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Cadernos de

Marc Ferrez

Máquinas e acessórios para Fotografia

Fundo Família Ferrez
Acervo do Arquivo Nacional

 

Este raro catálogo de vendas publicado pela Casa Marc Ferrez é também uma síntese do conhecimento técnico acumulado por seu proprietário, em mais de cinco décadas de atividade fotográfica. O documento elenca alguns dos principais artigos disponíveis no mercado, no início do século XX, analisa tecnicamente máquinas e acessórios, e orienta sobre processos para obtenção dos melhores resultados. Essa transmissão cuidadosa de informações e saberes evidencia que, além de fotógrafo e comerciante, Ferrez teve forte atuação como incentivador da prática fotográfica, entre amadores e profissionais, e da expansão da exibição cinematográfica, que apenas engatinhava no Brasil.

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Marc Ferrez. Machinas e Accessorios para Photographia

Código de Referência do Arquivo Nacional: BR_RJANRIO_FF_MF_1_0_02_7

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Marc Ferrez. Machinas e Accessorios para Photographia

Código de Referência do Arquivo Nacional: BR_RJANRIO_FF_MF_1_0_02_7

As câmeras de Ferrez

Poucas foram as ocasiões em que Ferrez foi fotografado pelas lentes de outros colegas, ao lado de suas câmeras. Contudo, em mais de um documento, o fotógrafo registrou conexões entre o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos e a qualidade artística das imagens. Admirador e usuário das objetivas inglesas Dallmeyer, foi ele próprio desenvolvedor de pelo menos duas câmeras: a giratória Brandon, que lhe permitiu realizar seus famosos panoramas do Rio de Janeiro num único cliché, e outro grande aparelho, composto por duas câmeras, com o qual obteve a estabilidade necessária para fotografar “instantâneos”, desde barcos em movimento.

Aparelho panorâmico Brandon, adaptado por Marc Ferrez. Publicado em catálogo editado pelo fotógrafo para a Exposição da Indústria Nacional. Rio de Janeiro, 1881. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Câmera utilizada por Marc Ferrez. Fotografia na montagem da exposição Rio: primeiras poses - Visões da cidade a partir da chegada da fotografia (1840-1930). Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, 2015. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Marc Ferrez no alto de Santa Teresa, em dois tempos. Foto realizada, possivelmente, com a câmera Brandon. Rio de Janeiro, c. 1878. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Retrato de Marc Ferrez com sua câmera estereoscópica. Suíça, 1915. Foto de Júlio Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Câmera estereoscópica, tripé, disparador e acessórios de Marc Ferrez, produzidos pela empresa Nill Melior. Paris, c. 1915. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

A família Ferrez e a difusão do conhecimento

No mesmo ano da publicação do catálogo Máquinas e acessórios para fotografia, Júlio Ferrez lança O amador fotógrafo: conselhos práticos, obra ilustrada, com 92 páginas, considerada o primeiro manual brasileiro de fotografia. Conforme o autor, tratava-se de uma versão ampliada de um opúsculo, cuja tiragem esgotou-se em menos de seis meses. A nova edição, que revela uma expansão do público interessado em fotografia, beneficiada pela difusão das máquinas portáteis, atendia, também, aos interesses comerciais da família Ferrez: ao apresentar os mais adequados equipamentos e materiais necessários à prática fotográfica, a obra funcionava como uma extensão do catálogo. Isto fica evidente na organização dos assuntos e no compartilhamento de ilustrações pelas duas publicações.

Longe de possuir finalidade meramente comercial, O amador fotógrafo busca suprir a carência por literatura de referência em português sobre fotografia, e reúne, ao mesmo tempo, informações atualizadas dos trabalhos já consagrados de autores como Alphonse Davanne, Desire van Monckhoven, Frédéric Dillaye e Léon Vidal, e conhecimentos técnicos extraídos da longa prática de Marc Ferrez.

