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Veneza exibe projeto com fotos do IMS

21 de maio DE 2021 |
A plataforma imagineRio com uma fotografia do Teatro Municipal, de Marc Ferrez, do acervo do IMS, geolocalizada no mapa com o ponto exato de onde a imagem foi captada e o cone de visão. Os mapas exibem a cartografia da cidade a cada época. Neste pode-se ver a Ladeira do Castelo, que levava ao morro de mesmo nome, e a Rua do Piolho, atual Rua da Carioca

 

Um projeto desenvolvido há dez anos pelo Humanities Research Center da Universidade Rice, em Houston, em parceria com o IMS e aporte financeiro da Getty Foundation vai ganhar o mundo a partir deste sábado, 22/5, com a inauguração ao público da Bienal de Arquitetura de Veneza. Entre as várias propostas convidadas pela curadoria do evento, cujo tema nesta edição é Como viveremos juntos?, está a plataforma imagineRio. Criada pelos professores e pesquisadores Farès el-Dahdah e Alida Metcalf, ambos da Rice, em parceria com o geógrafo David Heyman, ela é um grande atlas interativo, que ilustra a evolução social e urbana do Rio de Janeiro ao longo de toda a história da cidade, do século XVI aos dias atuais, através de cartografia, iconografia e fotografias – no caso, cerca de 4 mil imagens históricas do acervo de Fotografia do IMS que estão sendo incorporadas ao projeto.

Com a Bienal em curso (ela termina em 21 de novembro), a plataforma será apresentada em dois outros eventos. Em junho, no congresso do IIIF – International Image Interoperability Framework (lê-se a sigla, em inglês, como triple IF). Trata-se de um conjunto de padrões e ferramentas criado para facilitar a publicação e a interoperabilidade de imagens na internet, o que inclui, além de fotografias, livros, mapas e manuscritos. E, em julho, o imagineRio ganha uma apresentação no 270 Congresso Mundial de Arquitetos – o encontro, que aconteceria em 2020 no Rio e foi adiado para este ano por causa da pandemia, está sendo realizado desde março de modo virtual.

Tanto Farès como Alida têm ligações com o Brasil. Filho de diplomatas libaneses, ele é arquiteto, viveu em Brasília e escreveu vários livros e ensaios sobre a arquitetura moderna brasileira. Ela é historiadora e direcionou desde cedo sua carreira acadêmica para os estudos coloniais na América Latina, notadamente o Brasil. "Eles davam aulas com mapas, mas não tinham uma plataforma, um lugar onde os alunos pudessem ver isso interativamente", diz Martim Passos, da coordenadoria de Fotografia do IMS. "E a Rice é muito forte nessa área de conteúdos digitais. Criaram então, na universidade, o imagineRio, que gosto de descrever como um Google Maps histórico do Rio. Você tem uma timeline, que é praticamente o objeto principal do site, o visitante escolhe um ano, e aí ele vai mostrar o mapa do Rio naquele ano.

O imagineRio começou a ser pensado em 2010 e ao longo do tempo se beneficiou do Programa Ciência sem Fronteiras (MCTI/MEC), graças ao qual alunos brasileiros contribuíram com um grande apoio técnico ao seu desenvolvimento. Três deles, Bruno de Castro Sousa, Uilvim Ettore Gardin Franco e Ualas Barreto Rohrer, hoje trabalham no Spatial Studies Lab da Rice. Em 2015, a plataforma foi apresentada no Congresso Internacional de Cartografia no Rio de Janeiro. O coordenador de Fotografia do IMS, Sergio Burgi, e Bruno Buccalon, então  também da equipe de fotografia do IMS, estavam lá. Naquele ano mesmo o IMS havia inaugurado  a exposição Rio: primeiras poses, curadoria de Burgi com Mariana Newlands. Tudo se encaixou.

"Na exposição já tínhamos feito uma aplicação de imagens com cartografia, posicionando as imagens do Rio sobre os mapas", conta Burgi. "Era algo interativo, o público ia selecionando as imagens, e o mapa mostrava o local da foto e o que chamamos de cone de visão, o ponto exato da tomada da foto e o que ela cobre do mapa. Esse ambiente na mostra já demonstrava nosso interesse de associar imagens à cartografia urbana. E a plataforma desenvolvida pelo Farès e pela Alida era uma plataforma de cartografia urbana, muito relevante. Nós os convidamos para vir ao instituto e começou uma colaboração."

