Retrato carinhoso de Pixinguinha
22 de abril DE 2019 | Mànya Millen
No texto de apresentação da mostra Pixinguinha - Naquele tempo, hoje e sempre, que ocupa a Pequena Galeria do IMS Rio de 23 de abril a 20 de outubro de 2019, o curador Luiz Fernando Vianna reconhece que a exposição não pretende dar conta de tudo o que Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973) significa na história da música brasileira. Significa, com o verbo assim mesmo no presente, porque o legado do compositor, maestro, arranjador e instrumentista Pixinguinha ainda ecoa e extrapola em muito o espaço da galeria. O que o público vê, portanto, é uma pequena imersão na vida e na obra do músico a partir do seu arquivo pessoal abrigado no acervo do Instituto Moreira Salles desde 2000. Uma espécie de porta de entrada, como avalia Vianna, para o vasto mundo do autor de “Carinhoso” (melodia dele com letra de João de Barro, o Braguinha), música que todo brasileiro ama e sabe de cor.
Ela está, claro, entre as muitas que o público ouve no ambiente da exposição, cuja abertura será marcada por uma apresentação do músico Antônio Rocha tocando uma flauta da marca Luigi Billoro, a última usada por Pixinguinha, que nos anos 40 passou para o sax tenor. A flauta, que faz parte do acervo do IMS e está na mostra, foi restaurada em 2019 por Franklin Corrêa, o Franklin da Flauta – que fala desse processo num vídeo que pode ser visto na Pequena Galeria. O instrumento é um pequeno tesouro num conjunto que inclui objetos pessoais como diapasão, barbeador, abotoaduras, chapéus e gravatas, documentos e páginas de partituras originais (incluindo uma de “Carinhoso”) do arquivo de Pixinguinha, além de dez retratos do artista feitos por grandes fotógrafos cujo acervo também se encontra no IMS: Maureen Bisilliat, David Drew Zingg e Walter Firmo. Este último, inclusive, é o autor da provavelmente mais famosa foto do músico, na qual ele segura o saxofone sentado numa cadeira de balanço no quintal de sua casa em Olaria. Em outro vídeo disponível ao público, o fotógrafo relembra o momento registrado em 1968.
“É como se a exposição fosse um ponto a partir do qual se pode avançar para várias coisas que o instituto tem feito em torno de Pixinguinha. O site especial, os quatro livros publicados, os programas de rádio”, conta Vianna, coordenador da Batuta, a rádio de internet do IMS. “A mostra é pequena, porém não acaba ali. O público pode acessar e conhecer melhor outros conteúdos através de QR Codes disponíveis na galeria”. A partir deles, os visitantes chegam aos programas da Rádio Batuta dedicados ao músico, e ao pixinguinha.com.br, completíssimo banco de dados lançado pelo IMS em 2017, que apresenta o primeiro catálogo crítico de obras do artista. São mais de 500 verbetes, nos quais figuram 45 músicas ainda inéditas descobertas pela equipe de pesquisadores do site.
A exposição reúne também alguns discos pertencentes à coleção do crítico José Ramos Tinhorão, do acervo de música do IMS. Dali foi pinçado igualmente o contrato assinado por Pixinguinha com a RCA Victor Talking Machine Company of Brazil em 1929, o primeiro feito entre um arranjador brasileiro e uma gravadora internacional. “É o momento em que o samba e outros gêneros começam a ganhar uma roupagem nacional, e o Pixinguinha é o grande responsável por isso”, explica Vianna. “Ele criou uma escola de arranjos, de sonoridade para a música popular brasileira. Antes os discos eram gravados com maestros de fora. Em 1929 o samba começa a virar o que é hoje”.
A perenidade do legado de Pixinguinha, que aparece já no título da exposição – inspirado numa de suas músicas mais conhecidas, “Naquele tempo” – pode ser constatada pela familiaridade das pessoas com a obra do artista genial, que se profissionalizou aos 14 anos. “Durante um período ele ficou conhecido como um cara do passado, visto apenas como o autor de ‘Carinhoso’ ou ‘Rosa’, mas muito do que a gente considera um clássico popular foi ele que fez o arranjo, tanto em samba, marchinha de carnaval ou festa junina”, observa o curador. “Você pode nem saber que são dele, mas certamente já escutou antes porque estão em nosso ouvido coletivo. Ele continua sendo referência para a música brasileira”.
Além das músicas tocadas ininterruptamente na sala, oito composições que funcionam, como diz Vianna, como marcos da carreira de Pixinguinha, podem ser ouvidas individualmente em dois tablets. A seleção vai de “Nininha”, que ele gravou em 1911, com o grupo Choro Carioca, de Irineu de Almeida (autor da música), a “Yaô” (dele e de Gastão Vianna), registrada em 1950, que traz como curiosidade um raro Pixinguinha cantor. “Carinhoso”, presente no tablet e na sonorização ambiente, também é objeto de um vídeo com a participação de Chico Buarque, Zélia Duncan, Joyce Moreno, Carminho e Monarco. Outros dois vídeos produzidos pelo IMS em torno do músico, com a Orquestra Pixinguinha na Pauta, complementam a mostra.
Síntese da vida e da música de Pixinguinha, a exposição será aberta no Dia Nacional do Choro, quando se comemora também o aniversário do artista. Uma data que o pesquisador Alexandre Dias descobriu recentemente ser outra, o dia 4 de maio. Nada grave para alguém que, como lembra Vianna, nunca se preocupou muito com a memória. Por muito tempo, por exemplo, achava-se que ele tinha nascido em 1898, um ano depois da data verdadeira. Na celebração (errada) de seus 70 anos, em 1968, o equívoco foi descoberto por Jacob do Bandolim e confirmado pelo próprio Pixinguinha que, entretanto, pediu que a novidade ficasse em segredo para não ensombrecer as celebrações. O verso do pôster do show-homenagem realizado naquele ano, assinado por vários músicos, também pode ser visto na mostra.
Mesmo que não dê conta de todo Pixinguinha, a exposição cumpre seu papel de apresentar um recorte carinhoso do músico, incentivando o público a conhecer mais sobre o artista que teve seu talento reconhecido desde muito cedo, enfrentou sérios problemas financeiros e de saúde e, na década de 40, conseguiu se reinventar na parceria com o flautista Benedito Lacerda, voltando a ocupar um lugar central no cenário artístico do país. Ele vira uma figura popular, participando de programas de TV e até de festivais de música – “Fala baixinho”, parceria dele com letra de Hermínio Bello de Carvalho, conquistou o 5º lugar no II Festival Internacional da Canção de 1967.
Para resumir a dimensão do trabalho do músico, Vianna relembra uma frase do crítico e historiador Ary Vasconcelos, que não por acaso abre o site pixinguinha.com.br: “Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas, se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha.”
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