À diferença de seu pai, contudo, que poucas linhas escreveu sobre sua fotografia, em meio a passagens estritamente técnicas, Júlio Ferrez introduz reflexões e comenta as qualidades necessárias à produção de fotos de paisagens: “Um mundo totalmente novo aparece aos olhos daquele que aprendeu a distinguir os sutis efeitos da natureza. É preciso um certo preparo para gozar dos benefícios que os artistas possuem. Quem não sabe dirigir a observação olhará sem ver coisa alguma”.

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Eureka - o cinematógrafo desenvolvido por Marc Ferrez no Brasil
Sergio Burgi

 

Escreve Ferrez no catálogo Máquinas e acessórios para fotografia:1

“A reprodução exata de todos os movimentos e cenas animadas que se desenrolam sob nossas vistas, constitui o objeto da cinematografia.

Em poucos anos esta parte da fotografia desenvolveu-se a tal ponto que absorveu vários ramos da mesma arte e hoje em dia, milhares e milhares de pessoas trabalham exclusivamente por ela e dela.

A construção dos cinematógrafos chegou ao mais alto grau de aperfeiçoamento e apresentam-se verdadeiros instrumentos de relojoaria, cujos resultados são espantosos. O manejo é dos mais simples, a segurança a maior e a projeção a mais firme e brilhante possível.

Não há ramo algum de exibição suscetível de dar maiores lucros do que a cinematografia e mediante pequeno emprego de capital, pode-se montar uma empresa para exploração das cidades e centros do interior dos nossos Estados, empresa esta cujo capital será muitas vezes amortecido, se o operador conhecer bem os instrumentos e souber apresentar os aparelhos.

Apenas forneço um modelo de cinematógrafo, que é o que maiores vantagens apresenta para o trabalho geral sob nosso clima, modelo este garantido por espaço de três anos livre de qualquer conserto. É o tipo que chamaremos Eureka e que é constituído por uma lanterna forte munida de condensador e objetiva dupla, adaptada a um crofotoscópio Demeny. As duas peças são adaptadas de tal forma uma à outra que o operador pode substituir instantaneamente a projeção fixa à animada e vice-versa, realizando assim dois gêneros de exibição com um só aparelho.

Este dispositivo é incontestavelmente vantajoso, porquanto permite realizar grande economia de fitas cinematográficas e também deixa à vista dos espectadores descansar de uma projeção animada muito longa.

Explicações detalhadas e modo de emprego são dados e ensinados praticamente ao comprador, assim como fotografias, desenhos e plantas de instalações serão fornecidos sob pedido especial, indicando ao comprador as condições em que vai trabalhar e limite de capital a empregar.

Para facilitar a compra, eis em resumo a lista dos aparelhos necessários para uma instalação para trabalhar em salas até 15 metros de recuo:

Um aparelho Eureka
Um oxigerador e um saturador (material para a luz oxietérica)
Fitas de cinematógrafo sortidas em comprimento mínimo de 300 metros 
Vistas fixas diversas
Material para produção da luz oxietérica, a saber: oxilite, éter e lápis de cal (as quantidades de cada produto ficam à vontade do comprador).

Com esta instalação, fica o operador habilitado a trabalhar em qualquer sala nas dimensões já designadas e a aquisição das fitas faz-se de acordo com o capital que se deseje empregar, notando-se que não se pode principiar com menor quantidade do que a que está indicada acima; esta quantidade apenas dá para um espetáculo e como torna-se necessário variar o programa para atrair o público, compreende-se facilmente que é necessário ter mais fitas para poder sempre mostrar novidades.

Preços:
Um aparelho completo Eureka - 600$000
Fitas com 20, 30, 40 metros, o metro - 2$000
Vistas fixas, dúzia - 18$000
Vistas fixas, coloridas - 24$000

Para o preço do oxigerador, saturador e drogas para a produção de luz, vide a seção competente.

