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Cadernos de notas: Jorge Bodanzky em Super-8

12 de agosto de 2024

A mostra As Câmeras de Bodanzky está em cartaz no IMS Paulista em agosto.

 

Comecei a fazer cinema porque sempre gostei de ouvir e de contar histórias.

Ainda bem jovem, na década de 1960, fiz muitos filmes para a TV alemã, sempre em parceria com algum repórter. Esses trabalhos, assim que os entregava, ficavam inteiramente perdidos para mim.

Os escritores costumam carregar uma caderneta onde anotam ideias e diálogos entreouvidos, episódios e situações que, mais tarde, eles pretendem desenvolver em seus escritos. Então, tive a ideia de, ao tempo que filmava para a ZDF, fazer registros pessoais, através de fotos e de uma câmera super-8. Isso funcionava para mim como um “caderno de notas”, e eu ficava feliz de sempre poder guardar lembranças desses trabalhos.

Com a recente digitalização do meu acervo pelo IMS (filmes, fotos e super-8), esse arquivo pessoal passou a ter visibilidade, principalmente para mim. Tive a oportunidade de revisitar todo o material que guardei e que, com o passar dos anos, ganhou um outro significado, muito além daquele para o qual fora produzido à época.

Na exposição que o IMS organizou para mostrar um recorte do meu trabalho, relativo aos anos de chumbo do regime militar no Brasil (1964-1985), surgiu a ideia de editar esses registros em super-8. Com roteiro de Ewerton Belico e edição dos irmãos Luiz e Ricardo Pretti, esse material se transformou numa espécie de viagem para o meu passado, presente e – por que não? – para o meu futuro. Além disso, a trilha sonora sobreposta aos super-8 originalmente silenciosos, é surpreendente, com todas as possibilidades que sugere.

Pela primeira vez, depois de restaurados, e concomitantemente à exposição, estão sendo exibidos no IMS cerca de 20 filmes, realizados nos meus 50 anos de atividade.

No entanto, ao lado da imensa alegria de vê-los tão bem cuidados e recuperados, surge uma enorme tristeza pois, na verdade, a crua realidade neles retratada continua surpreendentemente atual. Ao longo de cinco décadas, fica evidente que os problemas só se agravaram: trabalho escravo, desmatamento, queimadas, extração ilegal de madeira, garimpo, prostituição infantil, gado e mineração.

A visão equivocada que os governos sempre tiveram quando da ocupação da Amazônia durante a ditadura militar ainda persiste na atualidade. As políticas públicas não levam em conta o saber dos povos originários, sua cosmogonia, seu manejo adequado do solo e da floresta, seus usos e costumes, sua cultura.

Sou imensamente grato ao IMS pela feliz combinação de unir fotografia, cinema e vídeo para abranger a totalidade da minha visão de mundo.