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Gordon sobre Mekas

11 de julho de 2018

No filme Eu não tinha para onde ir, Douglas Gordon grava Jonas Mekas, 94 anos, narrando trechos de seu diário reunidos em livro homônimo, associando a voz a imagens aparentemente deslocadas da narrativa ou a momentos de escuridão na sala de cinema, para produzir uma peça sobretudo sonora. A sessão acontece todos os sábados de julho no IMS Paulista, por ocasião da mostra Îles flottantes (Se Monet encontrasse Cézanne, em Montfavet).

Douglas Gordon e Jonas Mekas

Entrevista com Douglas Gordon sobre Jordan Mekas

Jonas Mekas influenciou o seu trabalho? Caso positivo, de que maneira?

DOUGLAS GORDON: Uma das coisas mais importantes sobre Jonas, para mim, é que ele não influencia, ele habita. Ele habita o cinema, ele habita a escultura, ele habita a vida, ele não se coloca para influenciar nada, e eu suponho que isso signifique que, sim, isso é uma influência sobre mim. Usar um lápis de manhã. Usar uma câmera à tarde. Usar um pincel à noite. Isso é o que fazemos.

Jonas confiou a você as suas biografias. Como isso aconteceu?

GORDON: Então, Jonas e eu nos encontramos muitos anos antes, em um pequeno hotel logo ao norte de Bordeaux, e começamos a conversar sobre filmes e imagens. Foi aí que o Jonas me falou sobre a primeira imagem que ele fez na vida. E eu fui muito afetado por isso, fiquei tão tocado que disse: “Jonas, alguém realmente tinha que fazer um filme sobre a sua vida”. E Jonas, em seu jeito lituano muito jovial, disse: “Sim, sim. Eu sempre pensei que alguém devia fazer isso”. E eu disse: “Bem, acho que tinha que ser eu”. E, no dia seguinte, eu recebi uma mensagem que dizia: “Jonas disse SIM”. Foi isso o que ele fez, Jonas disse SIM. Acho que o cinema é o melhor lugar possível para contar a sua vida.

O que faz você pensar que seja a pessoa certa para retratar a vida dele?

GORDON: Acho que o Jonas confia em mim. E acho que eu sou a melhor pessoa porque eu sei como fazê-lo.

Temos uma narrativa incrível desse camarada. E o que poderia ser melhor do que ouvir uma das vozes mais sedutoras que eu já conheci sem imagens. Ele fala de imagens. O tempo todo. Ele fala da primeira imagem que ele fez na vida, e que na realidade nunca foi feita. E ele segue por sua vida, que é uma vida muito difícil. Ele não tinha para onde ir. Olhe onde nós estamos agora. Existem centenas de milhares de pessoas que não têm para onde ir. É por isso que o filme é potente. Especialmente no escuro. Você ouve uma voz, e essa voz descreve o que é estar no escuro sem nenhum lugar para onde ir. Acho que essa é uma maneira radical de ter as pessoas no cinema, porque elas têm apenas o som e alguma escassa imagem. Aquela voz está contando uma linda história de sobrevivência. Ele não tinha para onde ir, mas ele foi para algum lugar.

“Sentado no escuro”. O que isso significa para você e, em particular, para este projeto?

GORDON: Acho que, quando você tem a escuridão, não significa que você não tenha nenhuma imagem. Acho que a imagem vem apesar da escuridão. Se você se lembrar de quando era criança, estava dormindo e acordava no escuro, você tinha imagens. Porque as imagens eram os seus sonhos e a sua história. Essa é uma das coisas que me fazem sentir muito próximo de Jonas Mekas. Pois a história dele é, de algum modo, próxima a um sonho. Não importa se é um pesadelo ou um sonho bom, isso não faz nenhuma diferença, é apenas a realidade. E, você sabe, o que eu quero provocar aqui, suponho, é que as pessoas em algum momento baixem a cabeça e fechem os olhos no escuro e, então, haverá imagens, que serão perdidas. Eu quero que as pessoas experienciem o fato de que estão sentindo falta de algo. Você sabe o que sente quando acorda no escuro? E, quando você acorda no escuro, o que precisa para se sentir em algum lugar? Som!

Vamos falar sobre o som e seu significado no filme.

GORDON: Para mim, a maneira como o Jonas fala é uma coisa, a maneira como ele soa é outra. É por isso que eu quis trabalhar com Frank Kruse, nosso designer de som. Porque o Frank entende não apenas a voz, ele entende o som. E quanto menos imagens nós temos e mais sons nós temos, podemos cultivar uma narrativa sem imagens. Mostramos o rosto de Jonas Mekas contando uma história no início do filme. Você não vai esquecer isso, mesmo se a imagem for preta. A arquitetura do filme se dá pela narrativa. A arquitetura é a voz. O que se adiciona à arquitetura são as imagens. Temos que pontuar o filme com imagens.

Há alguma outra coisa que vem à sua mente quando você pensa sobre este projeto?

GORDON: Há uns 20 anos atrás, eu fiz um espetáculo na Kunsthalle, em Viena, em que a sentença RESSUSCITAR OS MORTOS estava escrita em letras brancas no muro do museu – essa foi uma peça muito importante. Eu também proclamei que O CINEMA ESTÁ MORTO em uma entrevista, o que de fato provocou muitas pessoas, obviamente. É mais ou menos a mesma coisa… RESSUSCITEM OS MORTOS, O CINEMA ESTÁ MORTO e nós RESSUSCITAMOS O “EU” NA ESCURIDÃO.

Tradução de Stephen Rimmer