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As Câmeras de Bodanzky

IMS Paulista, 2024

Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz no Cinema do IMS com programas mensais ao longo do ano e a exposição Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985, em cartaz até 28 de julho.

Ao longo desse período, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema: uma transa amazônica (1974) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou nos mais diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).

Ao longo dos próximos meses, o Cinema do IMS exibe uma seleção dessa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião. Trata-se de filmes inéditos realizados a partir do arquivo de filmes super-8 de Bodanzky, um precioso material que perpassa temas como a política, o meio ambiente e a vida doméstica. Parte da Coleção Jorge Bodanzky, preservada pelo IMS, esse material chega às telas em curtas-metragens roteirizados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e digitalizações inéditas, coordenadas por Debora Butruce.

Blog do cinema:
As câmeras de Bodanzky - Por Kleber Mendonça Filho ►
A fome pelas coisas – algumas notas sobre Jorge Bodanzky e seus arquivos - Por Ewerton Belico ►

Jorge Bodanzky

Filmes


Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano

Classificação indicativa da sessão: 14 anos

 

Hitler IIIº mundo
José Agrippino de Paula | Brasil | 1968, 90’, 16 mm (Cinemateca do MAM) | Classificação indicativa: 14 anos

Paranoia, culpa, miséria e tecnologia no país subdesenvolvido. Narrativa fragmentária, enquadramentos distorcidos, gritos e ruídos. O nazismo toma conta da cidade de São Paulo: prisão e tortura de revolucionários, um samurai perdido no caos, amantes trancafiados, um ditador e seu bando. Hitler IIIº mundo é considerado um dos filmes mais influentes do cinema marginal.

Na biografia de Bodanzky em primeira pessoa, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de conversas com o cineasta, ao descrever os filmes em que trabalhou como fotógrafo no período, ele declara: “De todas as experiências dessa fase, a mais radical foi sem dúvida a de Hitler IIIº Mundo. E para falar dela preciso reportar-me à convivência com seu autor, o incomparável José Agrippino de Paula. Ele se diferenciava dos mais engajados politicamente, como João Batista. Sua proposta era de viver o estado da arte, inspirando-se no The Living Theatre. [...] Fosse nas atitudes mais anticonvencionais, fosse no intenso debate cultural que fomentava, o Agrippino fez a cabeça de toda uma geração naquele momento em São Paulo, inclusive a minha. Vale a pena ler o que Caetano Veloso escreveu sobre a sua ‘inteligência sui generis’ em Verdade tropical.”

“Agrippino tinha acabado de lançar o romance Panamerica, uma moderna epopeia recheada de alusões a celebridades e situações do cinema norte-americano. Resolveu, então, dirigir um filme sem nunca ter pensado seriamente em cinema. Na verdade, para ele, fazer literatura, teatro, cinema ou um happening era a mesma coisa. Em Hitler IIIº mundo, Agrippino simplesmente criava as coisas diante da câmera e deixava que eu resolvesse o resto: produção, decupagem, fotografia, sonorização posterior etc. Depois de inventar a cena, eu ficava filmando com inteira liberdade, e ele se afastava às gargalhadas. Se o filme tivesse som direto, ouviríamos seu riso na maior parte do tempo.”

Hitler não é uma adaptação, mas um filme paralelo ao Panamerica. Feito sem roteiro e difícil de reduzir a uma sinopse, tem, contudo, uma coerência subterrânea na sua exótica mistura de política, sexo, violência e referências místicas. Foi rodado durante mais de um ano. [...] Tudo dependia de conseguirmos algum negativo, pessoal e condições de filmagem. Eu guardava pontas de chassi dos outros filmes que fazia até juntar o bastante para o trabalho de um dia. Pegava uma câmera em dia de folga de outra produção e ligava para o Agrippino. Ele então criava a cena de acordo com os atores que pudéssemos reunir. Batíamos na porta das pessoas e as chamávamos para filmar.”

