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A comunicação é como um rio

19 de agosto de 2019

Lucas "Koka" Penteado é um dos personagens e narradores do filme Espero tua (re)volta, de Eliza Capai, que aborda as ocupações secundaristas de 2015. Em depoimento ao Cinema do IMS, Koka conta sobre sua experiência política e a respeito da realização do filme. Hoje formado no ensino médio, ele comenta também as manifestações pela educação em 2019.

Sou residente do bairro da Bela Vista, onde nasci e fui criado. Estudei nas quatro escolas do bairro: Maria José, Marina Cintra, Maria Augusta Saraiva e Caetano de Campos da Consolação, onde a minha militância iniciou realmente. Lá eu fui presidente do Grêmio e lá começaram as minhas experiências diretas no movimento estudantil.

A primeira vez em que vi a Eliza Capai, a diretora do filme, foi num ato. Me chamou bastante atenção alguém autônomo, com uma câmera e microfone. Não lembro exatamente como foi nossa primeira conversa, porque foram tantas (risos).

Eu sei dizer o que me levou a aceitar. Era necessário utilizarmos o audiovisual para nos comunicar, mas não sabia como e onde fazer, já que não somos formados. Até que caiu um anjo do céu (risos), com a ideia genial de contar essa história. Foi isso que me levou a participar do filme, porque eu acredito que a comunicação é como um rio, e esse rio vai levando conhecimento a todas as pessoas que forem à sala de cinema ou derem o play no filme. Não posso dizer que seja isento, mas este é um filme que pode educar sobre os seus direitos principais: um é o de contestar algo que não te supre, e o outro é o direito de se manifestar sobre algo que não te representa, principalmente quando se trata de política e educação.

Nós conversamos várias vezes sobre o processo de montagem e narração do filme. Eu tive vários depoimentos recolhidos pela Eliza. Contei a minha história e o que eu sabia sobre movimento estudantil. Contei a minha trajetória e o que me levou a escolher ou não escolher tal entidade e, a partir daí, a Eliza escolheu os recortes. Nós assistimos e também fizemos a narração, mas a maior parte saiu dos depoimentos e ela canalizou esse roteiro de uma forma que ficasse mais limpo e produtivo, digamos assim. Essa mulher tem um tato... é uma rainha.

A Eliza sempre foi bastante horizontal, falou pra gente indicar se não gostássemos de alguma imagem ou se tivéssemos alguma fala ou referência que gostaríamos de colocar, além dos depoimentos. Ela teve uma compreensão e um tato para transformar esse material maleável em algo doce de se assistir e ao mesmo tempo de luta, o que é difícil. Ela sempre foi bem solidária para nos perguntar o que a gente achava, e juntos a gente pensou o que seria, mas o corte final foi dela.

Cena de Espero tua (re)volta, de Eliza Capai
Cena de Espero tua (re)volta, de Eliza Capai

Nas manifestações de 2019 pela educação, a palavra “balbúrdia” foi associada às lutas estudantis... É claro que foi, pensa comigo: nós nascemos à margem da sociedade, certo? A educação que nos é fornecida é de baixo escalão, é chula. A segurança que nos é fornecida é de baixo escalão, é chula. A comunicação, as informações que nos são passadas são de baixo escalão, chulas.

Agora pensa que essa pessoa, esse jovem, esse estudante que nasceu à margem da sociedade, decide lutar pelos seus direitos. Decide pisar no mesmo lugar que o filho do playboy pisa. É bagunça, é zona. Mesmo que estejamos todos organizados, porque nós estávamos organizados na época das manifestações de 2013 a 2016. E muito bem organizados, diga-se de passagem: tínhamos comissões de cozinha, de segurança de comunicação e principalmente de limpeza.

As escolas nunca estiveram tão limpas, belas e conservadas. Sem contar que a grade normal do governo de aula ficou para trás. Nas escolas, nós tínhamos aulas que nunca passaram pela cabeça do secretário de educação. Nós tínhamos oficinas e aulas que só pensávamos que iríamos ter na faculdade, e se conseguíssemos chegar lá.

Então, se esse estudante que é visto pela sociedade como marginal, quando entra no shopping e no mercado, começa a lutar pelos seus direitos na educação, é bagunça. É uma desculpa pra não estudar, é vagabundagem, com o perdão da palavra, é balbúrdia mesmo. As informações que estão sendo passadas pelos jornais na televisão falam cada hora de uma coisa, dependendo do horário, então, a alienação pela mídia é muito grande. Mas sempre vai ser, porque se vende o que se compra. Se o povo quiser ouvir que fulano é culpado, vai passar na televisão que fulano é culpado. Se o povo quiser ouvir que fulano é inocente, vai passar na televisão que fulano é inocente.

Então, não me impressiona ser chamada de balbúrdia a luta pela educação, até porque eu vi gente batendo palma pra ser preso um ex-presidente que não tem culpa e bater palma pra eleger um presidente que fala de violência, que é favor da arma, a favor da morte. A minha percepção é que o povo não tem noção do que está acontecendo, e não é por burrice ou por ignorância. É por falta de informação, que não está nos sendo passada, e quando é passada, não sabemos se podemos crer ou não.

É engraçado a gente ter essa leitura da conjuntura política da atualidade, que parece que ou você tem um lado ou você tem outro. Ir contra Bolsonaro não é ser a favor de Lula. Tem que ter essa percepção. Ir contra Bolsonaro é ir a favor dos seus direitos, a favor de se aposentar com a idade até a qual lhe cabe trabalhar, é saber que você precisa dos investimentos na educação. Lutar contra Bolsonaro é saber que você precisa do seu direito de entrar na faculdade, pelo Sisu, pelo Fies ou pelo Enem. Lutar contra Bolsonaro é saber que você pode se casar com quem você quiser, que você tem orgulho de ser negro e de saber das suas origens quilombolas. Lutar contra Bolsonaro é lutar pela vida.

Agora vamos falar de Lula: saber que Lula é inocente é lutar pela sua própria segurança. Se caminharmos da forma como estamos caminhando, chegaremos à barbárie. Uma pessoa que é presa sem motivos não é a primeira. Lula foi notícia na televisão, mas Rafael Braga não. Então, é a passos largos que estamos caminhando, e olha que eu nem citei Tropa de Elite (risos). Eu acredito que seja isso, acho que nós precisamos nos unir, nos comunicar entre nós, ou seja, utilizar ainda mais as mídias externas e assistir a esse filme para termos a percepção de que poder não é força, é união.