíveis. Enquanto a versão de Beirute, nunca mais que circulou durante a vida de Saab é narrada em francês pelo jornalista e cineasta Jörg Stocklin, a versão exibida (descoberta após a morte da diretora) é narrada em inglês pela própria Saab.
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
8/10/2025, quarta, 19h30
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
11/10/2025, sábado, 19h40
Classificação indicativa da sessão: 18 anos
Leila e os lobos
Leila wa al ziap
Heiny Srour | Líbano/Reino Unido | 1984, 95’, DCP (Heiny Srour), cópia restaurada | Classificação indicativa: 18 anos
As crianças da guerra
Les Enfants de la guerre
Jocelyne Saab | França | 1976, 12’, DCP (Association Jocelyne Saab), cópia restaurada | Classificação indicativa: 18 anos
Inspirado na estrutura de As mil e uma noites e em histórias presentes no imaginário libanês e palestino, Leila e os lobos nos conduz por diferentes momentos no tempo para mostrar a presença das mulheres nos conflitos do Oriente Médio no século XX e para deixar explícito que, sem a participação feminina, não há revolução. Em 1975, a libanesa Leila (interpretada por Nabila Zeitouni) vive em Londres, onde organiza uma exposição de fotos sobre a luta palestina junto com seu namorado, Rafiq (Rafic Ali-ahmad). Enquanto as fotos cristalizam cenas de homens fardados e armados, uma velha, a avó da protagonista, conta que mulheres largaram seus filhos para protestar contra a expulsão dos palestinos de suas terras. Leila presencia a cena e questiona novamente Rafiq sobre o fato de as fotos mostrarem apenas homens. Mas Rafiq não se lembra de ver mulheres durante as manifestações: “Mulheres não têm nada a ver com política”, ele declara.
Seguem-se diversas outras histórias conectadas por Leila, que caminha entre as paisagens com um vestido branco. Em um cemitério, ela presencia um grupo de mães, irmãs e filhas que cantam em luto por seus entes martirizados. Durante a ocupação britânica da Palestina, nos anos 1920, homens lutam em protesto enquanto mulheres despejam óleo fervendo nos soldados ingleses. Ainda assim, vemos que essas mesmas mulheres são proibidas de frequentar a escola, apanham dos maridos e são confinadas à vida doméstica. Em 1937, em um vilarejo, os preparativos para uma festa de casamento são feitos pelas mulheres que recheiam quitutes com munição, forram o corpo da noiva de armamentos e embrulham espingardas em um tapete, para passarem despercebidas pela polícia, que se ocupa em revistar os homens, e, assim, munir os combatentes nas montanhas. Testemunhamos cenas de conflito com uma presença feminina, seja de um massacre de palestinos pelas forças israelenses em 1948, seja do princípio da Guerra Civil Libanesa em 1975.
As histórias são introduzidas com imagens de arquivo e protagonizadas pelos mesmos atores que interpretam Leila e Rafiq. Elas também são entremeadas por uma cena em uma praia, onde um grupo de mulheres sentadas na areia com vestimentas pretas tradicionais árabes observa melancolicamente um grupo de homens de sunga se divertindo na água. Ali, diferentes gerações refletem sobre um presente impiedoso que as mantêm aprisionadas a tradições misóginas e contam sobre costumes árabes sombrios que datam de períodos anteriores ao islamismo. A mudança cabe a toda a sociedade, mas principalmente às mulheres, pois, como diz a música tradicional durante os créditos de abertura: “Não culpamos o lobo por atacar o rebanho. Toda a culpa é do pastor ausente”.
Leila e os lobos estreou uma década após o primeiro filme de Heiny Srour, o documentário militante A hora da libertação chegou. Até hoje, permanece o único longa-metragem de ficção realizado pela cineasta libanesa, apesar de ganhar prêmios em festivais em Cartago e Mannheim. Ele foi restaurado digitalmente em 2021 pelo Centro Nacional de Cinematografia (CNC), na França, a partir dos negativos originais em 16 mm que foram conservados pelo Instituto de Cinema Britânico (BFI) e sob a supervisão de Srour. Em uma entrevista realizada em 2020, Srour comentou: “Leila e os lobos é um filme cético. Mas eu continuo fiel à causa da justiça, apesar de enormes desilusões políticas. Porque onde há injustiça, há guerra e violência. E, neste caso, invariavelmente os mais vulneráveis pagam o preço: os pobres, as mulheres e as crianças. E os ricos e negociantes de armas inevitavelmente vencem sempre”.
A exibição de Leila e os lobos no dia 9 será seguida por um debate com Carol Almeida, uma das curadoras da Mostra de Cinema Árabe Feminino. As sessões do filme de Srour contarão ainda com um vídeo de apresentação feito pela diretora e o curta-metragem restaurado As crianças da guerra, realizado por Jocelyne Saab. O documentário de Saab expõe a dramática situação das crianças da Guerra Civil Libanesa, em particular sobreviventes de um massacre na favela majoritariamente muçulmana de Karantina, que reproduzem em brincadeiras as cenas que presenciaram. Mesmo quando são dados papel com giz de cera, os jovens desenham armas e tanques. E, assim, o filme deixa claro que a própria condição de vida e desenvolvimento dessas crianças irá perpetuar o conflito.
Entrevista da diretora Heiny Srour com Olivier Hadouchi (na íntegra, em inglês) ►
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
9/10/2025, quinta, 19h
Sessão seguida de debate com Carol Almeida, Mariana Shellard e Aaron Cutler
12/10/2025, domingo, 17h30
Trailer
IMS PAULISTA
8/10/2025, quarta
19h30 - Programa 1: A Trilogia de Beirute
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
9/10/2025, quinta
19h - Programa 2: Leila e os lobos
Sessão seguida de debate* com Carol Almeida, Mariana Shellard e Aaron Cutler
11/10/2025, sábado
19h40 - Programa 1: A Trilogia de Beirute
12/10/2025, domingo
17h30 - Programa 2: Leila e os lobos
*Sessão gratuita
Vendas
Os ingressos do cinema podem ser adquiridos online ou na bilheteria do centro cultural, mais informações abaixo.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem e maiores de 60 anos.
Cliente Itaú
Desconto de 50% para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
Sessões com debate
As sessões com debate são gratuitas. Sujeita à lotação da sala. Distribuição de senhas 60 minutos antes do evento. Limite de 1 senha por pessoa.
IMS Paulista
Sessão com debate
Entrada gratuita. Sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 60 minutos antes de cada sessão. Limite de uma senha por pessoa.
Demais sessões
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a domingo, das 12h até o início da última sessão de cinema do dia, na Praça, no 5º andar.
Os ingressos para as sessões são vendidos na recepção do IMS Paulista e pelo site ingresso.com. A venda é mensal e os ingressos são liberados no primeiro dia de cada mês.
Sessão Mutual Films é um evento bimestral com o propósito de criar diálogos entre as várias faces do meio cinematográfico, trazendo para o público, sempre que possível, filmes, restaurações e eventos inéditos em sessões duplas.
