A mostra Carta Branca a Adhemar Oliveira está em cartaz no IMS Paulista (6 a 30/11) e no IMS Rio (5 a 29/11) durante o mês de novembro.
A arte de programar filmes consiste na perícia de articular interesses, valores e egos, não necessariamente nessa ordem, de uma audiência real ou fictícia (neste caso, a conquista de novos públicos).
Digo arte, e não ofício, porque o aprendizado se dá em vários lugares e circunstâncias, pressupõe o casamento de gostos, ideias, costumes, crenças, pensamentos, estéticas etc. O artista-programador se coloca como veículo. Ofício seria uma função do algoritmo, e, creio, ainda está para nascer o algoritmo que tenha a transgressão como paradigma.
A necessidade de se entender as práticas passadas que tendem a se repetir é clara, e a estatística consegue um elevado grau de acerto ao apontar tendências. No entanto, se olharmos com cuidado, a vida dos filmes se sustenta em pequenas transgressões que sempre colocam em prova a certeza dos números.
Na curadoria de um evento, temos a maior liberdade para exercitar as loucuras, misturar sentimentos, lembranças e histórias, critérios que não se baseiam em números, e sim em uma leitura de transgressões, e há também a sorte (outro fator não matemático), que também acompanha a vida de um programador. É uma pré-desculpa para uma audiência baixa de uma seleção.
Vivemos no Brasil, país onde se cunhou, em 1968, a frase “seja marginal, seja herói”. Cerca de 21 anos depois, o veredito: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever. O meu dever é voar”. Essa foi a decisão emblemática do personagem de Superoutro, filme que, por ser um média-metragem, quebrou regras de programação ao se sustentar num cinema por várias semanas de sucesso nos anos 1980. A agonia que o país provoca em seus artistas pouco mudara em duas décadas.
Nesta seleção, agrego filmes de formação de minha juventude (Pasqualino Sete Belezas e Boulevard do crime) a programações vitoriosas (Sábado e Encontro com homens notáveis) e de sentidos opostos, passando por um filme (Os palhaços) que levou três décadas para encontrarmos, obsessão minha e de Leon Cakoff quando éramos sócios na distribuidora Mais Filmes.
Por fim, um filme de juventude (Próxima parada: bairro boêmio), em que um sítio urbano se torna protagonista na formação dos personagens. Particularmente, vivi três vezes essa situação (Bixiga, Botafogo, Augusta), no nascimento de três gerações de cinéfilos agregados a salas e ruas icônicas.
Arte ou ofício, transgredindo ou seguindo os números, a programação se torna a melhor aliada para se obter um brevê para pilotar esta vida louca, em que o cinema, ao mesmo tempo que nos faz viajar pelo mundo, nada mais é que um bom motivo de encontro com quem está próximo a nós.
Sobre Adhemar Oliveira
Cineclubista da geração dos anos 1980, sua empresa de exibição, a Espaço de Cinema, totalizou 72 salas em 2008, ficando em sétimo lugar entre os maiores exibidores do país. Exibidor, distribuidor e principalmente um agitador cultural, é um dos grandes responsáveis pela transformação do circuito exibidor de filmes de arte no Rio de Janeiro e em São Paulo nos últimos 20 anos. Em meados dos anos 1980, começou a programar o Cineclube Bexiga, em São Paulo, para pouco depois passar para o Cineclube Macunaíma, no Rio de Janeiro. Em 1985, foi um dos fundadores do Cineclube Estação Botafogo, que formou uma nova geração de cinéfilos, e, em seguida, expandiu-se para outras salas e cidades. Em 1989, participou da criação da então Mostra Banco Nacional de Cinema, que se tornou um dos eventos cinematográficos mais importantes do calendário carioca. Projetos de expansão do Estação levaram Adhemar para São Paulo, onde criou em 1993 o Espaço Unibanco, que transformou um cinema de rua em três salas, com livraria e café. Pouco depois de trazer este mesmo conceito para o Rio, Adhemar desligou-se do Grupo Estação. Dentro do novo conceito de Arteplex, a Espaço de Cinema inaugurou salas nas cidades de Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em janeio de 2009, abriu a primeira sala IMAX no Brasil, localizada no Espaço Unibanco Pompeia, em São Paulo.