Carolina Maria de Jesus:
Um Brasil para os brasileiros
Carolina Maria de Jesus no IMS
João Fernandes*
O ponto de partida para esta exposição foi a presença de Carolina Maria de Jesus nos acervos do IMS: dois cadernos manuscritos (um deles intitulado Um Brasil para os Brasileiros, que originou o livro publicado com o título Diário de Bitita), as edições brasileiras e estrangeiras de Quarto de despejo (seu primeiro livro e um acontecimento editorial no Brasil e no mundo), o disco com as suas canções, e dezenas de fotografias. Todos esses registros nos desafiavam a reuni-los a outros que encontrássemos ou produzíssemos, de modo a pesquisar e a interpretar o Brasil contemporâneo a partir do extraordinário legado que a vida e a obra de Carolina Maria de Jesus nos deixaram. E assumindo o lugar onde queremos estar: ao lado de quem constrói um pensamento e uma arte fora das estruturas hegemônicas e dominantes, ao lado de quem vivencia a injustiça, a desigualdade e a exclusão, por motivos de raça, classe social, religião ou orientação sexual.
Entendemos que uma instituição cultural não deve viver e trabalhar fechada em si mesma, mas reconhecer que o lugar onde atua pode ser também um instrumento para a emancipação. Por isso e para isso, convidamos um equipe curatorial externa, formada por profissionais negras e negros, que teve autonomia para pensar conceitualmente a exposição ao desenvolver o seu próprio projeto, escolhendo o grupo de pesquisa, selecionando documentos e obras de arte, convidando artistas a produzir trabalhos para esta exposição. A instituição se transformou deste modo num instrumento para essa equipe que nela imaginou, criou e construiu todo este projeto. Decidimos ainda que, depois dela, o IMS prosseguirá o seu trabalho com o legado de Carolina Maria de Jesus por meio da construção de um sítio internet dedicado à sua vida e obra.
Uma palavra resume neste momento tudo o que vivemos quando a exposição finalmente se apresenta: gratidão. A Carolina Maria de Jesus em primeiro lugar, e a todes que tornaram possível construir este projeto: às/aos artistas que nela participam com os seus trabalhos; à equipe curatorial e a todas as equipes, externas e internas do IMS; às instituições, pessoas e entidades que nos permitiram juntar tudo o que agora os visitantes poderão conhecer; e por fim à família de Carolina, por seu apoio e estímulo. Como no famoso samba que a Mangueira apresentou no Carnaval do Rio em 2018, em que uma bandeira de Carolina desfilou ao lado de bandeiras dedicadas a Marielle Franco e outres protagonistas da história do país, reconhecemos que é chegado o tempo de contar “a história que a história não conta”, “o avesso do mesmo lugar” deste território que se chama Brasil.
*Diretor artístico do IMS