Fotoclubismo em Poços de Caldas
Vestígios de uma história
Texto da curadoria
Teodoro Stein Carvalho Dias*
Áudio com a leitura do texto
No ano de 2021, durante a seleção de objetos para a exposição do fotógrafo Limercy Forlin − apresentada naquele ano no Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas −, recebi da família do fotógrafo uma mala de couro contendo dezenas de fotografias de fotoclubes do Brasil e do exterior com selos e carimbos nos seus versos. Um primeiro levantamento desse material indicou que aquelas obras teriam sido exibidas na última exposição internacional do Foto Cine Clube de Poços de Caldas, em 1970.
Uma pesquisa sobre esse fotoclube localizou uma primeira menção à entidade em um boletim do Foto Cine Clube Bandeirante de São Paulo, durante uma visita de seus integrantes à cidade, em 1951: “Em Poços de Caldas, promoveram os bandeirantes a exibição da secção Color do último Salão, despertando a sessão realizada no Salão Nobre do Palace Hotel grande interesse, a ela comparecendo numerosos interessados e associados da entidade local”. (Boletim Foto Cine, São Paulo, ano VI, n. 67, 1951).
Mas apenas na década seguinte o Foto Cine Clube de Poços de Caldas parece ter desenvolvido uma atuação mais consistente. Em meados dos anos 1960, Paulo Eugênio Vivaldi Ferreira, investidor financeiro, transferiu-se para Poços de Caldas proveniente do Rio de Janeiro. De espírito inquieto e criativo e grande entusiasta da fotografia, ele era amigo no Rio do fotógrafo húngaro Ferenc Aszmann, que teve papel importante como editor da revista FotoArte, voltada para a divulgação de matérias sobre fotografia, exposições e salões no Brasil e no mundo.
É provável que o Foto Cine Clube de Poços de Caldas tenha se consolidado pela ação desses dois personagens, que logo reuniram um grupo significativo de pessoas interessadas em fotografia e seus desdobramentos: Roberto Thomas Arruda, advogado; Limercy Forlin, fotógrafo; Don Douane Williams, engenheiro e diretor da Alcoa Alumínio; Antonio Jayro Mota, psicólogo; Reginaldo Alvisi, Célio Barbosa e Natálio Teixeira, comerciantes; Dorival Pereira, fotógrafo; José Asdrúbal Amaral, advogado; José Alexandre Ramos e Roberto de Andrade, comerciantes; Cyro Machado, engenheiro; entre outros. A participação de mulheres no Foto Cine Clube de Poços de Caldas foi modesta, mas relevante: Zizi Forlin, esposa de Limercy Forlin, Vera Arruda, esposa de Paulo Eugênio, que também secretariava e organizava as exposições, e Anne Williams, esposa de Don Williams, foram as que mais se destacaram e participaram de mostras.
A exemplo de muitos de seus congêneres pelo Brasil afora, o Foto Cine Clube de Poços de Caldas nunca teve uma sede física, e os encontros entre os participantes eram informais, nas casas dos integrantes e frequentemente na rua, onde trocavam experiências de revelação dos negativos e ampliação, além de efeitos visuais, como solarização, interferências manuais e sobreposição de imagens. A participação de seus membros em exposições e salões era individual, e a logística para o envio e o recebimentos das obras – habitualmente ampliações de 30 x 40 cm, identificadas no verso com o nome do autor, título, data e técnica, juntamente com selo e carimbo do fotoclube que haviam tomado parte – ficava sob a responsabilidade do clube. Sempre sob o estímulo de Ferenc Aszmann e Paulo Eugênio, o Foto Cine Clube de Poços de Caldas produziu três exposições internacionais, que aconteceram entre 1966 e 1972. Embora não haja registros, algumas exposições nacionais foram feitas entre 1965 e 1970, segundo Don Douane Williams.
Numa época em que as premissas do Modernismo imperavam no Brasil, praticadas e defendidas pelo Foto Cine Clube Bandeirante, principal entidade nacional do fotoclubismo, o Foto Cine Clube de Poços de Caldas definia sua produção como pictorialista, em oposição às imagens modernas e não raro abstratas da instituição paulistana. As imagens de paisagens, cenas de gênero e retratos perfaziam a grande maioria das fotografias, e algumas tiveram premiações relevantes nesse contexto. Como exemplo, a fotografia Mãe Índia, de Don Douane Williams, presente nesta exposição, foi premiada e saiu no catálogo do Salão de Singapura, em 1970.
O intercâmbio entre fotoclubes nas décadas de 1960 até 1980 foi muito intenso, tanto nacional como internacionalmente. O conjunto de fotografias mostrado nesta exposição contempla cerca de 144 imagens, de fotógrafos de diversos clubes brasileiros (Poços de Caldas, Bandeirante, Jaú, Amparo, Belém do Pará, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Curitiba, Pato Branco, Niterói e São Paulo, totalizando 85 imagens), e de fotógrafos estrangeiros, que chegavam até aqui através de seus fotoclubes ( Áustria, Alemanha, Lituânia, Rússia, China, HongKong, Coreia do Sul, Estados Unidos, Argentina, Portugal, Hungria, Tchecoslováquia, totalizando 59 imagens). É curioso notar que a Guerra Fria e a ditadura militar no Brasil não impediram o intercâmbio com fotoclubes de países então sob regime comunista, ainda que a comunicação e o envio de fotografias acontecessem via correios, à época sob monitoramento.
Talvez o encerramento do Foto Cine Clube de Poços de Caldas se deva à perda de dois integrantes imprescindíveis: Paulo Eugênio Vivaldi faleceu repentinamente aos 31 anos, em 1972. Ferenc Aszmann veio a falecer pouco tempo depois, deixando o fotoclube sem a estrutura logística necessária à sua sobrevivência. A não devolução das fotografias da última exposição do Foto Cine Clube de Poços de Caldas, naquele ano, além de se constituir em falha grave na lógica da organização dos fotoclubes, evidencia o momento de declínio da entidade poços-caldense. Por outro lado, isso permitiu que a memória do fotoclube fosse resgatada nesta exposição.
Muitos fotoclubes nacionais permaneceram ativos até a década de 1980. O advento da fotografia colorida, a mecanização de ampliações e impressões e a crescente facilidade de fotografar com os recursos de novas câmeras e filmes fizeram com que os fotoclubes começassem a desaparecer. A era de ouro da fotografia autoral em preto e branco, das revelações e ampliações artesanais, das estéticas pictorialista ou moderna, havia passado. O mundo se aproximava irreversivelmente da fotografia digital e de uma produção de imagens nunca vista, e que mudaria radicalmente os destinos da fotografia.
* Nascido em Poços de Caldas, Teodoro Stein Carvalho Dias atua como curador de diversas exposições de artistas e fotógrafos regionais para o IMS, buscando estabelecer maior vínculo entre o Instituto Moreira Salles e a classe artística da região, além de coordenar cursos, palestras e eventos musicais. É também artista visual, tendo participado desde 1995 de diversas mostras.