Albert Frisch
Cronologia
Nascido em 1840 em Augsburgo, no então Reino da Baviera, o alemão Christoph Albert Frisch desembarcou na América do Sul em 1862, com a ideia de vender gravuras religiosas na Argentina. Dois anos mais tarde chegava ao Rio de Janeiro, e em 1865 foi contratado pelo suíço Georges Leuzinger para trabalhar em seu ateliê fotográfico. Já aclimatado ao novo ofício, seguiu viagem para a Amazônia em 1867 e realizou uma expedição pelo Rio Solimões, durante a qual produziu cerca de 120 imagens. Voltou à Alemanha em 1870, onde abriu em Berlim sua própria editora e se estabeleceu como especialista na reprodução fotomecânica de imagens. Morreu em 1918, aos 78 anos.
1840: Christoph Albert Frisch nasceu em Augsburgo, cidade no sul do Reino da Baviera, hoje um estado da Alemanha, em 31 de maio. Era o mais novo dos onze filhos de Johann Joseph Nepomuk Frisch e Friederike Auguste Körber1.
1847: A família Frisch se transferiu para uma localidade situada na Floresta Negra (Schwarzwald), onde o patriarca dirigiu uma indústria têxtil, cujas atividades foram encerradas no ano seguinte como consequência da Revolução Alemã.
1849: O falecimento de Friederike Auguste, nesse ano, dividiu a prole dos Frisch. Albert, de acordo com seu relato autobiográfico2, teria sido enviado para um orfanato paroquial em Windsbach, na Baviera, enquanto suas irmãs teriam sido acolhidas por uma tia em Augsburgo. Não se tem notícia do destino dos outros irmãos.
Em Windsbach, Frisch teria aprendido o ofício de confeiteiro e trabalhado alguns anos como assistente do chef R. Rath.
1850: Ao fim da década, Albert mudou-se para Munique. Ainda de acordo com suas anotações autobiográficas, ele teria trabalhado com o comerciante de arte Friedrich Gypen, especializado em imagens religiosas.
As informações autobiográficas de Frisch são praticamente a única fonte que embasa as informações sobre sua vida. Portanto, devem ser lidas com certa cautela. Pesquisando nos arquivos da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, no ano de 1854 encontramos a notícia da chegada ao Rio de Janeiro de dois irmãos alemães, Emil e Albert Frisch, que fundaram nesse mesmo ano a relojoaria Frisch & Irmão, na Rua dos Ourives, 155, da então capital imperial. Apesar dessa informação ser totalmente diversa do relato memorialístico de Frisch, e entendendo que não é improvável a existência de homônimos, não pode ser totalmente descartada a possibilidade de se tratar do próprio Frisch que, aos 14 anos e com um irmão mais velho, teria emigrado para o Brasil para “fazer a América”.
Albert Frisch, o relojoeiro, permaneceu no Brasil até 1861, ano em que retornou para Europa. Seu irmão Emil, responsável pelo estabelecimento comercial, fechou seu negócio em 1862, também regressando ao país natal.
1 A principal fonte para a elaboração da cronologia foi a tese de doutorado de Frank Stephan Kohl sobre a vida e obra de Albert Frisch. Intitulada Amazonasbilder 1868. Produktion und Zirkulation von Tropenfotografien aus dem kaiserlichen Brasilien, datada de 2012, defendida na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Philipps-Universität, Marburg.
2 O fragmento autobiográfico de Frisch foi compilado pelo seu filho Eberhard em 1942 e publicado, em alemão, em edição comemorativa do estabelecimento Kunstanstalt Albert Frisch, fundado por Frisch em Berlim em 1875.
1861: No relato autobiográfico, Frisch teria sido enviado por seu patrão, F. Gypen, a Paris, para estagiar na Maison Goupil, uma das mais renomadas empresas do mundo em impressão, edição e venda de reproduções de arte em litografia e gravura. Nesse período, Frisch teria concebido o plano de vender estampas religiosas na América do Sul.
Sobre essa informação, pesquisando em outras fontes, também se encontra uma curiosa coincidência. Nesse mesmo ano, e até o ano seguinte, anúncios e catálogos de vendas alemães mostram a existência de uma associação entre Friedrich Gypen e F. Frisch (ou C. Frisch), no negócio de venda de arte cristã. Ver, por exemplo, os números 376 a 378 do Katalog zur Ausstellung christlicher Kunstwerke veranstaltet vom Münchener Zweigverein für christliche Kunst in München (Catálogo da exposição de arte cristã, organizado pela seção muniquense da Associação de Arte Cristã, em Munique)3.
