Começa hoje, 8 de agosto, em oito cidades brasileiras, a nova edição da 8 ½ Festa do Cinema Italiano, que a partir do dia 15 chega a outras oito localidades. Serão exibidos dez filmes da produção italiana recente e um “clássico” (A melhor juventude, de 2003, de Marco Tullio Giordana). A julgar pelos seis que vi, a nova safra é interessante, mas não brilhante. Mas pode ser que os ainda não vistos Noite mágica, de Paolo Virzì, e Lucia cheia de graça, de Gianni Zanasi, ajudem a salvar a lavoura.
O filme mais vistoso da programação, em mais de um sentido, é sem dúvida Loro – Silvio e os outros, ambicioso retrato de Silvio Berlusconi por Paolo Sorrentino (de A grande beleza).
Magnata das comunicações, eleito três vezes primeiro-ministro da Itália entre 1994 e 2011, Berlusconi é um personagem marcado pelo signo da vulgaridade, do narcisismo e do excesso. Pode-se dizer que Sorrentino buscou refletir e intensificar em seu filme essas características, incorporando-as ao seu estilo, tendo como eixo principal a relação de Berlusconi (Toni Servillo) com as mulheres (a sua e todas as outras).
Armadilha do voyeurismo
Claro que estão no filme também os outros aspectos da vida do retratado – a política, a televisão, o futebol, o mundo das finanças –, mas tudo, de certo modo, é subordinado à relação voraz, predatória, e em última instância estéril, que ele mantém com o sexo feminino. O Berlusconi real é um machista caricatural, de almanaque, e Sorrentino parece exacerbar isso de modo estridente.
Há muitos problemas nessa operação. Ao adotar como norte a hipérbole – as mulheres, sempre convencionalmente lindas, contam-se às centenas; o luxo dos ambientes é quase inconcebível; as paisagens parecem saídas das páginas da National Geographic; as festas são uma loucura sem fim; a música é ensurdecedora –, o diretor parece ser devorado por ela, ainda que sua intenção tenha sido crítica. Como se, para denunciar o voyeurismo sexista, fosse preciso praticá-lo, e para condenar o artificialismo do mundo berluscônico, fosse necessário mimetizar sua estética publicitária.
Com isso, o que poderia ser uma reflexão artística sobre uma figura central de nossa época resulta no que parece ser um longuíssimo comercial da M-Officer. Quando A grande beleza (2013) surgiu, houve quem, de modo cândido e equivocado, saudasse Sorrentino como um “novo Fellini”, como se a mera profusão de imagens exuberantes configurasse um gênio estético. Tratava-se, evidentemente, de um pastiche, de uma diluição.
Se a referência óbvia de A grande beleza era A doce vida, Silvio e os outros mimetiza o Fellini exaurido e desencantado de seu último filme, A voz da lua, em que o velho mestre parece sucumbir à cacofonia e à feiura dos novos tempos. É essa cacofonia, essa feiura, que Sorrentino pretende transformar em beleza. Se consegue ou não, cabe ao espectador decidir.
Euforia
Com maior sobriedade e menor pretensão, Euforia, dirigido pela atriz Valeria Golino, aborda de modo eficiente as relações humanas complexas e espinhosas de nosso tempo. A história de um bem-sucedido arquiteto gay (Riccardo Scamarcio) e seu irmão professor (Valerio Mastandrea), portador de um tumor em estágio avançado no cérebro, é um drama honesto, contido, que coloca em relevo as fraturas da família italiana num contexto de incertezas sociais e mudanças de comportamento.
A euforia do título, ainda que se refira concretamente ao estado produzido por drogas químicas, reveste-se de uma dolorosa ironia: é, no fundo, um filme sobre o vazio e a impotência da vida urbana contemporânea – animado, entretanto, por uma aposta discreta no afeto como força de resistência.
Dafne
Protagonizado por uma mulher com síndrome de Down (Carolina Raspanti), Dafne, de Federico Bondi, poderia ser apenas um drama simpático sobre uma portadora dessa condição. Mas vai muito além disso, ao deixar a narrativa ser conduzida, por assim dizer, pela própria personagem, por sua personalidade intempestiva e imprevisível.
A história se concentra no período que se segue à morte da mãe de Dafne. Esta passa a viver só com o pai idoso (Antonio Piovanelli), que atravessa, ele próprio, momentos de demência senil. A viagem, em grande parte a pé, que esse par improvável realiza até o túmulo da mãe, no interior da Itália, é uma jornada surpreendente de descoberta e autoconhecimento, repleta de passagens de fúria, ternura e humor.
O filme ganhou o prêmio da crítica internacional da seção Panorama do último festival de Berlim. A atriz Carolina Raspanti, que trabalha de fato num supermercado da rede Ipercoop, tal como aparece no filme, tem 35 anos e é autora de dois livros, Questa è la mia vita e Incontrarsi e conoscersi.
Outros italianos
Na programação da mostra italiana há também uma comédia, Bangla, dirigida e protagonizada por Phaim Bhuiyan, que trata de um tema atual, a difícil integração de imigrantes asiáticos de primeira e segunda geração na sociedade italiana. Phaim (o nome do personagem é o mesmo do ator) é um jovem filho de bengaleses que toca percussão em uma banda e se apaixona por uma garota italiana (Carlotta Antonelli).
O problema de Phaim é conciliar os preceitos de sua religião (o islamismo) e de sua família tradicional com os imperativos da libido e o desejo de experimentar prazeres proibidos – tudo isso concentrado em sua atração pela garota. Ao que parece, o filme foi bem-sucedido na Itália, onde ganhou prêmios de melhor longa de estreante (no Globo de Ouro de lá) e de melhor comédia (prêmio da imprensa) e deu origem a uma minissérie de TV.
Aos olhos deste espectador não italiano e não bengali, porém, pareceu uma comédia exangue, com piadas previsíveis e inócuas, que provoca saudades da grande comédia de costumes italiana de Monicelli, Risi, Germi, Scola e tantos outros. Mas o humor, ou a graça, é algo muito subjetivo, e seu teste definitivo é sempre a reação do público. Pode ser que alguns gargalhem quando outros bocejam.
Filmes sobre artistas
Também na festa italiana, dois documentários abordam grandes artistas: Michelangelo – Infinito, de Emanuele Imbucci, e Caravaggio – A alma e o sangue, de Jesus Garces Lambert. Ambos trazem informações importantes sobre a vida e a obra dos biografados, mas são de uma infelicidade atroz ao tentar “fazer arte” em cima da arte desses dois gênios, “perfumando a flor”, como diria João Cabral de Melo Neto.
Cenografia vistosa, abuso de contraluz e câmera lenta, música enfática e atores dando um peso melodramático aos retratados, isso tudo mais esconde do que revela sobre sua produção artística. Os canais pagos da TV costumam exibir documentários mais consistentes e instrutivos em torno desses e de outros artistas fundamentais.