“[...] Esse sentido de aventura era absolutamente instigante. Podíamos inventar desde as tomadas de rua em que a câmera gira sobre o próprio eixo até a inusitada sequência do Homem de Pedra, um personagem de quadrinhos que Agrippino criou, fantasiando um ator com placas de isopor. A certa altura do filme, o Homem de Pedra ameaça atirar-se do topo de um prédio próximo ao viaduto do Chá. A equipe ficou no viaduto apontando para o alto, até que uma multidão se formasse, interrompendo o trânsito. Dessa vez, nosso plano de filmagem contou com a chegada da polícia. Pedimos, então, aos policiais, que nos ajudassem na filmagem da prisão do Homem de Pedra. Muito solícitos para fazer o seu próprio papel, eles subiram até o terraço, procederam à captura e eu filmei até a porta do camburão sendo fechada, de dentro do veículo.”

“[...] A dublagem e a sonorização foram feitas na ECA, fora dos horários de aula. Na montagem do negativo, o laboratório colocou a faixa de som ao contrário em cerca de 10 minutos de filme, o que fazia os diálogos soarem ao revés. Agrippino achou genial e incorporou o acidente à sua estética.”

Citação extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.

 

Limites do diáfano
Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2023, 9’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: 14 anos

Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.

Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foram elaborados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti em quatro curtas-metragens inéditos, que serão apresentados ao longo da mostra As câmeras de Bodanzky. A realização desses filmes é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles, com produção de Vasto Mundo & Errante.

 

Programação

IMS Paulista
11/5, sábado, 18h
21/5, terça, 20h


No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado

Classificação indicativa da sessão: Livre

 

No meio do rio, entre as árvores
Jorge Bodanzky | Brasil | 2009, 73’, Arquivo Digital (Acervo do artista) | Classificação indicativa: Livre

O documentário é resultado de uma expedição ao Alto Solimões, que ministrou oficinas de vídeo, circo e fotografia às comunidades ribeirinhas dentro de reservas ambientais. Com o conhecimento adquirido, os próprios alunos começam a registrar as suas vidas cotidianas, destacando tanto a beleza natural da região quanto as consequências negativas da exploração econômica dos recursos disponíveis. O filme junta o olhar e as imagens de Bodanzky ao olhar e imagens dos ribeirinhos.

 

Tenta louvar o mundo mutilado
Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 18’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre

A trajetória cinematográfica de Jorge Bodanzky é profundamente marcada pelo seu convívio com o jornalismo e a reportagem documental. Tenta louvar o mundo mutilado reconstitui alguns dos seus mais importantes trabalhos nessa seara, com registros que vão desde as ditaduras latino-americanas às expressões religiosas de matriz africana no Brasil.

 

Programação

IMS Paulista
18/5, sábado, 16h
28/5, terça, 20h


Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã

Classificação indicativa da sessão: 14 anos

 

Igreja dos oprimidos
Jorge Bodanzky e Helena Salem | Brasil, França | 1985, 75’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados no Arquivo Nacional, com coordenação de Debora Butruce) | Classificação indicativa: 14 anos

Rodado no sul do Pará, em Conceição do Araguaia, região de graves conflitos de terra. Com vigor preciso e apaixonado, o filme narra a saga de fraternidade e de esperança que uniu os movimentos eclesiais de base e os camponeses pobres da região, em defesa do direito à posse da terra.

“A atuação da igreja progressista na Amazônia ainda era muito forte em 1985, quando dirigi com Helena Salem o documentário”, comenta Bodanzky na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos. “Antes mesmo de adotar o livro homônimo da Helena como base de trabalho, eu já havia pensado num filme que partisse de uma ‘nova missa’ da Teologia da Libertação para enfocar as particularidades e o destino de cada pessoa que ali estivesse. A ideia me surgira ao fazer um trabalho no Ceará, quando assisti à missa celebrada por um padre austríaco à sombra de uma grande árvore.

