Ocupação Eduardo Coutinho
Sagaz, divertido e inovador
Na virada do século, lá estava eu cobrindo as filmagens de Babilônia 2000 para um jornal. Quando seu método de documentarista se consolidou com Edifício Master, fui convidado a escrever o livro Eduardo Coutinho: O Homem que Caiu na Real, com que ele foi homenageado num festival português. Um pouco mais tarde, preparei o material de imprensa para Peões e O Fim e o Princípio. Apresentei uma mostra de seus filmes no Canal Brasil e participei com ele das faixas comentadas dos DVDs de Jogo de cena e Cabra Marcado para Morrer, esta gravada apenas quatro dias antes de seu trágico falecimento.
Mas nada disso se compara ao mergulho que dei nos seus arquivos para a cocuradoria da Ocupação e a preparação do livro Sete Faces de Eduardo Coutinho. Para minha surpresa, sua célebre salinha no Cecip – Centro de Criação de Imagem Popular guardava muita coisa que Coutinho, com seu jeito despojado, não parecia preservar.
Lá estavam muitos documentos de filmagem, registros de pesquisa e seleção de personagens, rascunhos de projetos e até redações do seu tempo de colegial. Estavam, sobretudo, seus incontáveis cadernos de anotações, nos quais, desde sempre, dava asas a sua sensibilidade na observação humana e na garimpagem de pessoas com carisma para falar da vida. É bem verdade que sua caligrafia mais se aproximava dos hieróglifos egípcios do que da última Flor do Lácio. Mesmo sem entender a maioria dos garranchos, temos ali o substrato do seu cinema. Toda a gênese de um processo de criação.
Além desse acervo imprescindível, hoje sob a guarda do Instituto Moreira Salles, foram fundamentais as colaborações – memórias, documentos, fotos, objetos – da VideoFilmes, de cinematecas do Rio e de São Paulo, bem como de sua irmã Heloísa Coutinho e de vários amigos e companheiros de trabalho. Assim pudemos oferecer, na exposição e no livro, uma visão inédita de sua obra completa, desde os filmes realizados como aluno do Idhec francês em fins da década de 1950.
Foi nossa intenção – minha e da equipe do Itaú Cultural com que dividi a curadoria – apresentar um novo olhar sobre a trajetória do cineasta. Em lugar de uma cronologia linear, evidenciamos os diálogos entre diversas fases de sua filmografia. Pontuamos temas e constantes que atravessam sua produção em cinema, vídeo, televisão, teatro e textos. A forma como esses suportes se entrelaçam é uma das mais gratas revelações sobre seu trabalho.
Um Eduardo Coutinho múltiplo, sagaz, inovador e divertido é o que desejamos mostrar ao público com essa Ocupação.
Carlos Alberto Mattos é crítico e pesquisador de cinema, cocurador (em parceria com a equipe do Itaú cultural) da Ocupação Eduardo Coutinho