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Mario Cravo Neto: espíritos sem nome


Texto do curador

Luiz Camillo Osorio

Mario Cravo Neto (1947-2009) nasceu em Salvador. Filho do escultor Mario Cravo Jr., teve como principais referências os amigos próximos do seu pai: Carybé, Jorge Amado, Pierre Verger, Lina Bo Bardi. Tinha a escultura no DNA, aprendeu a fotografar com dois importantes fotógrafos modernos – Hans Mann e Fulvio Roiter – e foi para Nova York, em 1969, casado com a dinamarquesa Eva Christensen, estudar na Art Students League, um período que foi um divisor de águas.

Esta exposição não toma um partido cronológico, mas se desenvolve a partir de um conjunto articulado de séries que marcam o desenvolvimento de sua poética e a pluralidade de seus interesses expressivos. Focada na fotografia, busca mostrar sua inquietação poética ao longo de quatro décadas de intensa criatividade. Alguns desenhos, filmes, livros, scrapbooks e instalações – além de um conjunto documental – são pontuações relevantes no corpo ampliado de sua obra fotográfica.

Espíritos sem nome, título de um livro seu inacabado, explicita o interesse em revelar a energia que dá vida ao aparecer dos corpos e das coisas. A fotografia, sendo um instrumento de registro rápido do mundo, é, no seu caso, atravessada pela subjetividade do olhar. Combina, assim, informação e experiência. Além disso, a manipulação posterior dos processos de revelação e impressão dava à sua fotografia uma liberdade única de, simultaneamente, falar do mundo e mostrá-lo fora da norma mimética. Vemos, assim, a imagem sendo produzida no intervalo entre a semelhança e a dessemelhança.

Depois da passagem por Nova York, volta ao Brasil no final de 1970, participando das Bienais de São Paulo de 1971 e 1973 – com esculturas, instalações e fotografias. Um artista plural, que lida com as dualidades marcadamente modernas entre natureza e cultura, construção e acaso, luz e sombra, austeridade e extroversão. Um olhar generoso que sabia captar tanto a atmosfera intimista dinamarquesa como a pulsação barroca de Salvador. Em 1975, um acidente de carro deixou-o quase um ano imobilizado. A fotografia, a partir daí, passou a ser seu principal veículo de expressão.

A maturidade como fotógrafo dar-se-ia a partir da década de 1980. Duas séries devem ser destacadas como sínteses de sua trajetória na fotografia. Primeiramente, os retratos em preto e branco feitos em estúdio com fundo infinito de lona de caminhão. Eternal Now é um título que traduz bem o que vemos. Tudo aí é artifício, estupefação, gravidade e simbolismo. Em seguida, suas grandes composições coloridas, que seriam reunidas no livro Laróyè. Revela-se um dos principais coloristas da arte brasileira contemporânea. Uma cor ao mesmo tempo vibrante e contida.

The Eternal Now, Salvador, 1989. Acervo Instituto Mario Cravo Neto/IMS

 

Depois das duas séries, a exposição retoma o artista experimental, que se volta tanto para a religiosidade brasileira – dos profetas de Aleijadinho aos rituais de Candomblé – como para o registro minimalista de um ninho/natureza-morta, passando por uma instalação de câmeras calcinadas e pela notável série fotográfico-performativa com fogo na paisagem. Um destaque final vai para o filme GW41 Persian Gulf, feito diante da tv durante a Guerra do Golfo. Reencontram-se nesse trabalho um conjunto de referências que o acompanha desde sempre: o fascínio pelos contrastes, pelo fogo, pela luta, pela dimensão trágica e poética da existência humana.