Sob pedido são remetidas com as plantas e desenhos de instalações, as listas de fitas em estoque bem como mensalmente receber-se-á lista das novidades.”

Descrição e imagem do aparelho de luz oxietérica. Máquinas e acessórios para fotografia. Marc Ferrez. Rio de Janeiro: Tipografia L’étoile du sud, 1905, p. 53. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez
Cinematógrafo. Máquinas e acessórios para fotografia. Marc Ferrez. Rio de Janeiro: Tipografia L’étoile du sud, 1905, p. 54. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

No documento datiloscrito original transcrito abaixo, encontrado no arquivo fotográfico de Marc Ferrez, hoje reunido e preservado no Instituto Moreira Salles, são apresentados detalhes do desenvolvimento e construção do cinematógrafo Eureka, produzido no Brasil por Ferrez, assinalando aspectos de sua dupla função, simultaneamente como projetor de imagens fixas em diapositivos (lantern slides) e projetor de imagens em movimento. Através deste documento, pode-se observar que Ferrez optou por conjugar em um único aparelho a capacidade plena, naquele momento, de propiciar uma operação tecnicamente segura e confiável de projeções integradas de imagens fixas e em movimento. Abria com isso, por um lado, a possibilidade de incorporação de um vasto repertório de imagens fixas preexistentes em seu acervo, e também no de terceiros, em programas de entretenimento construídos com base nos novos conteúdos de produções cinematográficas, em franco desenvolvimento e distribuição. Por outro, criava também uma estratégia econômica de redução de custos para montagem por parte dos interessados nesse novo empreendimento, em que o preço dos filmes para estruturação de uma única sessão correspondia ao valor inicial do próprio equipamento, enquanto o custo de aquisição de conjuntos de vistas fixas, em preto e branco ou coloridas, poderia representar de vinte a trinta por cento do preço das fitas de cinema, como apresentado no próprio texto do catálogo transcrito acima.

 

Texto datiloscrito de Marc Ferrez sobre o aparelho de projeção Eureka. s.d. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

 

Fica clara aqui a vasta experiência do artista, empreendedor, homem de negócios, e, principalmente, alguém profundamente ligado à ciência e à técnica no campo da imagem, com ampla compreensão da estrutura territorial de seu país, conhecimento este forjado ao longo de décadas em sua atuação como fotógrafo da Comissão Geológica e Geográfica do Império e da Marinha Imperial e Nacional; paisagista da cidade do Rio de Janeiro, onde realizou impressionante conjunto de imagens com câmera panorâmica de varredura especialmente adaptada por ele para grandes formatos; colaborador e consultor do Observatório Nacional para assuntos associados à fotografia astronômica; fotógrafo das ferrovias e das grandes obras de engenharia urbana, como os novos reservatórios de abastecimento de água da capital do Império e a construção da avenida Central, no Rio de Janeiro, então capital da República.

 

Interior de uma loja de venda de material cinematográfico, possivelmente da firma Marc Ferrez & Filhos, Rio de Janeiro, [anos 1910]. Foto de Júlio Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez.

 

Marc Ferrez em viagem pelo interior do Brasil, c. 1890. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles.

 

No início do novo século, como mostra este catálogo de 1905, ao se dedicar, em associação com seus filhos, Júlio e Luciano, à comercialização de equipamentos fotográficos para os vários mercados, profissional, amador e de serviços técnicos, e voltando-se também, intensamente, para o mercado cinematográfico, como comerciantes, distribuidores, produtores de conteúdo e exibidores, Ferrez e os filhos compreendem plenamente o avassalador processo de expansão e penetração da imagem técnica, produzida por aparato, no campo da cultura, da ciência, da comunicação e do entretenimento.

