A Sessão Mutual Films de novembro traz o cinema sanguessuga de dois mestres da subversão – o colombiano Luis Ospina (1949-2019) e o espanhol Pere Portabella (nascido em 1927). No curta-metragem Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) (1978), Ospina e seu codiretor Carlos Mayolo escancaram a hipocrisia do cinema verité – e até criam sua própria versão, o cinema mentiré – ao fazer o making-of de um falso documentário sobre a miséria do povo colombiano para um canal de televisão alemão. Já no longa Puro sangue (Pura sangre, 1982), Ospina apela para o gênero popular do terror para chamar atenção sobre a corrupção e a impunidade em seu país, em uma história inspirada em lendas locais sobre os crimes cometidos pelos funcionários de um rico e carcomido fazendeiro de cana-de-açúcar na cidade de Cali que depende do sangue de homens jovens para sobreviver. O longa Vampir-Cuadecuc (1970) surgiu para o cineasta de vanguarda Portabella como uma oportunidade para expressar seu aprisionamento durante a ditadura de Francisco Franco, quando foi proibido por motivos políticos de deixar a Espanha. Ao saber que uma produção cinematográfica de Drácula com Christopher Lee seria rodada na Catalunha e dirigida por Jesús Franco, Portabella propôs ao diretor de horror B a criação de um filme paralelo surrealista, em seu set de filmagem, sem diálogos e em preto e branco. Décadas depois, para o curta-metragem de Portabella Mudança (Mudanza, 2008), o cineasta fez uma intervenção no museu-casa da família de Federico García Lorca em Granada, tirando todos os móveis do local e deixando a casa vazia, como uma metáfora para a ausência do grande poeta, que foi assassinado pelas forças nacionalistas durante a Guerra Civil Espanhola e cujo corpo nunca foi encontrado. A exibição do dia 7 contará com um debate com os pesquisadores Claudio Leal e Lúcia Monteiro.
A curadoria e produção da Sessão Mutual Films são de Aaron Cutler e Mariana Shellard.
Blog do cinema:
Os vampiros de Luis Ospina e Pere Portabella - por Aaron Cutler e Mariana Shellard ►
Sessões especiais
IMS Paulista
Programa 1: Mudança + Puro sangue
6/11/24, quarta, 19h30
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
Programa 2: Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) + Vampir-Cuadecuc
7/11/24, quinta, 19h
Sessão seguida de debate com Claudio Leal, Lúcia Monteiro, Mariana Shellard e Aaron Cutler
Filmes
Classificação indicativa da sessão: 18 anos
Mudança
Mudanza
Pere Portabella | Espanha | 2008, 20’, DCP (Films 59) | Classificação indicativa: 14 anos
Puro sangue
Pura sangre
Luis Ospina | Colômbia | 1982, 99’, DCP (Zona A Ltda.) | Classificação indicativa: 18 anos
Roberto Hurtado (interpretado por Gilberto “Fly” Ferero) é um fazendeiro de cana-de-açúcar à beira da morte. O velho colombiano possui uma rara doença terminal, que requer “massivas transfusões de sangue” de homens mais novos, explica um médico americano para seu filho Adolfo (Luis Alberto García), que cuida dos negócios da família. Adolfo pretende manter o pai vivo a qualquer custo e, por isso, alista a ajuda dos seus sádicos funcionários. A enfermeira, o auxiliar de enfermagem e o motorista (Florina Lemaitre, Carlos Mayolo e Humberto Arango) começam então a busca ao redor da cidade de Cali por jovens vítimas para extrair-lhes o sangue e não deixar o velho magnata sucumbir por completo.
Puro sangue foi o primeiro de apenas dois longas-metragens de ficção dirigidos por Luis Ospina, após uma trajetória notável em curtos documentários. (O outro, Sopro de vida/Soplo de vida, estreou em 1999.) O filme inspirou-se na história real do Monstro dos Mangues, uma figura que causou a morte de mais de 30 meninos em Cali durante a juventude de Ospina, e cuja identidade nunca foi descoberta. O cineasta trabalhou na fronteira entre documentário e ficção, ao misturar cenas roteirizadas com fatos do cotidiano, como notícias de jornal e imagens da vida noturna de Cali. Assim, a obra ganha um ácido teor político e crítico que escancara a vampiresca alta sociedade colombiana, mas também evidencia a tendência de violência da sociedade em geral, que, submetida a décadas de brutalidade, se torna ela mesma impiedosa. Em uma entrevista de 1983, Ospina comentou sobre as dimensões alegóricas do filme: “Basicamente, o que me interessava era a estreita relação entre o vampirismo e o poder”.*
O curta-metragem que abrirá a sessão também é uma declaração política, dessa vez contra o esquecimento daqueles que foram mortos na Guerra Civil Espanhola pelas forças fascistas que formariam o subsequente regime ditatorial do Generalíssimo Francisco Franco. Mudança foi dirigido pelo catalão Pere Portabella e filmado na Casa-Museu Federico García Lorca (também conhecida como a Horta de São Vicente) em 2008, quando a Espanha passava por uma severa crise econômica. O filme, que foi originalmente comissionado pelo curador suíço Hans-Ulrich Obrist para fazer parte de uma exposição no museu, é uma espécie de registro de performance que consiste na retirada, por uma empresa profissional, de todos os móveis da casa, deixando-a completamente vazia. Enquanto a câmera estuda as salas brancas e silenciosas, a ausência dos objetos se torna uma metáfora para a ausência do poeta que dá nome ao museu, assassinado em 1936 e cujo corpo nunca foi encontrado. Ela também serve como um alerta de ameaça às instituições culturais, que são as primeiras a serem desmanteladas em momentos de crise.