Seria possível que esse Frisch fosse um parente de Christoph Albert e que, por conta dessa relação já existente com Gypen, tenha sido introduzido no ofício da venda de estampas e obras de arte religiosas, antes de seu estágio na Maison Goupil, conforme sua autobiografia.
1862: Em suas memórias, Frisch narra que partiu do porto francês de Bordeaux, rumo a Buenos Aires, onde desembarcou em 20 de setembro. Tinha o propósito de vender gravuras religiosas, que havia adquirido com o dinheiro de sua herança materna. Com o insucesso de seu empreendimento, que o levou a buscar outras formas de sobrevivência, teria se tornado professor particular das filhas de um fazendeiro alsaciano que criava gado e ovelhas nos Pampas.
1863: Em junho, já de volta a Buenos Aires, Frisch teria sido empregado pelo fotógrafo norte-americano Arthur Terry, graças à ajuda de um conterrâneo seu, de sobrenome Raab, que conheceu à sua chegada no ano anterior e trabalhava no estúdio do fotógrafo. Terry estava instalado na Calle Florida 80, em Buenos Aires, desde 1861, mas já circulava pela América do Sul havia quase 20 anos. Tinha chegado ao Peru, vindo de Nova York, no final dos anos 1840, como daguerreotipista. Na década de 1850, trabalhou em Valparaíso, no Chile, até 1856, de onde teria seguido para a Argentina.
A partir de um pedido do ditador paraguaio Solano López feito a Terry, Frisch teria partido para Assunção a fim de instalar e dirigir um estúdio fotográfico, ainda sob contrato do fotógrafo norte-americano.
1864: Tudo indica que Frisch não permaneceu por muito tempo no Paraguai, pois em 10 de maio, poucos meses depois de sua chegada a Assunção, o alemão desembarcou no Rio de Janeiro procedente de Buenos Aires, no vapor francês Saintonge4.
No final do ano, terá início o longo conflito armado entre Paraguai e a chamada Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai), que após cinco anos dizimou o país vizinho, levou ao assassinato de Solano Lopez e criou enorme crise econômica no Brasil.
1865: Não se tem notícias das atividades realizadas por Frisch em seus primeiros meses no Rio de Janeiro. Em algum momento desse ano, foi contratado pelo editor e comerciante suíço Georges Leuzinger para trabalhar no Atelier Photographico, divisão recém inaugurada na Casa Leuzinger.
A Casa Leuzinger havia sido fundada em 1840 a partir de uma pequena papelaria que Georges comprara alguns anos depois de sua chegada ao Brasil. Em duas décadas se convertera na principal referência no ramo de edição e comercialização de gravuras. Seu primeiro trabalho nessa área havia sido realizado em 1845, quando Leuzinger publicou um panorama do Rio de Janeiro formado por seis pranchas5.
A fotografia abria novos campos para a imagem e Leuzinger resolveu investir na produção de fotografias, continuando fiel à sua especialidade de paisagens e vistas urbanas. Nesse ponto, diferia da maioria dos estúdios fotográficos da época, que concentrava sua atividade no retrato.
A escassa documentação existente não permite afirmar qual foi o papel desempenhado por Frisch no estabelecimento de Leuzinger. Levando em conta sua experiência anterior é provável, contudo, que o alemão tenha sido fundamental para a implantação e o desenvolvimento desse ateliê.
Até hoje a autoria de boa parte das fotografias da Casa Leuzinger é atribuída a seu proprietário, embora possivelmente um bom número delas tenha sido realizada por Frisch.
Em 25 de julho, o zoólogo suíço Louis Agassiz, então renomado cientista e diretor do Museu de Zoologia da Universidade de Harvard e sua mulher Elizabeth Cary, acompanhados por uma equipe composta pelo artista Jacques Burkhardt, o naturalista francês Jean-Baptiste Dieudonné Bourget, os alunos Walter Hunnewell e William James e pelo engenheiro militar e naturalista Major João Martins da Silva Coutinho, partiram do Rio de Janeiro para Manaus, a fim de continuar, na Amazônia, sua expedição científica pelo Brasil, conhecida como Expedição Thayer. Na Bahia, juntaram-se a eles outros dois auxiliares, os voluntários Newton Dexter e Stephen V. R. Thayer, filho do patrocinador da expedição, o empresário Nathaniel Thayer Jr. Outros cientistas, como o geólogo Charles Frederick Hartt e o ornitólogo Joel Asaph Allen, também membros da expedição, realizaram suas pesquisas em outras localidades no sudeste e nordeste do país. A partir de Manaus, o grupo percorreu o Rio Solimões até Tabatinga.