Tinha ficado comovido com o despojamento da cena, aqueles camponeses e Deus lá em cima, sem templo, sem imagens de santos, como no início da Igreja Católica.”

“Uma convergência de propósitos reuniu a mim, Helena, a produtora Lucíola Villela e o padre Ricardo Rezende, de Conceição do Araguaia (sul do Pará). [...] Padre Ricardo tinha sobrevivido a cinco atentados e exercia um papel de liderança nas comunidades eclesiais de base do Norte brasileiro. A Teologia da Libertação começava a ser perseguida e duramente combatida pela ala conservadora da Igreja. [...] Padre Ricardo, presente como uma espécie de explicador, celebrou a missa que ocupa o núcleo central do filme. Afora seus depoimentos, evitamos fazer um desfile de padres e bispos, preferindo dar voz ao povo e a personagens da luta pela terra.”

“Não faltaram questões polêmicas, como a defesa, por um agente pastoral, das queimadas feitas pelos camponeses. Mostrando isso, não estávamos tentando justificar ‘a queimada do bem’, mas expondo as razões de sobrevivência daquela gente.”

“Entrevistamos, em sua própria casa, o pistoleiro Sebastião da Terezona, um assassino confesso, livre e orgulhoso, cercado de quadros religiosos nas paredes. Filmamos o corpo de um soldado morto num conflito em Redenção. Apesar das nossas convicções políticas, pretendíamos abrir espaço para os dois lados da guerra. Mas, à exceção de um sindicalista patronal que insinuou o recurso à violência, não foi fácil ouvir o outro lado.”

“[...] Em Igreja dos oprimidos eu não fiz a câmera, o que é muito sofrido para mim. A L.C. Barreto assinou um contrato de coprodução com a Société Française de Production, visando principalmente a pós-produção do filme. Mas eles conseguiram impor o fotógrafo Serge Guitton, que tinha um estilo mais rígido e lento, com câmera no tripé. É claro que o orientei na medida do possível, mas não é a fotografia que eu faria. De qualquer forma, isso não foi conflitante e a equipe era bem coesa. Helena Salem, muito doce mas também muito ativa e politizada, usava suas relações para criar um ambiente favorável à nossa entrada com a câmera.”

“[...] Rodamos durante três semanas com uma equipe de cinco pessoas. O produtor delegado era Louis Mollion, que já tinha vindo ao Brasil e até velejado no meu barco. Acompanhei a montagem e finalização em Paris, onde o filme estreou na TF1 em horário nobre, excepcionalmente na versão integral (75 minutos), em setembro de 1986. Um mês antes, fora exibido ao papa João Paulo II e integrado ao acervo da cinemateca do Vaticano. Não tenho dúvida de que o filme surgiu num momento oportuno para a discussão da Igreja da Libertação. No Brasil, ganhou a Margarida de Prata da CNBB e rodou o circuito dos cineclubes, com temporadas no Estação Botafogo, no Rio, e no Oscarito, em São Paulo. Foi exibido nos festivais de Cannes, Havana e Montreal, entre outros.”

 

O Muiraquitã
Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 20’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre

Os percursos de um cineasta-viajante por paisagens sociais e culturais brasileiras atravessadas pelo furacão da modernização autoritária que a ditadura militar impôs: povos indígenas, cavalhadas, migrantes. Através da câmera-olho de Jorge Bodanzky, vemos as múltiplas faces da borrasca que atinge os modos de vida das populações tradicionais e suas práticas vistas.

 

Programação

IMS Paulista
18/5, sábado, 18h
23/5, quinta, 20h


Utopia/distopia + Meu barco é veleiro

Classificação indicativa da sessão: Livre

 

Utopia/distopia
Jorge Bodanzky | Brasil | 2020, 72’, DCP (Produtor Bruno Caldas) | Classificação indicativa: Livre

Jorge Bodanzky recorre às memórias afetivas do período em que cursou a Universidade de Brasília para apresentar um painel da juventude na década de 1960, com seus sonhos e suas expectativas, suas crises e seus projetos interrompidos.