Expandem, portanto, suas atividades por todas as áreas da fotografia naquele momento: dos serviços técnicos e profissionais à fotografia amadora, inclusive em cores, e seu mercado em crescente expansão; da fotografia tradicional como documentação e ilustração às páginas impressas das revistas e periódicos ilustrados, através do desenvolvimento dos processos fotomecânicos; das imagens fixas em lanternas mágicas à projeção de imagens animadas, com o surgimento do cinematógrafo como novo processo e espaço de entretenimento visual de massa, agora possível, nas grandes cidades, nas requintadas e luxuosas salas de exibição dotadas de energia elétrica, como o próprio Cine Pathé de propriedade dos Ferrez, situado na avenida Central, no Rio de Janeiro, ou nos muitos cinematógrafos Eureka, com iluminação oxietérea própria e autônoma, operados por inúmeros empreendedores itinerantes e viajantes pelo interior do país, a levar a última novidade da imagem por aparato – a imagem animada do cinema, mesmo que ainda mudo – a populações distantes e isoladas.

 

Aparelho panorâmico Brandon, adaptado por Marc Ferrez. Publicado em catálogo editado pelo fotógrafo para a Exposição da Indústria Nacional, 1881. Rio de Janeiro. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles.

 

Este processo confirma e reafirma o caráter itinerante da imagem técnica, surgida poucos anos antes do nascimento de Marc Ferrez em 1843, com o anúncio, na França, do daguerreótipo, em 1839, imagem técnica que menos de sete décadas depois percorreria o mundo novamente, agora numa nova formatação e escala – sensorial, imersiva e de certa forma já virtualizada –, pela própria natureza da projeção cinematográfica, mecânica e precisa, sobreposta, sequencial e em frações de segundo, de imagens capazes de reconstruir os movimentos, imagens animadas somente possíveis naquele momento através do desenvolvimento em vários campos, como explica o próprio Ferrez no catálogo: “A reprodução exata de todos os movimentos e cenas animadas que se desenrolam sob nossas vistas, constitui o objeto da cinematografia. Em poucos anos esta parte da fotografia desenvolveu-se a tal ponto que absorveu vários ramos da mesma arte e hoje em dia, milhares e milhares de pessoas trabalham exclusivamente por ela e dela”.

Um relacionamento comercial específico e conhecido entre Marc Ferrez e um fotógrafo do interior do país, José Severino Soares, que atuou em Uberaba (MG) e Goiás (GO) nas últimas décadas do século XIX e início do XX, revela também que a construção de conteúdos e repertórios de imagens fixas para exibição integrada em sessões públicas de cinema explica possivelmente a presença de fotografias de autoria de José Severino Soares no arquivo de Ferrez, como são as imagens dos indígenas de Goiás, datadas da década de 1890, que chegaram a ser atribuídas a Ferrez. Hoje sabemos que Severino foi cliente de Ferrez, tendo adquirido cinematógrafo, filmes e talvez vistas do renomado fotógrafo para exibições públicas na região de Goiás e do Triângulo Mineiro, e provavelmente também abastecendo Ferrez com suas próprias imagens nesse processo de produção e circulação de conteúdos. Severino manteve estúdio em diversas cidades e foi um empresário do cinema, mantendo um cinematógrafo itinerante naquela região, com equipamentos e filmes adquiridos na Casa Marc Ferrez, no Rio de Janeiro, onde o fotógrafo e seus filhos, a partir de 1907, passam a ser representantes exclusivos da empresa Pathé.

 

Grupo de indígenas do povo Bororo. Mato Grosso, c. 1894. Foto de José Severino Soares. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles.

 

Negativo do grupo de indígenas do povo Bororo, realizado possivelmente por Marc Ferrez sobre fotografia de José Severino Soares. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

 

Indígenas do povo Bororo, possivelmente de autoria de José Severino Soares. Mato Grosso, c. 1894. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

 

Como Severino, diversos fotógrafos e exibidores se abasteceram na Casa Marc Ferrez para poderem estruturar exibições públicas de imagens em movimento e imagens fixas no período de implantação dessa nova forma imersiva de entretenimento, em grande parte através do aparelho desenvolvido por Ferrez para potencializar a penetração desse novo imaginário nos rincões mais distantes do país.