Tela do imagineRio com ocorrências do Morro do Castelo. Além das fotografias, a plataforma disponibiliza centenas de mapas e gravuras

 

O que surgiu como uma ferramenta de apoio didático foi ganhando uma vida autônoma, que atende a pesquisadores, estudantes, professores nas áreas de arquitetura, urbanismo e história, e entusiastas da história do Rio. As duas instituições começaram a trabalhar juntas já no ano seguinte, com a parceria da Axis Maps, empresa de webdesign criada pelo geógrafo americano David Heyman, especializada na construção de mapas interativos e em ferramentas para solucionar projetos geoespaciais.

No IMS, o projeto estruturou-se em torno de uma equipe gerenciada nos primeiros 20 meses por Bruno Buccalon, hoje estudante de doutorado em Rice, onde desenvolve ferramentas adicionais para a plataforma. Martim Passos, que, assim como Bruno, é arquiteto e pesquisador especializado no campo do urbanismo, da tecnologia e da imagem, o substituiu a partir de agosto de 2020. Integram a equipe os pesquisadores e estagiários Davi Teodoro, Cíntia Mechler e Pitanga Vigand, estudantes de arquitetura da FAU/UFRJ e do Laboratório de Análise Urbana e Representação Digital, LAURD/PROURB/FAU/UFRJ, parceiro da iniciativa.

Farès, Alida, Burgi e Heyman assinam a apresentação interativa no Arsenale, um dos três espaços expositivos da Bienal de Arquitetura de Veneza. Interativa, é claro, dentro dos limites impostos pela pandemia: o visitante poderá acionar a plataforma fazendo movimentos com a mão que serão lidos por um sensor óptico.

A convergência de interesses do imagineRio e do IMS foi grande, e batizada de Vistas Situadas do Rio de Janeiro. "O Vistas Situadas é essa parceria que basicamente vai colocar tudo que a gente tem de Rio de Janeiro em domínio público no site do imagineRio e desenvolver linhas de pesquisa com base nesse conjunto de imagens", explica Martim. Burgi acrescenta que a ideia é geolocalizar o máximo possível de fotos: "Utilizamos uma ferramenta do Google Earth que permite sobrepor a fotografia histórica ao modelo 3D da cidade. Com isso, conseguimos estabelecer a posição da câmera, de que ângulo a imagem foi produzida, e automaticamente a gente transfere essa informação para a plataforma", explica ele.

Das cerca de 4 mil imagens previstas – de nomes como Georges Leuzinger, Marc Ferrez e Augusto Malta – cerca de 1.700 estão prontas para serem incorporadas ao site. As restantes entrarão até o fim do ano. Apresentado à Getty Foundation em 2018, o projeto ganhou apoio financeiro da fundação sediada em Los Angeles, através da Digital Art History Grant, linha de financiamento de projetos de história digital da arte.

A envergadura da proposta propiciou várias colaborações. Burgi e Martim citam o Smapshot, projeto desenvolvido por jovens pesquisadores da Escola de Engenharia e Gerenciamento Vaud, na Suíça, que associa imagens a modelos 3D. No Rio, colaborou a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que está trabalhando para extrair informações quantitativas das imagens, através de  computação gráfica. O imagineRio está ainda incorporando cartografia produzida por comunidades cariocas, como a Maré, através do Observatório de Favelas, e a Rocinha, através do projeto Memória Rocinha do Instituto (conheça aqui todas as iniciativas do IMS em georreferenciamento).

A parceria fez com que a plataforma, até então primariamente cartográfica, com algumas fotografias, passasse a ter um equilíbrio entre mapas e fotos, com estas ganhando uma importância muito maior na arquitetura do projeto. A nova interface do site, exibida em Veneza, mostra isso: é possível pesquisar um ano da história do Rio, ou um período de tempo, delimitar uma certa área da cidade, ou filtrar por nomes de fotógrafos ou de logradouros.

Neste momento, o professor Farès está desenvolvendo outras plataformas semelhantes no Spatial Studies Lab, que ele dirige, como por exemplo, uma sobre Beirute e outra sobre Brasília, denominada pilotPlan."É muito parecida com o imagineRio, mas tem outras nuances. O IMS está colaborando, principalmente com fotos de Marcel Gautherot", diz Martim. E, como o projeto é open source – uma das condições da Getty para o suporte financeiro – a iniciativa dos professores da Rice vem gerando projetos semelhantes em outras localidades.

Nani Rubin é jornalista e integra a Coordenadoria de Internet do IMS