Para Bodanzky, que frequentou a Universidade de Brasília nos anos que seguiram a sua fundação, a UnB representava o projeto de construção de um novo Brasil: desde a arquitetura, passando pela integração entre as áreas do conhecimento, a reunião de estudantes de todo o país com professores de renome internacional. Em entrevista à Ponte Jornalismo, afirma que foi Darcy Ribeiro o articulador político para que esse projeto se concretizasse: “Ele era muito articulado politicamente e era muito ligado ao presidente João Goulart. Foi num ato de distração da Câmara que acabaram aprovando o projeto de uma instituição como essa. A verdade é que a proposta original da UnB era tão revolucionária que até hoje nenhuma universidade brasileira foi a sombra do que ela foi.”

O golpe militar de 1964, no entanto, interrompeu brutalmente o projeto recém-nascido. À Ponte, Bodanzky analisa: “Os militares interferiram em outras universidades e em organizações estudantis como a UNE. Mas nunca com a mesma violência e rapidez com que fizeram com a UnB. Essa foi a única instituição de ensino superior fechada por eles.”

Em Utopia/distopia, o sonho dessa UnB e sua subsequente destruição são narrados de forma indissociável da vida do próprio diretor. Em sua biografia escrita por Carlos Alberto Mattos, já estava posto: “Esse período em Brasília foi a minha descoberta do Brasil e da cultura brasileira. Até então, eu tinha certa pretensão intelectual, mas não um sentimento de grupo. Seguia a onda, era de esquerda porque tinha mesmo de ser. Em Brasília, adquiri a visão de mundo que determinou tudo o que eu faria a seguir. Posso dizer que minha vida se fundou ali, junto com a universidade.”

Depoimentos extraídos da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso e da matéria Direitos em Cena | ‘Utopia Distopia’: uma universidade de vanguarda, do site Ponte Jornalismo.

 

Meu barco é veleiro
Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2024, 14’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre

Jorge Bodanzky é, em grande medida, um realizador viajante. O movimento constante é um traço de seu processo criativo, que incide por registros tanto pessoais quanto de projetos diversos que constituem a base para Meu barco é veleiro. Observações e experiências por continentes diversos, em uma espécie de romance de formação improvisado, no qual as paisagens humanas revelam a constituição de um olhar.

 

Programação

IMS Paulista
14/5, terça, 20h
25/5, sábado, 18h


Filmes anteriores


Filmes de abril

Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari
Classificação indicativa da sessão: 14 anos

 

Limites do diáfano
Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2023, 9’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: 14 anos

Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.

Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foram elaborados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti em quatro curtas-metragens inéditos, que serão apresentados ao longo da mostra As câmeras de Bodanzky. A realização desses filmes é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles, com produção de Vasto Mundo & Errante.

 

Caminhos de Valderez
Jorge Bodanzky e Hermano Penna | Brasil | 1971, 23’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos

Desde o início de sua fundação, Brasília mostrou-se em sua dupla face: de um lado, a cidade arrojada e utópica e, de outro, um espaço em que sua diversificada população podia explorar o misticismo e a espiritualidade. O filme tenta analisar as razões disso, retratando a jovem Valderez, que, paralelamente a uma vida civil comum, desenvolvia atividades no campo espiritual. A ditadura imperava, e eram vários os mecanismos para driblar sua presença maciça. O filme pode ser visto como um ensaio para o Iracema, com sua linguagem inovadora e a fusão de documentário e ficção.

Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, a partir de pesquisa e uma série de conversas e entrevistas com Bodanzky, Carlos Alberto Mattos conta a vida do cineasta em primeira pessoa. Sobre Valderez, realizado quando o cineasta já colaborava com a televisão alemã, o livro relata: “A saudade de Brasília fez com que eu a escolhesse para cenário do meu primeiro ensaio de direção cinematográfica. O tema de Caminhos de Valderez nasceu de minhas observações, à época da UnB, sobre a tendência de fuga para o misticismo entre a população brasiliense. Já naquela época, Brasília e seus arredores eram um grande celeiro místico e esotérico, apinhado de cartomantes, fanáticos, terreiros de umbanda, o Vale do Amanhecer, a Cidade Eclética etc. Todos os meus amigos, e até a minha prima Sylvia Orthof, tinham alguma ligação com aquele mundo.”

“Hermano Penna e eu, que juntos roteirizamos e dirigimos o filme em 1971, queríamos retratar essa dualidade de Brasília não com um documentário puro e simples, mas através de uma personagem ficcional que a representasse. Alguém que tivesse uma existência civil comum e uma atividade paralela no campo do misticismo. Sylvia indicou uma aluna de seu grupo de teatro, Valderez Reis, moça bonita e interessante, que tinha laços com a umbanda. Criamos com ela uma personagem-homônima, dona de casa, esposa de funcionário público e mãe de dois filhos, que tinha um lado identificado com o fantástico. Em parte, o filme documenta elementos do cotidiano real de Valderez, inclusive o terreiro que ela frequentava, com boa dose de improviso no processo. Mas também ficcionalizamos a narrativa, inserindo a personagem em outros contextos místicos e criando sua vida de mãe de família. [...] Havia também um fundo político. Valderez via-se perseguida por um grupo de policiais e mal conseguia escapar. Parecia atingida por um trauma político que poderia ser real ou fruto de sua imaginação. A ideia era retratar o clima de opressão e mostrar como as pessoas se alienavam por meio da religião.”

“A essa altura, eu já estava certo de preferir o cinema à fotografia. A cumplicidade e a criação em equipe me agradavam bem mais que o trabalho solitário do fotógrafo. [...] Daí veio o desejo de dirigir meus próprios filmes, em vez de apenas fotografar os dos outros. A ideia de buscar uma interação entre documentário e criação ficcional me apaixonava desde que tomei contato pela primeira vez com os filmes de Jean Rouch e John Cassavetes. Admirava o humor de Rouch e a naturalidade com que ele conduzia não atores em seus filmes africanos. No Cassavetes de Husbands [Os maridos], 1970, por exemplo, impressionavam-me o despojamento com que ele filmava os atores profissionais, a maneira como eles improvisavam e a câmera, que os flagrava de maneira quase documental. Outro filme que me marcou nessa época foi The Harder They Come (Balada sangrenta), 1972, de Perry Henzell, que lançou a música reggae no mundo e reencenou experiências da vida de Jimmy Cliff. Eram todos filmes de câmera leve, com ênfase nos planos-sequência e acentos documentais.”

 

Jari
Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil | 1979, 58’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos

O documentário acompanha os parlamentares designados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a devastação da Amazônia, na região do polêmico Projeto Jari, de Daniel Ludwig, milionário americano que investia na região. O filme debate o processo de industrialização da Amazônia, mostrando os aspectos contraditórios daquilo que pretendia ser o maior empreendimento privado da região.

Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de relatos do cineasta, é descrita a origem e a repercussão do filme: “Todo um novo capítulo do meu trabalho na Amazônia começou no dia em que conheci o senador Evandro Carreira, do MDB. Ele me procurou solicitando algumas imagens de Iracema para apresentar numa entrevista à TV Bandeirantes. Embora achasse o pedido um tanto insólito, cedi, porque vi nele uma figura interessante. Seu discurso sobre a Amazônia tinha uma qualidade utópica, mas era coerente, corajoso e bastante diferenciado do que se propunha para a região naquele momento. [...] O Senador “Pororoca” – como o chamavam devido à prolixidade – era contraditório, espalhafatoso, fazia uma política antiquada, mas conhecia profundamente seu território e demonstrava preocupações legítimas. Tanto que estava prestes a visitar o Projeto Jari, como integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito da devastação da Amazônia.”

