Idioma EN
Contraste

AUDIOdescrição

Walter Firmo

no verbo do silêncio a síntese do grito

15 Nova York

Audiodescrição: A fotografia colorida diurna, retangular na horizontal, intitulada Nova York, EUA, de 1968, mede 153 cm de comprimento por 103 cm de altura e está na parede com moldura fina, de madeira escura. Retrata de corpo inteiro e de perfil uma mulher negra, elegantemente trajada, no lado direito, na frente da vitrine de uma loja. Ela usa um chapéu cloche preto, brincos dourados e um grande casaco de pele arroxeado, luvas, sapatos de salto médio e meias finas pretas. A mulher está virada para a direita, segurando uma bolsa pequena, preta, e um pacote com embalagem branca. Logo atrás, em uma grande vitrine enfeitada com fitas coloridas, uma manequim está deitada com os antebraços apoiados no chão e o pescoço ereto, olhando para a frente. Ao fundo, o nome de Andre Van Pier. A manequim tem feições de uma mulher branca, com cabelos pretos curtos. Usa blusa frente única de lantejoulas brancas, calça de seda cinza-clara e botas pretas. A vitrine reflete a imagem do fotógrafo Walter Firmo, um ônibus transitando pela rua e um prédio do outro lado da calçada. À direita, um pinheiro alto, plantado em um vaso rosado.

Ouça agora o depoimento de Walter Firmo sobre esta obra e, em seguida, um texto de parede que fala sobre a experiência que Walter teve como correspondente da revista Manchete em Nova York.

Eu estou em Nova York nessa imagem, em 1968, e eu vejo essa cena dessa... Em frente de um chic, casa de modas, né?, um manequim de gesso, enfim, branco, deitado ali lindamente, com uma lingerie, alguma coisa assim, que aparecia um pouco do corpo, né?, desse manequim. E fora, na calçada, fazia muito frio nessa época em Nova York... Uma senhora negra, super vestida, com seu casaco, sei lá, né? Então, essa dualidade, de uma branca desnudada, confinada, né?, em uma vitrine, dentro de uma vitrine, olhando, por hipótese, a negra, muito bem-vestida. Isso foi lá, nesse ano que eu lhe falei, em 68.

Walter Firmo estava com 30 anos quando foi passar uma temporada em Nova York, como correspondente da revista Manchete. Um dia, o chefe de redação mostrou a Firmo uma mensagem que tinha recebido de um jornalista que estava no Brasil. Nela, o jornalista dizia não entender como a Editora Bloch podia ter enviado como correspondente internacional um “mau profissional, analfabeto e negro”.

A reação diante desse episódio explícito de racismo veio em forma de indignação e de uma adesão direta ao slogan black is beautiful [preto é lindo!], que ocorreu em dois níveis: em seu próprio corpo, pela adoção do penteado afro; e em sua fotografia, ao construir ao longo dos últimos 50 anos, uma das mais belas trajetórias visuais dedicadas à população negra em todo o mundo. Em uma reportagem publicada em 2011 na Gazeta do Povo, Firmo declarou:

"Era a época da pílula, dos Beatles, do Woodstock, do ‘negro é bonito’. Deixei meu cabelo crescer, e começou a parte política do meu trabalho. Fui para as ruas, para as fábricas, para as festas profanas e para os músicos, sempre dando ênfase para a negritude. Mas minha postura nunca foi de usar o verbal, discursar em uma mesa. Trabalho numa linguagem muda. A fotografia se apropria disso. Através dessa sutileza, posso fazê-la gritar."

Morando nos Estados Unidos em 1967, no auge do debate sobre direitos civis, Firmo entrou em contato com o trabalho de fotógrafos negros, como Gordon Parks e, em poucos anos, sua obra junto com a de Parks, James Van Der Zee, Moneta Sleet, Carrie Mae Weems, Januário Garcia, Peter Magubane, Seydou Keïta, Santu Mofokeng, Rotimi Fani-Kayode, entre outros, mudou a história da fotografia mundial.

Assim como eles, Firmo entende que é necessário “amar a negritude”, como propõe bell hooks. A autora explora o impacto das imagens odiosas sobre o negro na construção de nossa subjetividade e afirma que é imperativo uma mudança no campo da produção visual que permita que pessoas negras possam acessar um repertório mais amplo de representação de si. Firmo e os outros fotógrafos citados são algumas das pessoas que tiveram e tem papel decisivo na construção dessa mudança.

Ouça agora outro texto de parede, que fala sobre a participação dele em Pequena África, um curta-metragem idealizado e dirigido por Zózimo Bulbul, lançado em 2002. O QR code está localizado do lado direito do monitor, na parede oposta da obra Nova York.