Durante sua estada no Brasil, Agassiz teve recepção de celebridade internacional. Frequentou assiduamente o Paço Imperial e teve amplo contato com a classe política. Circulou também entre o pequeno grupo de fotógrafos no Rio de Janeiro, entre eles Georges Leuzinger, que lhe forneceu diversas imagens, algumas das quais ilustram o livro sobre a expedição, publicado em 1868 com o título A journey to Brazil, assinado pelo cientista e por sua esposa, Elizabeth. Dessas fotografias, ao menos quatro são de autoria de Albert Frisch.
1866: Frisch viajou para a Europa, provavelmente para adquirir equipamentos fotográficos para a Casa Leuzinger. Em duas cartas a seu filho caçula Paul, que estudava em Basiléia, datadas de junho e agosto, Georges Leuzinger mencionava a presença de Frisch na Europa.
Seu retorno ao Rio de Janeiro, proveniente de Bordeaux, ocorreu em 18 de novembro.
Poucos dias depois do seu desembarque, em 7 de dezembro de 1866, um decreto imperial franqueava a navegação de trechos do rio Amazonas e de seus afluentes, a navios mercantes de outros países. O decreto promulgado em plena guerra da Tríplice Fronteira, atendia a uma reivindicação do Peru e da Bolívia, mas a pressão mais incisiva vinha dos Estados Unidos, que há tempos cobiçava a região como local apropriado para sua expansão colonialista. Os planos traçados pelos norte-americanos para a Amazônia, idealizados na década de 1840 pelo respeitado cientista e militar da marinha Matthew Fontaine Maury, incluíam, além dos interesses da exploração das riquezas naturais e do comércio, o povoamento pela população negra dos estados do sul.
Um dos porta-vozes oficiosos dos interesses expansionistas norte-americanos, e sobretudo da elite sulista que defendia a segregação racial, era precisamente Agassiz. Por meio da Expedição Thayer, que entre outros objetivos buscava comprovação de sua teoria criacionista, contrária às teorias evolutivas de Charles Darwin, Agassiz também almejava provar os efeitos negativos da mestiçagem racial.
De acordo com a professora Maria Helena Machado:
Por trás do discurso público do cientista-viajante tecia-se um outro discurso que ligava Agassiz aos interesses norte-americanos na Amazônia, conectado a duas linhas de ação diplomática e de grupos de interesses. Uma primeira, à política da navegação fluvial e abertura do Amazonas à navegação internacional e uma segunda, aos projetos de assentamento da população negra norte-americana, como colonos ou aprendizes, na várzea amazônica6.
Graças a seu prestígio com a Corte brasileira e, em especial, com D. Pedro II, nessa viagem Agassiz teria persuadido o Imperador a assinar o decreto que franqueava a navegação comercial.
1867: Em 21 de agosto George Leuzinger anunciava em carta a seu filho Paul o noivado de sua irmã Sabine com Franz Keller, jovem, mas experiente engenheiro alemão, que viajaria para a Amazônia em breve. Na mesma missiva, Leuzinger confidenciava a Paul sua intenção de enviar Frisch e Edmond, filho mais velho de Leuzinger, para acompanhar seu genro “com a fotografia”7. Edmond e seu irmão Victor também trabalharam na Oficina Fotográfica fundada por seu pai. Sua participação na autoria de fotografias até hoje é muito pouco investigada.
Na carta a Paul, Leuzinger se referia à viagem oficial encomendada pelo Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas aos engenheiros alemães Joseph e Franz Keller, para encontrar soluções de navegabilidade em toda a extensão do Rio Madeira, interditado à navegação comercial por suas doze enormes cachoeiras. Essa missão se revestia de relevância e urgência pela abertura iminente do Amazonas e seus afluentes à navegação comercial internacional.
Em 15 de novembro, Joseph e Franz Keller, acompanhados por Sabine Leuzinger, recém casada com Franz, e por Pauline Keller, filha de Joseph, embarcaram no navio Paraná rumo a Belém. Com eles, viajava Albert Frisch e um homem escravizado, que acompanharia o fotógrafo durante toda a viagem.
Em dezembro o grupo, acrescido de João Manuel da Silva, partiu de Belém para Manaus. Em nota do dia 11, o Jornal do Pará, mencionava Frisch como fotógrafo da Comissão ao Rio Madeira.