“Eu e Wolf logo acertamos com ele a realização de um filme sobre essa viagem. Conhecer in loco o controvertido Projeto Jari era sonho de quase todo jornalista brasileiro na época. Tudo era muito controlado, o acesso era complicado. Um gigantesco complexo de extração de madeira e fabricação de celulose estava implantado às margens do rio Jari, na divisa entre o Pará e o Amapá. [...] Ao fim da visita oficial, decidimos ficar por nossa conta e risco, apesar da insistência dos administradores da usina para que partíssemos junto com os políticos. Percebemos certo mal-estar. Disseram que não se responsabilizariam por nós a partir dali. Mesmo assim, resolvemos arriscar.”

“Um dos engenheiros, corajosamente, nos ofereceu hospedagem e nos levou no seu carro para documentarmos o outro lado do Jari. [...] Bastava afastar-se 300 metros daquela fábrica com tecnologia de ponta para se dar de cara com o Brasil real: uma imensa favela de palafitas, coalhada de gente miserável e de prostitutas, onde a lei parecia não chegar. Desvinculados dos políticos e da diretoria do projeto, não tivemos dificuldade em colher bons depoimentos sobre a situação dos operários, em grande parte imigrantes nordestinos, suas queixas das condições de trabalho e de alimentação, o xadrez privado para aqueles que reclamavam, malária, assassinatos, exploração pelo comércio do Beiradão. Nas entrevistas, eu e Wolf captamos também o medo de falar, as especulações sobre um patrão cujo rosto quase ninguém via.”

[...]“Já na montagem, antecipamos a destinação que o filme deveria ter: a de ser um instrumento de debate sobre a industrialização da Amazônia. Confrontamos depoimentos contraditórios, expusemos a falácia de quem defendia a exploração irresponsável da floresta e da mão de obra. [...] Já a partir de maio de 1980, tínhamos entre 15 e 20 cópias circulando constantemente através da distribuidora Dinafilme. Jari foi um dos poucos filmes concebidos e realizados especificamente para o circuito alternativo. A televisão da época não absorveria um filme com tal conteúdo crítico. Nos cinemas, não havia espaço para um média-metragem documental em 16 mm. O filme foi exibido no Senado e na Escola Superior de Guerra. [...] Evandro Carreira e Modesto da Silveira usaram Jari em suas campanhas com nosso pleno consentimento.”

“O filme se propunha a ser uma arma política e, portanto, quanto mais fosse exibido e usado, melhor. As projeções se sucediam em cineclubes, universidades, sindicatos, associações de classe e assembleias legislativas de vários estados, além dos comitês do Movimento de Defesa da Amazônia. Era muito estimulante ver como o trabalho chegava ao público e gerava debates amplos, muito além do conteúdo do filme. Cerca de 200 mil pessoas viram Jari naquele momento, quando a televisão, de maneira geral, ignorava solenemente a realidade brasileira.”

 

Programação

IMS Paulista
23/4, terça, 19h
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Ewerton Belico e Kleber Mendonça Filho

27/4, sábado, 17h30


Compasso de espera
Antunes Filho | Brasil | 1969, 98’, 35 mm (Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 16 anos

O poeta e publicitário Jorge de Oliveira é apadrinhado pelo dr. Macedo Alves, ex-patrão de sua mãe. Distante de sua família, Jorge tem uma vida confortável e mantém um romance com Emma, uma mulher branca bem mais velha e sua chefe na agência de publicidade. Jorge conhece Cristina, uma jovem branca da tradicional família Marcondes Lima, apaixona-se perdidamente e é correspondido, porém não consegue desvencilhar-se de Emma.