O catálogo Máquinas e acessórios para fotografia, em suas múltiplas seções, é também uma expressão plena da atuação de Marc Ferrez e seus filhos nas diversas áreas de expansão da fotografia naquele momento, em paralelo à crescente atuação no campo do cinema.

A seguir, a transcrição do datiloscrito inédito de Ferrez, que amplia o conteúdo existente no catálogo sobre este inovador equipamento Eureka, uma ponte entre a imagem fixa e a imagem animada naquele contexto. A leitura do documento permite ampliar nossa compreensão sobre como a fotografia e o cinema transformariam os próprios séculos XX e XXI, nos levando, através de múltiplas e intensas transmutações no campo da imagem técnica, entendida aqui nos termos estritamente flusserianos, aos dias de hoje, onde a imagem técnica por aparato, agora essencialmente digital – seja fixa, em movimento, sonora, em cores ou 3D –, permeia e ocupa todas as áreas da informação, comunicação, ciência, cultura e entretenimento.

“O aparelho hoje apresentado sob o título de “Eureka” é o resultado de longos estudos e de muita prática adquirida no manejo diário de muitos tipos de instrumentos.

Este conjunto é um aglomerado de todos os aperfeiçoamentos existentes em aparelhos de vários fabricantes e da aplicação de um dispositivo perfeito a um outro menos cuidado, e da substituição de uma peça simples e robusta a um complicado desenho mecânico, RESULTOU podermos apresentar um conjunto harmonioso, simples, cômodo e forte.

O aparelho EUREKA não tem rival porque é único.

Especialmente estudado para o Brasil tem todas as vantagens possíveis sem cair em nenhum erro ou defeito; além do conjunto e resistência na totalidade, cada peça foi estudada de per si, de forma que em seus mínimos caracteres é inexcedível.

Antes de tudo é preciso declarar que o aparelho EUREKA é um instrumento duplo, permitindo realizar dois gêneros de projeção: vistas animadas e vistas fixas, e portanto apresentando enorme superioridade a qualquer outro. Por meio de um dispositivo especial pode o operador passar instantaneamente de um gênero de projeção a outro e assim ter reunido em um só instrumento o trabalho de dois instrumentos até agora distintos em suas funções.

O “EUREKA” é de cômodo transporte e muito fácil de desmontar para viagens.

O “EUREKA” não tem peças delicadas e de fácil desarranjo e sendo construído de metal muito forte pode ser submetido a longos esforços e constante uso sem ressentir o mínimo cansaço e sem estragar-se. A parte mecânica do Eureka é a aplicação mais perfeita dos movimentos rotativos.

O “EUREKA” compõe-se de:
Lanterna de folha de ferro forte, munida de capacete
Condensador duplo de cristal de 115 milímetros de diâmetro
Caixilho de vaivém para as vistas fixas
Caixa d’água para a guarda de fitas cinematográficas
Cone de cobre e contagem de objetiva a três tiragens
Três objetivas duplas extraluminosas para as vistas fixas
Objetiva rápida para as vistas animadas
Duas grandes rodas metálicas para 200 metros de fita, cada
Um esplêndido CRONOFOTOSCÓPIO Demeny com enrolador automático
Base de vinhático reunindo os órgãos supracitados e com dispositivo especial para a substituição rápida entre os dois gêneros de projeção que o aparelho dá.

Como se vê o “EUREKA” é um instrumento completo, perfeito e que permite ao operador trabalhar em qualquer lugar, porquanto nas vistas fixas traz 3 (três) objetivas, de forma que o operador está apto a obter três tamanhos diversos no pano sem outro auxílio do que a mudança destes sistemas óticos. A parte mecânica, denominada “Cronofotoscópio”, é uma maravilha de mecânica, que sob uma aparência simples dissimula enorme resistência e cujos resultados são os mais perfeitos até agora apresentados. As projeções animadas são firmes. Sem saltos, resistências ou tremores e não cansam a vista do espectador por mais prolongadas que sejam.

