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Sob novas luzes

12 de janeiro de 2024

A sala do tradicional Cineclube do Instituto Moreira Salles, em Poços de Caldas, se converterá em uma arrojada sala de cinema. Será um novo capítulo do espaço, aqui de ordem cinematográfica, resultado de resistência, cuja programação será inteiramente pensada de outra maneira, mas com princípios semelhantes. Num momento em que o mundo enfrenta desafios e transformações constantes, a abertura de um cinema na cidade parece ser um ato afirmativo diante da saturação digital e das superficialidades visuais predominantes. Em janeiro, este cinema finalmente abrirá as cortinas para todos os públicos. A expectativa é das melhores.

Quando menciono resistência, falo sobre o interesse em projetar filmes considerados fora do circuito comercial convencional. Também falo do interesse em resgatar clássicos, tal como fazíamos naquela programação especial que carinhosamente chamávamos de sessão nostalgia, pois a arte não tem data de validade, e alguns filmes precisam retornar à cena. Ou também de instantes memoráveis, com debates pós-sessão junto a realizadores, o que certamente apurou o interesse cinematográfico de alguns espectadores locais. Abrir as portas desse cinema é mais do que oferecer um entretenimento, é ofertar um espaço imersivo onde as pessoas podem se desconectar da realidade do dia a dia, ou se conectar às mesmas realidades de maneira mais crítica, experimentar outras possibilidades narrativas e viajar por significativas histórias.

Lembro que o Cineclube colaborou para que pessoas fossem fazer cinema, alguns se dedicando à universidade em cursos de audiovisual e outros meio que no famigerado sistema de guerrilha, filmando seus próprios sonhos e projetando-os neste mesmo espaço. É preciso se orgulhar de tantos anos de exibições e de nunca ter visto a sala sem público, uma vez que o cinema resiste, insiste e persiste, desde quando o escritor e crítico de cinema Chico Lopes apresentava as sessões com entusiasmo, praticamente nos concedendo uma verdadeira aula, até o período da mostra dedicada ao falecido Kirk Douglas, quando a pandemia subitamente interrompeu a programação.

Cinema IMS Poços. Poços de Caldas, MG, 2024. Foto de Gilmar Tavares

Agora um novo cenário se expande, um cinema que celebrará a diversidade e a arte cinematográfica em distintos contextos. Com isso, irá muito além da programação que tínhamos, já que poderemos ter acesso a produções contemporâneas que outrora eram inacessíveis em qualquer janela de projeção local, podendo somente – e infelizmente – serem encontradas em circunstâncias de home video ou, conforme os últimos anos, via streaming. Dentro desta era tão digital, a tela grande, vista por alguns com descrença, não pode ser apenas uma extensão de nossos dispositivos pessoais, mas uma fascinante janela em meio à escuridão, com interesse em explorar diferentes visões, realidades e emoções.

Este espaço é muito importante na vida de tantos espectadores, alguns absolutamente fiéis. Ali, nas antigas poltronas amarelas, o cinema também exercia função de união, pois oportunizou amizades, conversas e cafés. Proporcionou intimidade entre todos quando o próprio público sugeria títulos: “Você consegue passar o novo filme daquela cineasta?”, ou “Quando irá exibir Os brutos também amam?”. Num tempo de distanciamentos, o cinema pode oferecer um local de encontro, onde pessoas de todas as idades e origens compartilham de um mesmo encanto. Passado e presente dialogam curvados ao mesmo interesse: as reproduções da vida projetadas em uma tela dentro de uma significativa lacuna temporal, constituída com paixão.

Marcelo Leme
Assistente cultural