Corpo a corpo
a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo
TEXTO DO CURADOR
A exposição CORPO A CORPO: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo exibe um recorte da produção brasileira contemporânea em fotografia, cinema e vídeo por meio de sete trabalhos desenvolvidos por artistas e coletivos em parceria com os curadores Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do IMS e editor da revista ZUM, e Valentina Tong (assistente).
Os artistas foram convidados a pensar sobre o retrato, individual ou coletivo, e sobre como as imagens podem nos ajudar a enxergar os conflitos sociais que emergiram no Brasil nos últimos anos. O mote da exposição é o uso do corpo como um elemento de representação social e atuação política – seja pela presença física e simbólica nos espaços públicos, seja como o veículo condutor da câmera, seja como lugar de expressão da individualidade, que aproxima e separa os indivíduos.
Bárbara Wagner estreia a obra À procura do 5º elemento, nome do reality show criado em 2016 para escolher o novo MC que integraria o portfólio de uma famosa produtora de funk em São Paulo. A artista, que fez parte da equipe de realização do concurso, registrou mais de 300 garotos, que soltaram o corpo e a voz diante de um júri. A obra, composta de 52 fotografias e um vídeo com as apresentações, retrata uma geração acostumada às selfies e às redes sociais, que sabe usar a pose e a performance de palco para tratar de seus anseios, disputar um lugar ao sol e ascender socialmente.
Bárbara vem se dedicando a estudar a relação entre as manifestações artísticas populares, especialmente musicais, e as novas formas de produção e circulação de imagens. O assunto também aparece no filme Terremoto santo, feito em colaboração com o artista Benjamin de Burca, e que estreia nesta exposição. Terremoto santo é um documentário musical com jovens da Zona da Mata pernambucana que sonham em gravar um videoclipe gospel. A expressão musical é parte importante da liturgia evangélica da região, o que permite que os jovens usem a imagem e a voz para buscar uma nova forma de trabalho. A performance diante da câmera também revela aspectos sociais, econômicos e estéticos da prática pentecostal.
Eu, mestiço é o novo trabalho do artista Jonathas de Andrade, feito a partir de uma pesquisa sobre raça e classe no Brasil rural realizada nos anos 1950 pela Unesco. Na pesquisa original, fotografias de pessoas com diferentes tons de pele eram usadas como base de um questionário sobre quem parecia mais bonito, rico ou inteligente, entre outros atributos. No novo trabalho, Jonathas produziu uma série de retratos de pessoas de várias partes do país, exibindo reações e poses variadas. Impressas em papelão barato, as fotografias remetem aos clichês visuais da antropologia e da publicidade e invertem o sentido da enquete para nos fazer pensar sobre a relação que estabelecemos com as imagens fotográficas. Eu, um mestiço – título que faz referência à obra-prima Eu, um negro, do cineasta Jean Rouch – discute os riscos de julgar os outros pelas aparências e expõe o racismo latente em nossa sociedade.
O coletivo Mídia Ninja apresenta a obra #Ao vivo, com monitores distribuídos pelo espaço expositivo que exibirão as transmissões feitas ao vivo pelo grupo entre 2013 e 2017, além de transmissões realmente ao vivo com o que acontecer no país durante o período em que a mostra estiver em cartaz. É a primeira vez que o coletivo olha para as transmissões ao vivo como um recorte específico dentro de uma produção que inclui fotos, vídeos e reportagens. O foco nessas transmissões permite enxergar uma linguagem estética própria a esse tipo de produção audiovisual, que cresceu com as manifestações de ruas e com o uso de equipamentos baratos, de baixa qualidade e alta conexão. Nos últimos anos, esses jovens construíram um canal de circulação de imagens que permite que milhares de pessoas alinhadas com o coletivo transmitam um evento ao vivo. A profusão das transmissões fez surgir um tipo de cinema de rua coletivo, com um vocabulário de imagens pixelizadas, locuções improvisadas e longa duração que começa a ser assimilado. É na forma, não apenas no conteúdo, que reside a contribuição estética e política da Mídia Ninja.
A nova instalação A máscara, o gesto, o papel, da artista Sofia Borges, é o resultado de uma viagem feita a Brasília em fevereiro de 2017, a convite da curadoria, no momento em que a atuação parlamentar ganhava peso na disputa política. Sofia produziu seu trabalho nas dependências do Congresso Nacional, durante a eleição da presidência do Senado Federal. Os dez quadros da instalação são compostos de duas faces. De um lado, mostram fotografias de bocas reproduzidas de pinturas que homenageiam os ex-presidentes da casa. De outro, exibem gestos fotografados pela artista durante as sessões legislativas. Suspensos por uma corda no meio do espaço expositivo, os quadros com bocas e gestos exibem a gramática da atividade política e o sistema de pesos e contrapesos que caracteriza os jogos de poder no Brasil e em qualquer outra parte do mundo.
Em A resistência do corpo, Letícia Ramos cria um ambiente controlado para testar as reações de um corpo diante de atividades ligadas às manifestações de ruas. Fotografando com câmeras, bonecos e maquetes, a artista testa o arremesso de objetos, o impacto de jatos d’água e a comunicação por celulares, simulando o repertório visual de estudos científicos, como os feitos pelo casal de engenheiros americanos Frank e Lilian Gilbreth. Ao retomar os estudos de eficiência dos corpos feitos após a Revolução Industrial para aumentar a produtividade dos trabalhadores, a obra discute a representação visual da violência e mostra como as imagens – algumas delas quase abstratas – podem servir como uma forma de opressão real ou simbólica.
A exposição também exibe o livro Postais para Charles Lynch, do coletivo Garapa, premiado com a Bolsa de Fotografia ZUM/IMS. Estarrecidos com dois notórios casos de linchamento em 2014, os três integrantes do coletivo decidiram enfrentar o problema da violência nas imagens por meio da construção de um livro-manifesto. O livro reúne fotogramas manipulados, um roteiro fictício – que ganhará leituras dramáticas durante a exposição – e uma fita com vídeos de linchamentos extraídos do YouTube, formando um arquivo fúnebre da barbárie em estado bruto.
Enquanto Bárbara, Jonathas e Garapa interrogam a antropologia e a sociologia para desfazer estereótipos e desmontar preconceitos, Sofia e Letícia constroem um vocabulário fotográfico que ajuda a enxergar os dilemas da representação política. Para ampliar a interação dos visitantes com as obras, os artistas foram desafiados a explorar novos suportes e formas de instalação expositiva.
Ao refletir sobre a forma como produzimos e consumimos imagens, CORPO A CORPO nos faz encarar a distância entre quem somos e quem gostaríamos de ser, e mostra como os clichês visuais podem ser um carimbo violento.
Thyago Nogueira
Curador
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