Ao cronofotoscópio está ligado o enrolador automático que suprime todo e qualquer perigo de incêndio na fita ou estrago que se possa produzir pelo grande acúmulo de vistas no local em que se trabalha.

Em todo o seu percurso no cronofotoscópio, a fita é tratada com a maior delicadeza e a força de tração do aparelho nunca é exercida com brutalidade; os movimentos rotativos estão a tal ponto bem combinados que a fita progrida, naturalmente, sem fricção e sem perder-se em mecanismos complicados. Resulta deste dispositivo que as fitas sempre conservam a frescura e brilho iniciais e que podem ser exibidas centenas de vezes sem nunca apresentarem riscos, furos, arranhões ou outros estragos que tanto prejudicam a visão.

A lanterna do “EUREKA” é vasta e tem ventilação especial: apresenta duas portas laterais guarnecidas cada qual de espias de vidro colorido, possibilitando pois o operador de examinar em qualquer momento a sua fonte luminosa, seja qual for o lado em que se ache trabalhando.

As objetivas fornecidas são do mais puro cristal e calculadas especialmente para trabalhar a curtas distâncias e assim obter, com pouco recuo, quadros enormes, com o intuito de satisfazer as exigências do público que sempre deseja ver as figuras maiores do que o natural.

Enfim, a totalidade das peças foi estudada com afinco e dará satisfação às pessoas mais exigentes e mais conhecedoras do assunto.

O “EUREKA” pode ser desmontado em 10 minutos e ocupa pequeno espaço, podendo viajar perfeitamente em uma canastra comum de tamanho corrente. Não tem órgãos finos e de resguardo e não apresenta partes salientes que mereçam arranjo prévio no acondicionamento; é um instrumento para profissionais e como tal recomenda-se pelas suas próprias qualidades e não pelo seu exterior severo e simples.

Correspondendo, pois, a todas as exigências e adaptando-se a todos casos, é o “EUREKA” o aparelho ideal e único.

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O aparelho Eureka é fornecido sem – luz – e esta fica à vontade do operador podendo ser escolhida ou a elétrica ou a oxietérica: esta é a única recomendada para quem viaja e aquela para as grandes capitais e grandes empresas que não se deslocam facilmente e que trabalham a largas distâncias.

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MARC FERREZ
Rua S. José Nº 96
Rio de Janeiro”

 

Como pode ser constatado, o datiloscrito sobre o cinematógrafo Eureka é, de fato, em grande parte inédito, visto que o texto sobre este equipamento no catálogo é diferente do que consta no datiloscrito, sendo, na realidade, de certa forma complementares. São ambos importantes, porque, quando lidos em conjunto, denotam a plena compreensão de Ferrez sobre os aspectos fundamentais da experiência cinematográfica: imersividade, escala e qualidade da experiência visual, todos elementos dependentes da qualidade, regularidade e precisão do equipamento de projeção. Ao desenvolver este equipamento no Brasil, associado a uma estratégia de distribuição de conteúdos produzidos dentro e fora do país, Ferrez contribuiu significativamente para a ampliação do território da imagem no país.

Coordenador e curador de Fotografia do Instituto Moreira Salles desde 1999. Mestre (MFA) em Conservação Fotográfica pela School of Photographic Arts and Sciences do Rochester Institute of Technology SPAS/RIT(NY, EUA), foi coordenador do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Fundação Nacional de Arte, no Rio de Janeiro, entre 1984 e 1991.

Nota

1 Ferrez, Marc. Máquinas e acessórios para fotografia, produtos químicos, etc. Casa Marc Ferrez, Tipografia L’Etoile du Sud, Rio de Janeiro, 1905, seção Cinematógrafos, p. 54.

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Este projeto é uma parceria entre o Arquivo Nacional e o Instituto Moreira Salles.