Compasso de espera é um dos primeiros filmes brasileiros a trazer à cena um protagonista negro da classe média. Antunes Filho designou o artista plástico Fernando Lemos para criar o conceito de fotografia de Compasso de espera. Lemos, por sua vez, convidou Jorge Bodanzky para ser o fotógrafo. Em sua biografia, Bodanzky relata: “A partir do tema do racismo (escritor negro namora modelo branca, e o casal é espezinhado pela sociedade), a fotografia deveria exacerbar as massas de preto e de branco, separá-las e trabalhar sua dramaticidade. Recebi do Fernando uma ideia bem precisa de como deveria ser a imagem e dei asas à minha admiração pela fotografia de O bandido Giuliano [de Francesco Rossi].”

Em um videoensaio em torno do filme, a atriz Mariana Nunes e o crítico e professor de cinema Juliano Gomes se detém de forma bastante aguda nas estratégias de fotografia e encenação: “Censurado pela ditadura militar por dois anos, só foi lançado em 1975, sem cortes, graças aos esforços de Zózimo Bulbul, o protagonista do filme. Os exibidores brasileiros não se interessaram pelo filme. O lançamento foi limitado, e ele recebeu quase nenhuma repercussão crítica. Além disso, exibidores temiam que um filme em preto e branco espantasse o público, já acostumado a cores naquele momento. Antunes queria o filme em P&B porque era mais barato e também por causa do seu tema racial. O monocromático foi uma opção para dar ao filme um aspecto mais bruto, artesanal e subdesenvolvido, segundo Antunes.”

“Zózimo estreia como diretor com o curta Alma no olho, que é inspirado no livro Alma no exílio, do escritor e ativista Eldridge Cleaver. Alma no olho foi feito com as sobras do negativo de Compasso de espera. Quase como uma produção de um homem só. [...] O negativo Kodak Plus-X usado nesses dois filmes reduz os tons cinzas, enfatizando tons ou muito claros ou muito escuros. Produzindo alto contraste. Além do mesmo negativo, há outros elementos em comum entre os dois filmes: o tema racial explícito. O fundo branco e os espaços brancos. O movimento de zoom in a que o operador de VT se refere em Compasso é feito no fim de Alma no olho, de maneira bastante ambígua. O isolamento e solidão do homem negro.”

“A metáfora da cor mostra que o mundo branco e o mundo preto fazem contato, mas estão profundamente separados. O contraste do negativo é uma das maneiras de enfatizar a ideia de diferença e separação, marcando e diferenciando preto e branco. A direção de arte e figurinos reforçam essa diferença. Uma das imagens mais sintéticas do filme é Zózimo vestindo um terno branco. Sua pele escura produz alto contraste com o tecido. Pele negra, terno branco. Uma expressão da condição de Jorge, vivendo espaços e relações que o repelem e são hostis a ele.”

Trecho inicial da sinopse adaptado a partir da versão veiculada na plataforma Sesc Digital.

Citação de Bodanzky extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.

O videoensaio de Mariana Nunes e Juliano Gomes, disponibilizado pela iniciativa Cinelimite.

 

Programação

IMS Paulista
25/4, quinta, 20h
28/4, domingo, 17h45


Programação de maio

IMS PAULISTA

11/5/2024, sábado
18h - Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano

18/5/2024, sábado
16h - No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado
18h - Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã

21/5/2024, terça
20h - Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano

23/5/2024, quinta
20h - Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã

28/5/2024, terça
20h - No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado


Programação de abril

IMS PAULISTA

23/4/2024, terça
19h - Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Ewerton Belico e Kleber Mendonça Filho

25/4/2024, quinta
20h - Compasso de espera

27/4/2024, sábado
17h30 - Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari

28/4/2024, domingo
17h45 - Compasso de espera


Ingressos

 

IMS Paulista

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Bilheteria: de terça a domingo, das 12h até o início da última sessão de cinema do dia, na Praça, no 5º andar.

A bilheteria vende ingressos apenas para as sessões do dia. No ingresso.com, a venda é semanal: toda quarta-feira, às 18h, são liberados ingressos para as sessões que acontecem até a quarta-feira seguinte.

Não é permitido o consumo de bebidas e alimentos na sala de cinema.


Exposição relacionada