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Madalena Schwartz: As metamorfoses


Mais sobre a exposição no IMS Paulista

Para celebrar o centenário de Madalena Schwartz (1921-1993), o IMS Paulista inaugura a exposição As metamorfoses, que exibe o ensaio no qual a fotógrafa registrou travestis e transformistas da cena alternativa paulistana da primeira metade dos anos 1970, em plena ditadura militar. Os retratos vão de nomes como Ney Matogrosso e os integrantes do grupo Dzi Croquettes até figuras hoje menos conhecidas. A exposição traça também um breve panorama da fotografia latino-americana dedicada aos mesmos temas, como forma de diálogo. São obras de coletivos e autores distintos, de países como Argentina, Chile e Bolívia. No total, são 112 fotografias de Madalena Schwartz e mais 70 itens, entre periódicos, documentos, filmes e imagens produzidas por outros fotógrafos. A seleção das obras é de Gonzalo Aguilar, professor de literatura brasileira na Universidade de Buenos Aires, e Samuel Titan Jr., coordenador editorial do IMS e docente de teoria literária na Universidade de São Paulo.

Como ponto de partida, a mostra apresenta ao público a trajetória singular de Schwartz, uma das grandes expoentes da fotografia paulistana, cujo acervo está sob a guarda do IMS. Nascida em 1921, em Budapeste, Schwartz emigrou, aos 12 anos, para a Argentina. Em Buenos Aires, a jovem húngara se casou e teve dois filhos. Em 1960, com quase 40 anos, mudou-se com sua família para São Paulo, onde abriu uma lavanderia na rua Nestor Pestana, no centro da cidade.

Sua trajetória tomou direção diversa quando, em meados dos anos 1960, um dos seus filhos ganhou uma máquina fotográfica num concurso escolar. Schwartz criou imediato interesse pelo aparelho, fez cursos no Foto Cine Clube Bandeirante e, já às vésperas dos 50 anos, iniciou uma nova carreira, para a qual nada antes parecia apontar, mas que faria dela um nome expressivo na criação fotográfica.

A exposição concentra-se em um conjunto específico de imagens de Schwartz, parcialmente publicado no livro Crisálidas, lançado pelo IMS em 2012. Nele, a fotógrafa documenta os universos travesti e transformista do centro de São Paulo nos anos 1970. Personagens que conheceu em sua própria rotina, no percurso entre a lavanderia de sua propriedade, na rua Nestor Pestana, e o edifício Copan, onde morava com sua família.

Amante de teatro, a fotógrafa iniciou a série de retratos com personalidades do palco e das telas de televisão: os integrantes do grupo Dzi Croquettes nos camarins, o cantor Ney Matogrosso durante uma performance, a atriz Elke Maravilha, o performer argentino Patrício Bisso (seu vizinho no Copan) e assim por diante. Persistindo no tema, passou a fotografar personagens menos conhecidas, que ganhavam a vida em salões de cabeleireiro ou nos palcos de boates. Grande parte dos retratos eram realizados em seu estúdio improvisado, em sua própria casa, em um ambiente de troca e cumplicidade.

Além das fotos de Schwartz, a mostra exibe exemplares dos periódicos Lampião da Esquina e Chana com Chana, jornais de vanguarda produzidos pela comunidade gay e lésbica da época, cartazes de filmes, como A rainha diaba e O beijo da mulher aranha, clipes de televisão e fotos de acervos pessoais, dentre outros itens, que documentam esse universo de contestação aos padrões conservadores vigentes. Outro destaque é um mapa do centro de São Paulo na década de 1970, concebido especialmente para a exposição, com os principais pontos alternativos da capital no período.

Os curadores, Gonzalo Aguilar e Samuel Titan Jr., comentam o cenário político no qual Schwartz clicou suas imagens: “Não se tratava de um momento histórico qualquer, e sim dos anos de chumbo da ditadura militar brasileira, sob o general Médici. Anos opressivos e violentos, mas também paradoxalmente férteis: expulsa do âmbito político-partidário, a contestação se faz sentir por outros canais, estéticos, comportamentais, eróticos. Madalena captou em suas fotografias essa tremenda explosão de cor e de energia utópica. Razão suplementar, portanto, para realizar esta exposição no momento em que o panorama político brasileiro volta a flertar com seus piores fantasmas.”

A mostra também cria diálogos com a história da América Latina, exibindo fotografias que registram as culturas travestis e transformistas nos anos 1970 e 1980 em vários países da região. Há, por exemplo, imagens reunidas pelos coletivos Archivo de la Memoria Trans, na Argentina, ou o Archivo Quiwa, da Bolívia. Os dois grupos são iniciativas de resgate e valorização da memória trans em seus países, com ênfase na formação de acervos fotográficos constituídos por imagens vernaculares.

Integram esta seção ainda obras produzidas por fotógrafos consagrados, como a chilena Paz Errázuriz, o mexicano Adolfo Patiño e o venezuelano Vasco Szinetar. Além de figuras importantes do período, como o porto-riquenho Mario Montez (flagrado por Hélio Oiticica) ou a cubana Phedra de Córdoba, exilada pelo castrismo e paulistana de adoção.

Para acompanhar a exposição, o IMS lança um catálogo. A publicação reúne os retratos produzidos por Schwartz, além de outras imagens e documentos exibidos na mostra. Há também textos dos dois curadores e de autoras e autores como Chico Felitti, Amara Moira, Rosane Pavam, Elias Veras, Edgardo Cozarinsky e João Silvério Trevisan.