Orlando Brito, o fotógrafo combatente
11 de março DE 2022 | Nani Rubin
Foram 17 presidentes. Do general Humberto Castello Branco, que assumiu o cargo 15 dias após o golpe militar de 31 de março de 1964, ao capitão Jair Bolsonaro, cujo mandato acaba no fim deste ano, Orlando Brito esteve sempre perto do poder, registrando com olhar atento o que nem sempre os dirigentes em Brasília gostariam que fosse eternizado em imagens. Decano entre os repórteres fotográficos que atuam na capital, onde chegou menino, em 1957, ainda durante a construção da cidade, Orlando Brito morreu nesta sexta-feira 11/3, aos 72 anos.
As quase seis décadas de trabalho como fotojornalista proporcionaram a ele um ativo profissional que não pode ser mensurado apenas pela sua vasta produção. Viajou a trabalho para mais de 60 países e por todo o Brasil, tecendo uma importante rede de contatos. Por isso, foi um elo valioso na construção do site Testemunha Ocular, cujo lançamento pelo Instituto Moreira Salles está previsto para abril. Concebido pelo jornalista Flávio Pinheiro, diretor executivo do instituto de 2008 a 2020, o site tem o objetivo de difundir o acervo de fotojornalismo do IMS e de reunir fotojornalistas de diversas gerações, atuando nas cinco regiões do país e no exterior.
"Brito foi dos primeiros convidados para o site, e ele aceitou imediatamente participar", conta Flávio. "E não só isso. Dias depois me mandou uma lista de fotojornalistas Brasil afora, selecionados não pela amizade, mas pela qualidade do trabalho. Havia nomes de pelo menos 16 estados do país. Uma delas é Helia Schepa, fotógrafa de Recife. Quando a contatei e disse que era uma indicação dele, me respondeu: "Mas só estive com ele uma vez na vida, é uma honra".
Flávio trabalhou com Brito em duas ocasiões. No Jornal do Brasil, onde Brito foi editor de fotografia em 1988/1989, e na Veja, onde, ao longo de 16 anos, foi fotógrafo e editor de fotografia, tendo feito 113 capas nesse período. Uma de suas qualidades, conta Flávio, era a generosidade com os que buscavam conhecimentos, conselhos e dicas para seguir a carreira. É uma característica que fica flagrante num episódio acontecido no Território Indígena do Xingu, aonde foi numerosas vezes para fotografar a cerimônia do Quarup.
Numa dessas ocasiões, o bimotor onde estava em companhia dos colegas Evandro Teixeira, Rogério Reis e Igo Estrela pousou num posto da Funai, onde um carro deveria ir buscá-los. Mas o carro não chegou. Yanahin Waurá, indígena da etnia Waurá e morador na aldeia Piyulaga, passou e ofereceu uma carona. Yanahin foi a salvação dos fotógrafos. Brito, por sua vez, seria uma espécie de farol para Yanahin, que durante o percurso fez muitas perguntas sobre a prática fotográfica, todas respondidas por Brito. A partir daí, passaram a trocar assiduamente e-mails e mensagens pelo Facebook. Yanahin enviava seus registros, e Brito respondia com críticas e conselhos. Flávio lembra do dia em que Brito, orgulhoso, mandou a ele uma mensagem com um videozinho de Yanahin na Escandinávia, onde suas fotos estavam sendo exibidas numa coletiva. "Vê como ele foi longe, como é uma pessoa dotada, talentosa", disse Brito. Ao mesmo tempo, cuidava dos que vieram antes dele. Quando Gervásio Batista (1923-2019), veterano fotógrafo da revista Manchete, ficou doente, Brito liderou uma campanha para ajudar a mantê-lo numa casa de repouso. "Ele tinha esse lado generoso, e era também um sujeito muito irônico, com muito humor, tinha uma certa picardia", conta Flávio. "Era comum ele distensionar o ambiente com piadas ou comentários bem-humorados."
Orlando Brito nasceu em 8 de fevereiro de 1950, em Janaúba, Minas Gerais. Chegou a Brasília ainda menino, no começo de 1957. Em 1964, aos 14 anos, começou sua carreira como laboratorista da sucursal do jornal carioca Última Hora e dois anos depois já fazia parte do time de fotojornalistas do periódico. Passou pelo Globo, pelo JB e pela Veja, até fundar sua própria agência de notícias, a ObritoNews.
"Por ser uma pessoa tão familiarizada com a vida de Brasília, ele sabia de todas as agendas: um grupo chegando ao Congresso, uma manifestação de indígenas, um encontro do presidente", relata Flávio, conseguindo assim registros que depois distribuía comercialmente através de sua agência. Também ministrava cursos e workshops enquanto produzia dois livros. Um deles, Do marechal ao capitão – O Brasil de Castello a Bolsonaro, faz um relato visual, em 250 fotografias, do que aconteceu com o Brasil da ditadura até o momento que estamos vivendo. Momento difícil, segundo ele, para quem cobre o poder em Brasília. Em conversa recente, disse como se sentia emocionalmente exausto ao registrar cotidianamente um governo tão conturbado como o atual.
Brito chegou a ser agredido por apoiadores de Jair Bolsonaro em 2020, no dia 3 de maio, durante uma manifestação antidemocrática em que se pedia intervenção militar, estimulada pelo presidente. Dois dias depois Bolsonaro o convidou para almoçar. Ele relatou o episódio no site Os Divergentes, que criou com outros quatro jornalistas. "Narrei o que acontecera. Contei do safanão que levei, que fui chamado de 'mídia lixo' e que queriam quebrar minhas câmeras. Ele não se desculpou. Mas disse ser 'impossível controlar a ação das pessoas em uma multidão'."
"Orlando Brito era um grande cara, e deixa uma marca muito forte", diz Flávio. "Brasília não é uma cidade como as outras grandes cidades brasileiras, você tem ali o poder, é algo muito arrogante, e isso exige um certo destemor. Brito tinha essa qualidade muito comum a fotojornalistas, o destemor. O fotojornalismo é uma atividade de combate, e o Brito era um grande combatente."
Orlando Brito foi a segunda grande baixa nesta semana no primeiro time do fotojornalismo brasileiro. Na segunda-feira, 7/3, morreu em casa aos 86 anos Erno Schneider, outro destaque do site Testemunha Ocular do IMS.
Nani Rubin é jornalista e integra a Coordenadoria de Internet do IMS