Um dos poucos relatos existentes dessa expedição, também chamada de Expedição Keller, publicado pelo próprio Franz Keller em 1874 na Alemanha, sob o título Os Rios Amazonas e Madeira: Esboços e descrições do livro-observação de um explorador (no original em alemão: Von Amazon und Madeira: Skizzen und Beschreibungen), sem tradução em português, narra os detalhes da viagem. Keller não menciona em nenhuma de suas linhas a presença de Frisch, nem mesmo o uso da fotografia, tecnologia bastante recente, que dificilmente passaria em branco nos relatos. O próprio Keller, bom desenhista, ilustrou seu livro com gravuras realizadas, de acordo com o autor, a partir de esboços feitos no local (on the spot) por ele mesmo. Keller omitiu, contudo, que utilizou também fotografias de Frisch como ponto de partida para algumas de suas ilustrações.
Assim como Agassiz, Keller defendia o povoamento e exploração da Amazônia, mas em sua visão a colonização deveria ser entregue a representantes da raça germânica, para ele a mais apta a colonizar esse território. Em suas palavras “Somente a imigração da raça alemã, que se estabelece no novo lar e compartilha realmente os fardos do Estado pode verdadeiramente ajudar este país tão escassamente povoado”8. Como engenheiro de seu tempo, entendia o progresso enquanto sujeição e exploração da natureza. Como europeu, não apenas concordava com a invasão dos territórios amazônicos, em sua opinião vazios e mal explorados, mas justificava o branqueamento, ou mesmo a extinção das populações nativas, em prol do conforto dos habitantes de seu continente. Para ele:
A raça indolente, sensual e às vezes traiçoeira da vida real deve dar lugar às crescentes exigências da Europa superpovoada. Os títulos de posse de que goza o nativo, por mais importantes que sejam em seu próprio julgamento estreito e infantil, são abolidos no Tribunal de Apelação, que conhece as necessidades mais amplas do mundo. E, aos ultra sentimentalistas do tipo romântico, gostaria de colocar esta pergunta: A prosperidade da família de um colono trabalhador, que tenta com o suor de sua frente criar um novo lar para seus filhos e netos, não seria mais importante que o conforto de um grupo de selvagens, com a qual essa prosperidade pode vir a interferir?9
1868: Uma vez em Manaus, os membros da expedição tiveram que se demorar por vários meses, até fins de maio de 1868, por conta das dificuldades para encontrar embarcações e tripulação, e à espera da época favorável à navegação. Frisch realizou várias fotografias em Manaus, provavelmente nesse período, incluindo uma única imagem remanescente da família Keller: Joseph, Pauline, Franz e Sabine Leuzinger.
Os Keller e José Manuel da Silva partiram para a expedição ao rio Madeira em 27 de maio.
Não se conhecem as razões que levaram Frisch a não integrar a equipe e a empreender sua própria viagem pelos rios Negro e Solimões. Pode ser que, desde o início, esse fosse o plano, embora o Ministério de Agricultura tivesse garantido a Frisch uma passagem de navio como fotógrafo da expedição oficial. Tampouco se tem notícias se ele partiu antes ou depois dos Keller para sua empreitada solitária.
Se levarmos em conta a afirmação de Ernesto Senna, que escreveu o primeiro perfil da Casa Leuzinger, em seu livro O velho Commercio do Rio de Janeiro (1908), existiria alguma relação entre Agassiz e a viagem de Frisch. Nas palavras do escritor “Satisfazendo ao pedido de Agassis (sic), fez Leuzinger tirar vistas até Tabatinga, na fronteira do Amazonas com a República do Peru, vistas que serviram não só para os trabalhos scientificos daquelle sabio, como também para illustrações européas”10.
O próprio Agassiz destacou em seu livro, que seria publicado nesse mesmo ano, “a mais solícita assistência (de Leuzinger) na ilustração das minhas investigações científicas”11.
Não é possível afirmar se a motivação para a expedição de Frisch à Amazônia, efetivada dois anos depois da passagem da Expedição Thayer pela região, teve realmente alguma influência de Agassiz, mas talvez seja possível deduzir, a partir do comentário de Senna, que Leuzinger e Agassiz tiveram discussões sobre o registro fotográfico da região amazônica.
A afirmação de Senna, contudo, talvez permita ainda uma outra especulação. Dada a proximidade entre Leuzinger e o cientista suíço, a Oficina Fotográfica, com Frisch à frente, poderia ter sido responsável pelo treinamento em fotografia recebido no Rio de Janeiro pelo jovem estudante Walter Hunnewell, voluntário da Expedição Thayer e autor de polêmicas fotografias da população mestiça em Manaus, orquestradas por Agassiz, realizadas com o propósito de “comprovar” os efeitos negativos da mestiçagem. Durante sua estada no Rio de Janeiro, Agassiz encomendou a August Stahl, a confecção de um conjunto de fotografias de negros “puros”, também com o intuito de provar suas teorias racistas. Tanto as fotografias realizadas em Manaus, por Hunnewell, quanto as do Rio de Janeiro, por Stahl, pertencem hoje ao Peabody Museum, da Universidade de Harvard.
