Cinema é cachoeira - Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio está em cartaz no cinema do IMS Paulista em julho.
Recôncavo da Bahia, junho de 2024.
Começamos este texto às vésperas.
Às vésperas da reunião de fotografia dos próximos filmes que virão.
Às vésperas da reunião com a equipe de distribuição.
Às vésperas do São João.
A Mostra Cinema é cachoeira - Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio é um desejo antigo, e agora realizado, de poder finalmente alcançar o circuito de exibição com um conjunto de filmes que, juntos, traçam uma proposta de cinema feito no interior, no Recôncavo da Bahia.
Poderíamos falar que é também um mapa de como chegamos até aqui, de como viemos vivendo de cinema no interior do Brasil, tentando produzir um filme por ano, com histórias, orçamentos e dinâmicas que foram sendo aprendidas e adaptadas de acordo com os limites do território.
Aprender um cinema feito com quem é de casa.
Aprender a construir casa com quem se faz cinema.
São 13 anos desde o nosso primeiro filme. Sim, porque Café com canela estreou em 2017, mas o roteiro começou a existir na nossa vida já em 2011, mais ou menos junto com a criação da nossa produtora Rosza Filmes. De todos, este foi o filme mais difícil e talvez o que mais tenha nos ensinado também. Afinal, as escolhas e os planos desse período nunca foram só sobre o Café com canela, mas abrangiam a descoberta de uma forma que coubesse e abrigasse também o fazer fílmico dos projetos que estavam por vir. Toda a movimentação só fazia sentido diante do pacto de permanecer.
E, hoje, é bom estarmos vivos e juntos para assistir essa(s) história(s).
A mostra é uma proposta de celebração.
Como dissemos, estamos escrevendo nas vésperas do São João. A cidade já está enfeitada com bandeirolas coloridas. Amendoim já comprado. Licor também, não pode faltar. Enquanto escrevemos, os últimos ajustes dessa mostra ainda estão acontecendo. Essa mistura que o cinema nos exige de estar no presente e habitar o futuro. Uma tentativa de ocupar esse tempo, que não é hoje, que não é amanhã. Está entre. É a história. É depois.
E depois sempre tem filme.
No nosso caso, mais três.
Estamos iniciando oficialmente nosso período de pré-produção. Nos meses de outubro a fevereiro, estaremos filmando nossos próximos longas, Todo o sentimento, As flores do Recôncavo e Quem tem com que me pague, não me deve nada.
São roteiros que foram escritos há alguns anos, em contextos distintos deBrasil (e da gente também). Então se faz necessário revisitar essas histórias com os olhos do agora.
O roteiro de As flores do Recôncavo, por exemplo, foi escrito logo depois de Café com canela. É o roteiro mais antigo que temos sem ser filmado. Foi atropelado por Ilha (2018), que, para nós, na época, parecia mais urgente. E também porque percebemos que As flores do Recôncavo tem uma estrutura que se assemelha ao nosso primeiro filme, e estávamos com vontade de mergulhar em uma outra proposta. Apresentar um segundo filme que fosse na contramão do primeiro para que pudéssemos também nos experimentar. Tentar o imprevisível foi uma boa forma de escapar de algumas amarras, sobretudo das que não consideravam que o afeto também acontece em tempos difíceis, e que nem sempre tem gosto de canela. No geral, tentamos cumprir a ordem de chegada dos roteiros, mas não é uma regra. Cada tempo exige seu filme.
Nesse sentido, é bom pensar que, prestes a voltar para as gravações, prestes a ocupar outros sets mais uma vez, teremos esse tempo de olhar o caminho percorrido. Filmar um roteiro é sempre um encontro com o desconhecido, não se sabe exatamente aonde vai dar, embora muito tenha se imaginado. Essa mostra reúne então os mapas que precisamos para esse jogo, ainda mais porque quanto mais o tempo passa, mais conversas em comum os filmes criam. No Quem tem com que me pague, não ne deve nada, por exemplo, podemos ver a personagem Arlete, de Mugunzá (2022), mais uma vez, e ver que o filho dela, que neste último filme era só uma criança, já cresceu e virou um cantor estourado. Estamos falando de um outro tempo. Um tempo em que Henrique, que no Ilha havia sido sequestrado por Emerson, continua refém, em Todo o sentimento, enclausurado agora por uma outra sociedade.
Os nossos personagens continuam vivendo – em brindes, em abraços além-telas, em ruas que acompanham as margens do Paraguaçu. Revê-los na tela em territórios que são outro Brasil, é uma forma de ecoar as histórias que nos contam aqui, no Recôncavo da Bahia. É mais uma vez pactuar a vontade de seguir, junto, porque aqui não se anda só. E talvez tenha sido essa uma das coisas mais bonitas que o Recôncavo nos ensinou.
Nosso cinema é Cachoeira, e continua jorrando motivos pra continuar, porque existem alguns encontros que só no Recôncavo se pode contar.