Mudança foi filmado com uma câmera digital (Red One) e vai passar no IMS em uma cópia digital de alta resolução. Puro sangue vai passar em uma versão digitalmente restaurada sob a supervisão do cineasta, que faz justiça às impecáveis direção de arte de Karen Lamassonne, fotografia de Ramón Suárez e sonoplastia de Phil Pearle. O tom sombrio e pessimista de Puro sangue originalmente fez com que ele fracassasse nas bilheterias e distanciou Ospina do cinema comercial. Porém, hoje é aclamado como um importante filme de denúncia contra o racismo, a corrupção e a desigualdade social, além de uma obra-prima do cinema de terror colombiano.
*Entrevista do diretor Luis Ospina à Cinemateca de Bogotá, publicada em 1983 (em espanhol) ►
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
6/11, quarta, 19h30
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
10/11, domingo, 17h30
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria)
Agarrando pueblo
Luis Ospina e Carlos Mayolo | Colômbia | 1978, 29’, DCP (Bruma Cine) | Classificação indicativa: 14 anos
Vampir-Cuadecuc
Pere Portabella | Espanha | 1970, 66’, DCP (Films 59) | Classificação indicativa: 14 anos
A palavra “cuadecuc” significa “cauda de minhoca” na língua catalã, e existe como uma gíria que se refere ao final de um rolo de película. A produção catalã independente Vampir-Cuadecuc reconta a famosa história de Bram Stoker ao parasitar o set de filmagem em Barcelona de Conde Drácula (1970), uma produção da Hammer Films com Christopher Lee no papel principal, dirigida pelo emblemático autor de filmes B Jesús Franco. Enquanto Franco fez uma obra de ficção convencional com película 35 mm e som direto, seu compatriota de vanguarda trabalhou com película 16 mm vencida, em alto contraste, e sem captação de som. Portabella ampliou o quadro de visão para expor elementos do set como as câmeras, os refletores e as parafernálias de efeitos especiais. Os atores são flagrados em intervalos de filmagem, ora brincando com a câmera, ora aguardando a próxima tomada. A sonorização do filme, que estreou a longa colaboração entre Portabella e o músico erudito Carles Santos, é composta pela mixagem de ruídos tirados de acervos de sonoplastia dissociados da ação do filme de Franco. São intercalados livremente barulhos da rua, momentos de silêncio e uma música temática convencional, que realçam a estranheza e quase abstração das imagens rugosas e densas.
Vampir-Cuadecuc (concebido em parceria com o poeta Joan Brossa) foi o segundo longa-metragem dirigido pelo cineasta catalão, e hoje é considerado um de seus filmes mais cruciais. O filme passou no Festival de Cannes em 1971 e em outros festivais ao redor do mundo. Em uma introdução escrita para uma sessão em 1972 de Vampir-Cuadecuc no MoMA (Museu de Arte Moderna), em Nova York, Portabella descreveu seu “filme-vampiro” como “um dos primeiros filmes marginais feitos em meu país”.*
Alguns anos depois, os jovens cineastas colombianos Luis Ospina e Carlos Mayolo realizaram um curta-metragem cujo título veio de uma expressão local que significa “tirando vantagem das pessoas”. Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) é um mockumentary sobre uma equipe de filmagem (cujos integrantes incluem os próprios cineastas) que roda um documentário miserabilista na cidade de Cali para uma televisão alemã. O filme de Ospina e Mayolo alterna cenas em preto e branco dos “vampiros” no trabalho de campo com imagens coloridas das pessoas comuns que estão sendo registradas, até o momento em que um homem reivindica o controle sobre sua própria imagem. Os cineastas denunciam a hipocrisia do dito cinema verdade, que se alimenta da miséria alheia para sobreviver, de forma que Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) se torna uma obra imprescindível para a compreensão do cinema político latino-americano.
Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) e Vampir-Cuadecuc vão passar no IMS em cópias digitalmente restauradas a partir dos materiais originais dos filmes, que foram depositados por Ospina na Fundación Patrimonio Fílmico Colombiano, em Bogotá, e por Portabella na Filmoteca de Catalunya, em Barcelona. A exibição do dia 7 será seguida por um debate com os pesquisadores brasileiros Lúcia Monteiro e Claudio Leal.
*Citado no livro de Portabella Impugnar las normas: intervenciones sobre arte, cine y política (editado por Esteve Riambau), que foi publicado em 2024.
PROGRAMAÇÃO
IMS Paulista
7/11, quinta, 19h
Sessão seguida de debate com Claudio Leal, Lúcia Monteiro, Mariana Shellard e Aaron Cutler
30/11, sábado, 15h30
IMS PAULISTA
6/11/2024, quarta
19h30 - Programa 1: Mudança + Puro sangue
Sessão apresentada por Aaron Cutler e Mariana Shellard
7/11/2024, quinta
19h - Programa 2: Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) + Vampir-Cuadecuc*
Sessão seguida de debate com Claudio Leal, Lúcia Monteiro, Mariana Shellard e Aaron Cutler
*Sessão gratuita. Com distribuição de senhas 60 minutos antes da sessão.
10/11/2024, domingo
17h30 - Programa 1: Mudança + Puro sangue
30/11/2024, sábado
15h30 - Programa 2: Agarrando pueblo (Os vampiros da miséria) + Vampir-Cuadecuc
Claudio Leal
Jornalista, crítico e pesquisador, formado em jornalismo pela UFBA, em 2005, e mestre em meios e processos audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), em 2018. Colabora com críticas, perfis e ensaios nos cadernos Ilustrada e Ilustríssima, da Folha de S.Paulo, para o qual escreveu sobre Pere Portabella e diversos outros artistas. Coorganizou os livros Cine Subaé: escritos sobre cinema (1960-2023) (Companhia das Letras, 2024, com Rodrigo Sombra), de Caetano Veloso, e Cancioneiro geral [1962-2023] (Círculo de Poemas, 2024, com Leonardo Gandolfi), de José Carlos Capinan. Organizou obras críticas do ensaísta e diretor Luiz Carlos Maciel (Underground, Edições Sesc, 2022) e do curador e artista plástico Emanoel Araujo (O universo de Emanoel Araujo, Capella Editorial, 2019). É autor do perfil biográfico em Dori Caymmi songbook: 80 anos de um cantador (org. Mário Gil, Edições Sesc, 2023). Doutorando na ECA-USP, estuda as relações do tropicalista Caetano Veloso com o cinema. Organizou um volume crítico sobre o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, a ser lançado em breve pelas Edições Sesc SP.
Lúcia Monteiro
Crítica, curadora e pesquisadora de cinema. Atua como professora do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde é também docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual, com o apoio da Faperj para desenvolver suas pesquisas sobre estética do cinema contemporâneo, ecocrítica e estudos do roteiro. Dentre as publicações coletivas que coorganizou, estão os livros Fordlândia: Suspended Spaces #5 (Relicário, 2023), que trata da cidade planejada por Henry Ford na Amazônia e dos cinemas amazônicos; Cinema: estética, política e as dimensões da memória (Sulina, 2019), reunindo textos na articulação entre cinema e história; e Palmanova. Victor Burgin (Form[e]s, 2016), em torno da obra do pesquisador e artista conceitual britânico Victor Burgin. Como curadora, idealizou as mostras África(s): cinema e revolução (Caixa Belas Artes, 2016), África(s): cinema e memória em transição" (Caixa Cultural RJ, 2018) e A Caliwood de Luis Ospina: cinema colombiano de vanguarda (Caixa Cultural RJ, 2017). É também responsável pela curadoria da Mostra Cinema e Direitos Humanos, uma parceria da UFF com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Vendas
Os ingressos do cinema podem ser adquiridos online ou na bilheteria do centro cultural, mais informações abaixo.
Meia-entrada
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem e maiores de 60 anos.
Cliente Itaú
Desconto de 50% para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito). Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site.
Sessões com debate
As sessões com debate são gratuitas. Sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 60 minutos antes do evento. Limite de 1 senha por pessoa.
IMS Paulista
Sessão com debate
Entrada gratuita. Sujeita à lotação da sala.
Distribuição de senhas 60 minutos antes de cada sessão. Limite de uma senha por pessoa.
Demais sessões
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a domingo, das 12h até o início da última sessão de cinema do dia, na Praça, no 5º andar.
Os ingressos para as sessões são vendidos na recepção do IMS Paulista e pelo site ingresso.com. A venda é mensal e os ingressos são liberados no primeiro dia de cada mês.
Sessão Mutual Films é um evento bimestral com o propósito de criar diálogos entre as várias faces do meio cinematográfico, trazendo para o público, sempre que possível, filmes, restaurações e eventos inéditos em sessões duplas.