O fato é que a viagem de Frisch, deliberadamente ou não, se tornou a primeira expedição fotográfica à Amazônia, realizada apenas com a finalidade de produzir imagens, sem subordinação ao trabalho de uma “autoridade” externa, fosse ela científica ou governamental. Este dado parece conferir a esse conjunto de imagens um lugar de destaque na história da fotografia brasileira.
Em sua viagem de Tabatinga até Manaus, Frisch percorreu pouco mais de 1600 km.
Em 24 de novembro, Frisch e seu acompanhante durante toda a viagem, do qual sabemos apenas que era um homem escravizado, chegaram a Fortaleza, vindos de Belém. A viagem continuou no mesmo vapor, Cruzeiro do Sul, até o Rio de Janeiro, onde desembarcaram em 2 de dezembro.
1869: As imagens produzidas por Frisch durante a viagem, cerca de cento e vinte, foram editadas, provavelmente a quatro mãos, com Georges Leuzinger. Boa parte dos retratos de homens e mulheres indígenas ou mestiços sofreu diversos recortes e colagens, até chegar à forma final adotada nos álbuns. As edições foram bastante cuidadosas, mas não são padronizadas. Vários álbuns apresentam as imagens numeradas, coladas em cartão com as informações da Casa Leuzinger, além do título e de legendas informativas sobre a imagem.
O principal produto desenvolvido a partir da expedição é o álbum que consta em catálogo de vendas de Leuzinger com o título Resultat d´une expédition photographique sur le Solimões ou Alto Amazonas et Rio Negro, faite par compte de G. Leuzinger, R, d´Ouvidor 33 et 36, par Mr. A Frisch. Conta com 98 fotografias.
Uma nota, na primeira página do catálogo, afirma que a viagem foi realizada em canoa, com apenas dois remadores. Mesmo não sendo possível constatar a veracidade dessas informações, é difícil imaginar que uma travessia tão longa, tenha sido possível com tão parcos recursos. De qualquer forma, a afirmação contribuía para cobrir com uma aura heroica as então raríssimas fotografias de terras e populações tão distantes. A título de comparação, embora seja necessário levar em conta sua natureza oficial, a expedição dos Keller exigiu uma infraestrutura muitas vezes superior à utilizada por Frisch. Entre Serpa e Serrito, no Rio Mamoré, distantes cerca de 2 mil quilômetros, os engenheiros contaram com “cinco embarcações de diferentes tamanhos, com uma população total de 32 remeiros, sendo isso o mínimo de pessoal que se pode levar para certa lotação de canoas (...)”12.
1870: Frisch voltou para a Alemanha, ao que tudo indica, ainda como funcionário da Casa Leuzinger. Buscou, em Munique, treinamento com Joseph Albert, fotógrafo da família real da Bavária e exímio pesquisador de técnicas de reprodução fotomecânica. Em 1868, ao lado de Jakub Husnik, havia criado o Albertype, um processo que aperfeiçoou a técnica da colotipia, permitindo que as fotografias fossem reproduzidas e impressas em diversos suportes. O processo também permitiu a impressão de até 1000 exemplares de uma vez, grande quantidade para a época. Em 1874, Albert seria ainda responsável pelas primeiras colotipias coloridas. De acordo com Franz Kohl, Frisch teria sido contratado por Albert e não retornou ao Brasil, como pretendia inicialmente.
3 Disponível em: https://www.bavarikon.de/object/bav:BSB-MDZ-00000BSB10385677?p=25&cq=Gypen&lang=de
4 Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=217280&Pesq=%22frisch%22&pagfis=23362
5Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19070/panorama-da-baia-do-rio-de-janeiro
6 Machado, Maria Helena P. T. BRASIL A VAPOR. Raça, Ciência e Viagem no Século XIX. Tese apresentada para o Concurso de Livre-Docência Disciplina: História do Cotidiano Departamento de História, FFLCH-USP São Paulo, Agosto de 2005, p. 45.
7 Leuzinger, Georges. Carta a Paul Leuzinger. Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1867. (Trad. Frank Stephan Kohl).
8 Only an immigration of German race, that really settles in the new home and honestly shares the burdens of the State, can truly help the thinly-peopled country. Keller, Franz. The Amazon and Madeira Rivers. Sketches and descriptions from the note-book from na explorer. Philadelphia: J. B. Lippincott and Co. 1875, p. vii.
