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A casa e a rua

08 de abril de 2022

 

Nanni Moretti está de volta aos cinemas com Tre piani (três andares), um drama pungente que entrelaça a família e a sociedade, a casa e a rua, a década e o milênio. Inspirado em romance do israelense Eshkol Nevo, o filme é ambientado primordialmente num pequeno prédio de apartamentos de classe média em Roma.

São as histórias de um punhado de moradores do edifício que compõem a trama narrativa. Já a primeira sequência, admirável, coloca em cena quase todos eles. No meio da noite, na rua deserta, a grávida Monica (Alba Rohrwacher) espera por um táxi quando um carro passa em alta velocidade, atropelando uma mulher e destruindo a fachada térrea de um dos apartamentos.

O motorista do automóvel, bêbado, é o jovem Andrea (Alessandro Sperduti), filho do juiz Vittorio Bardi (Nanni Moretti). E a casa atingida é do casal Lucio e Sara Polara (Riccardo Scamarcio e Elena Lietti), que ali vivem com a filhinha Francesca (Chiara Abalsamo), de sete anos.

Não cabe aqui apresentar todos os personagens, nem resumir suas trajetórias, mas apenas observar que, em conjunto, elas vão fazer aflorar um conjunto enorme de questões, das relações pais-filhos às falcatruas imobiliárias, da pedofilia (real ou imaginada) à hostilidade aos imigrantes e refugiados, da solidão à loucura.

 

Conflito moral e político

No centro de tudo, a meu ver, está o tema moral e político de como construir a vida em sociedade. O conflito violento entre o filho playboy e o juiz íntegro (não por acaso vivido pelo próprio diretor), que no fundo é o conflito entre o interesse individual e a lei coletiva, reverbera por todo o filme.

Mas não há maniqueísmo, nem papeis definidos de forma rígida e imutável. Ao longo dos dez anos abarcados pela narrativa, há transformações, metamorfoses, remorsos, redenções.

De A família, de Ettore Scola, a O melhor da juventude, de Marco Tullio Giordana, o cinema italiano parece ter uma queda pelos dramas familiares que atravessam gerações. Nanni Moretti de certo modo atualiza a seu modo essa vertente, que tem muito a ver com seu olhar autoral, que sempre combinou o íntimo e o social, o imediato e o histórico. O curioso é que este é seu primeiro filme que não se baseia em uma história original sua.

Tre piani começa com uma morte e um parto quase simultâneos. Ao longo do filme, óbitos e nascimentos se sucederão, criando uma sensação de movimento perpétuo da vida, feito de continuidade e renovação. Nanni Moretti declarou recentemente que, diante do cinema atual, sentia-se um velho. Bendita velhice, quando acompanhada assim de sabedoria e sensibilidade.

 

Melhores do ano

Está em cartaz até 27 de abril a 48ª edição do Festival Sesc Melhores Filmes, que exibe as melhores produções do ano passado, de acordo com a votação do público e da crítica. Este ano, pela primeira vez, o festival será híbrido, com sessões no Cinesesc, em São Paulo, e transmissões pela plataforma de streaming do Sesc, em sua maioria gratuitas.

Os grandes vencedores desta edição foram o brasileiro Marighella, de Wagner Moura (crítica e público), Ataque dos cães, de Jane Campion (crítica), e Não olhe para cima, de Adam Mckay (público). Mas além deles serão exibidas dezenas de produções que marcaram a temporada, além de alguns títulos que foram premiados em anos anteriores, como Profissão: repórter, de Michelangelo Antonioni, e Amor, de Michael Haneke. O festival do Sesc, vale lembrar, existe desde 1974. É o mais antigo de São Paulo.