9 “The indolent, sensual, and sometimes treacherous race of real life will and must give way to the growing exigencies of over-peopled Europe. The titles of possession enjoyed by the autochthon, important as they may be in his own narrow and childish judgment, are abolished in the Court of Appeal which takes cognisance of the wider needs of the world. And to ultra-sentimentalists of the novelist type I should like to put this query: "Is not the prosperity of the family of some hard-- working settler, trying with the sweat of his brow to create a new home for his children and his grand-children, of more importance than the comforts of a set of savages, with which that prosperity might possibly interfere?". Keller, Franz. Op. Cit, p. 157.
10 Cit. In. Andrade, Joaquim Marçal Ferreira de. As primeiras fotografias da Amazônia. Resultado de uma expedição fotográfica pelo Solimões ou Alto Amazonas e Rio Negro, realizada por conta de G. Leuzinger, Rua do Ouvidor 33 e 36, pelo Sr. A. Frisch, descendo o rio num barco com dois remadores, desde Tabatinga até Manaus. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/artigos/preciosidades-do-acervo-as-primeiras-fotografias-da-amazonia-resultado-de-uma-expedicao-fotografica-pelo-solimoes-ou-alto-amazonas-e-rio-negro-realizada-por-conta-de-g-leuzingerrua-do-ouvidor-33/
11 Agassiz, Jean Louis Rodolph, 1807-1873. Viagem ao Brasil 1865-1866 / Luís Agassiz e Elizabeth Cary Agassiz; tradução e notas de Edgar Süssekind de Mendonça. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000, p. 80, nota 43.
12 Relatório da Expedição no Rio Madeira, entre a cachoeira do Santo Antônio e a barra do Mamoré, Diário de Belém, 14 de outubro de 1869, p. 2.
1871: Em 14 de março de 1871, ainda como funcionário de Albert, Frisch desembarcou em Nova York, procedente de Bremen. Sua viagem teria por objetivo gerenciar a implantação do departamento de reprodução da Bierstadt & Co. fundada por Edward Bierstadt. O fotógrafo alemão e seu irmão, o conhecido pintor Albert Bierstadt, residentes nos Estados Unidos, adquiriram a patente do Albertype e Frisch teria realizado a viagem para treinar funcionários da empresa.
1872: De acordo com Franz Kohl, o uso persistente de produtos químicos na colotipia, principalmente do cromo, teria causado um sério envenenamento em Frisch. O fotógrafo retornou a sua terra natal e, por pouco tempo, trabalhou em outra área, na cidade de Homburg. Ainda nesse ano, estabeleceu seu próprio estúdio fotográfico, onde também se dedicou à reprodução de imagens.
1874: Frisch se associou ao restaurador e fotógrafo Johannes Nöhring, de Lübeck, conhecido por suas fotografias de arquitetura e reproduções de obras de arte. Nesse momento, a expertise de Frisch na reprodução fotomecânica de imagens já era publicamente reconhecida. Apesar disso, a sociedade com Nöhring não obteve sucesso comercial e se desfez no ano seguinte.
Franz Keller-Leuzinger publicou na Alemanha, com certo sucesso, seu relato sobre a expedição ao Rio Madeira, intitulado Von Amazon und Madeira: Skizzen und Beschreibungen (Os Rios Amazonas e Madeira: Esboços e descrições do livro-observação de um explorador), com reproduções de seus desenhos e duas gravuras a partir de fotografias de Frisch.
Nesse mesmo ano, é publicado Anthropologisch-ethnologisches Album, iniciado pelo fotógrafo alemão Carl Dammann, que faleceu antes de ver seu projeto totalmente concluído. O álbum encomendado pela Berliner Gesellschaft fur Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte (BGEAU) pretendia reunir em grande compêndio imagens das diversas populações existentes no mundo. Contendo 50 lâminas, com 642 fotografias no total, o álbum continha diversas reproduções das fotografias de indígenas tomadas por Frisch durante sua expedição à Amazônia.
1875: Frisch transferiu-se para Berlim. Em setembro, abriu seu próprio estabelecimento, o Kunstanstalt Albert Frisch, que dirigiu até seu falecimento. Com ele, adquiriu ampla notoriedade pela altíssima qualidade técnica das reproduções para a indústria editorial, em crescente expansão.
Os geólogos alemães Alphons Stübel e Wilhelm Reiss chegaram ao Brasil após uma longa temporada nos países andinos onde realizaram pesquisas vulcanológicas e arqueológicas. Ingressando pela Amazônia, adquiriram fotografias em Belém e Salvador, onde fizeram escala rumo ao Rio de Janeiro. Permaneceram mais tempo na capital imperial, onde continuaram reunindo imagens para suas coleções. Da Casa Leuzinger, de acordo com Franz S. Kohl, Reiss adquiriu trinta e quatro fotos de Frisch. Stubel comprou sessenta e cinco imagens, além de outras fotografias do Rio de Janeiro que também podem ter autoria de Frisch, mas foram creditadas à Georges Leuzinger.
A coleção de Stübel deu origem à coleção etnográfica do Leibniz- Institut für Landerkunde, Leipzig, e está disponível no acervo de fotografia do IMS.
Stübel também adquiriu fotografias de Marc Ferrez, realizadas no âmbito da Comissão Geológica do Império, chefiada por Charles F Hartt, antigo aluno de Louis Agassiz e integrante da Expedição Thayer. À serviço da Comissão, Ferrez realizou uma série de fotografias de indígenas genericamente chamados de Botocudo, no Sul da Bahia. As fotografias integram o acervo do IMS e, ao lado das fotografias de Frisch, estão entre as primeiras imagens de povos indígenas no Brasil.
1876: Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a experiência brasileira de Frisch, e sobretudo seu trabalho na Amazônia, haviam sido pouco lembrados pelo fotógrafo nos anos seguintes, já residindo na Europa. Informações obtidas por Kohl desmentem essa visão e atestam que Frisch continuou divulgando sua expedição fotográfica em meios especializados. Frisch se tornou membro da Berliner Gesellschaft für Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte (BGAEU), a mesma Sociedade que havia encomendado o álbum etnográfico a C. Dammann, onde deu uma palestra ilustrada sobre sua expedição ao Rio Solimões. Ingressou ainda na Gesellschaft für Erdkunde (GfE) (Sociedade de Geografia), também em Berlim.
1877: Em sua segunda longa viagem ao exterior, que cobriria dos Estados Unidos ao Egito, Dom Pedro II visitou novamente Berlim e pode ver, em 7 de abril, as fotografias de Frisch. As imagens da Amazônia, ao lado de vistas do Rio de Janeiro do mesmo autor e da publicação de Franz Keller-Leuzinger, estiveram expostas durante a homenagem que as instituições BGAEU e GfE prestaram ao Imperador.
1880: Em sua empresa editorial, Frisch continuou implementando novas técnicas e processos em busca do aperfeiçoamento técnico na impressão de imagens. Introduziu a colotipia colorida e outras técnicas de reprodução fotomecânica, entre as quais a zincografia e a fotolitografia.
A década marcou diversos pontos de inflexão em relação à região amazônica, que entrava no chamado Ciclo da Borracha. As fotografias que Frisch havia realizado há pouco mais de uma década, das vilas e da população, ficavam cada vez mais distantes da atual realidade que rapidamente era transformada pela exploração e pela riqueza gerada pela borracha. As capitais do norte começavam a viver sua curta Belle Époque e a imigração aumentava em proporções até então desconhecidas. Até o final do século, cerca de 300 mil nordestinos vitimados pelas terríveis secas se deslocaram para a Amazônia, a fim de trabalhar nos seringais.
Na Europa, a década também assistiu ao crescente desenvolvimento das Ciências Sociais, com destaque para os estudos antropológicos e etnográficos. As imagens realizadas por Frisch na Amazônia não obedeciam aos padrões documentais para registro dos estudos de campo. No entanto, suas fotos continuaram a ser utilizadas por publicações, como base para as ilustrações.
Nesse período também aumentou de forma exponencial o número de estrangeiros que passaram a circular pela região da Amazônia, muitos atraídos pelas possibilidades de enriquecimento. Outros, contudo, foram chamados pelo interesse em “descobrir” e estudar as culturas dos povos indígenas.
1885: O alemão Georg Huebner percorreu o Rio Amazonas e se fixou na Amazônia peruana.
Três anos depois, com o fotógrafo Charles Kroehle, seu conterrâneo, viajaria pelo país vizinho, retratando a população e a paisagem. Na década seguinte, já exímio fotógrafo, realizou duas viagens pela região em território brasileiro. Em 1898, fixou-se em Manaus, onde fundou a Photographia Allemã, que se tornaria o principal estúdio fotográfico da capital do Amazonas. Em 1906 adquiriu em Belém o estúdio do tradicional fotógrafo Filipe Augusto Fidanza e, em 1910, inaugurou estabelecimento no Rio de Janeiro.
1887: O geógrafo e etnólogo alemão Friedrich Ratzel, fundador da geografia política, publicou em três volumes sua obra Völkerkunde (Etnografia). Do segundo volume, dedicado aos povos da Oceania, América e Ásia, constam três gravuras realizadas a partir das fotografias de Frisch. Comparando a fotografia A cozinha da Maloca (Prancha n. 5 do álbum completo) e a imagem publicada no livro de Ratzel, percebe-se as modificações que as fotografias podiam sofrer nas edições impressas. Enquanto que na fotografia original, o homem retratado à direita da maloca usa camisa e calças compridas, prova de sua proximidade com a cultura branca, na gravura do livro ele aparece nu, na tentativa de localizar a cena em territórios mais isolados.
Paul Ehrenreich foi um dos etnólogos que passaram pela região amazônica com câmera na mão. Visitou diversas vezes o Brasil e deixou importantes registros. Esteve no Espírito Santo em 1884, onde realizou pesquisas sobre o povo denominado genericamente de Botocudo. Em 1887 realizou sua primeira viagem à Amazônia, onde visitou a região do Xingu, como membro da expedição liderada por Karl von den Steinen. No ano seguinte, em sua última e longa expedição pela Amazônia, desceu o Rio Araguaia e teve contato com os índios Karajá. No Rio Amazonas e Purus, nessa mesma ocasião, conheceu os povos Apurinã, Paumari e Jamamadi. Fotografias de Ehrenreich fazem parte do Leibniz- Institut für Landerkunde, e estão disponíveis para visualização no IMS.
1890: O fotógrafo Hermann Kummler, residente em Pernambuco, visitou o Rio de Janeiro e adquiriu, entre outras fotografias da Casa Leuzinger, doze das imagens realizadas por Frisch na Amazônia. Após seu retorno à Europa, em 1892, Kummler se tornaria um empresário de sucesso em várias áreas, entre elas a eletricidade.
1891: Frisch produziu colótipos de imagens do povo Karajá de autoria de Ehrenreich, para publicação no segundo volume de seu livro Beiträge zur Völkerkunde Brasiliens (Contribuições para a etnologia do Brasil). O etnólogo possuía em sua coleção cerca de vinte e quatro imagens da expedição fotográfica de Frisch. Atualmente fazem parte do Instituto Ibero-Americano, em Berlim, integradas à coleção Walter Lehman.
1892: Em outubro faleceu Georges Leuzinger, antigo empregador e financiador da expedição ao Amazonas de Frisch. Dois anos antes, em julho de 1890, Franz Keller-Leuzinger havia falecido em Munique. A proximidade geográfica com Keller, ambos morando na Alemanha, e a afinidade no campo profissional de edição e reprodução de imagens com Leuzinger permitem pensar na permanência de vínculos posteriores à saída de Frisch do Brasil. Infelizmente não se conhecem registros que testemunhem a continuidade da relação entre eles.
1918: Frisch faleceu em 31 de maio, aos 78 anos, antes do fim da Primeira Guerra Mundial. Reconhecido publicamente como editor e exímio técnico em reprodução fotomecânica de imagens, em seu país, foi pouco lembrado como fotógrafo e autor das primeiras imagens sobre a Amazônia brasileira.
1925: O cinquentenário da Kunstanstalt Albert Frisch é comemorado por sua família em publicação memorialística intitulada Graphische Kunstanstalt, Druckerei und Verlag 1875-1925.
1930: O filho de Frisch, Albert Frisch Junior, à frente do estabelecimento criado por seu pai, publicou o álbum Brasilen, com 106 fotografias de Frisch e seis imagens do dos povos Wanana e Tukano, realizadas pelo botânico alemão Philipp von Lützelburg (1880-1948), no final da década de 1920. O álbum integra atualmente o acervo do IMS.
Von Luetzelburg teria feito contato com a Kunstanstalt Albert Frisch para uma possível encomenda de edição das fotografias da Comissão Rondon, da qual era integrante. A ideia de publicar imagens do Brasil motivou Frisch Junior a enviar ao botânico o conjunto das fotografias realizadas por seu pai no Brasil. A recepção entusiasta das imagens acabou incentivando Frisch Junior a reunir em álbum todas as imagens remanescentes no arquivo, produzidas por seu pai, além de publicar uma carta de Von Luetzelburg.
Apesar de sua contribuição para o conhecimento da flora brasileira, é impossível dissociar a figura de Von Luetzelburg de suas nefastas escolhas após o retorno à Alemanha em 1938. Recrutado por Heinrich Himmler, primo de sua esposa, para chefiar o departamento de botânica da Ahnenerbe, a organização oficial encarregada de difundir suas teorias raciais nazistas, von Luetzelburg ingressou na SS e utilizou seus conhecimentos botânicos para o desenvolvimento de pesquisas sobre venenos. Von Luetzelburg teve ainda contatos eventuais com Sigmund Rascher, médico conhecido por suas experiências criminosas em humanos, que foi assassinado pelo próprio Himmel antes do fim da guerra.
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