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Cadernos de

Marc Ferrez

[Procedimentos e fórmulas]

Fundo Família Ferrez
Acervo do Arquivo Nacional

 

O caderno Procedimentos e fórmulas reúne diversas referências sobre os materiais e etapas do processo fotográfico e sobre a produção das imagens, do papel utilizado para as cópias à impressão, passando pelo preparo dos negativos e a revelação. Na descrição de alguns desses processos, Ferrez indica os nomes dos seus criadores, caso do “procedimento Pizzighelli”, em referência a Giuseppe Pizzighelli, responsável por aperfeiçoar a impressão em papel revestido de platina, a platinotipia e do revelador a iconogênio de Monckoven, este, autor de um conhecido livro técnico sobre fotografia, destinado a profissionais, publicado em 1858.

Caderno digitalizado

 

Marc Ferrez. [Procedimentos e fórmulas]

Código de Referência do Arquivo Nacional: BR_RJANRIO_FF_MF_1_0_02_1

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Flash de magnésio

Produzir imagens nítidas em interiores com pouca iluminação foi um dos grandes desafios da fotografia em seus primórdios. Experiências para encontrar uma luz artificial que pudesse ser controlada pelo operador de forma segura e rápida, em curso desde a década de 1860, passaram a utilizar o magnésio como principal componente. No entanto, o mineral, aliado ao cloreto de potássio e ao sulfato de antimônio, tornou-se popular como iluminador somente a partir de 1887, com a denominação de poudre éclair, flash powder ou flash de magnésio. Seu uso teve vigência até os anos 1930, sendo substituído pelas lâmpadas portáteis, também de magnésio.

Ferrez não apenas anotou em seu caderno a fórmula do pó iluminador, como foi um dos pioneiros a utilizá-lo no país. É possível que, como primeira experiência, o fotógrafo tenha registrado uma reunião de amigos, em sua residência. Na fotografia-teste encontram-se, não por mero acaso, o artista Belmiro de Almeida (1858-1935), pintor conhecido por sua ousadia em experimentar novas técnicas, e Paul Ferrand (1855-1895), engenheiro e reconhecido pesquisador das novas tecnologias da mineração. Também é provável que as fotografias das minas de Pari e de Passagem tenham sido realizadas pouco tempo depois da foto mencionada, a pedido do próprio Ferrand, cujos estudos sobre os processos de extração dessas minas seriam publicados no livro L’or a Minas Gerais, em 1894.

Poudre éclair. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez
Primeira fotografia com flash de magnésio. Estão presentes na imagem Marie Ferrez, Palmyre e Belmiro de Almeida, Paul Ferrand, sua esposa e Júlio Ferrez. Rio de Janeiro, c. 1888. Foto de Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Mineiros trabalhando na mina de Pari. Santa Bárbara, Minas Gerais, c. 1888. Foto de Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Pari – interior de mina. Santa Bárbara, Minas Gerais, c. 1888. Foto de Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Minas de Passagem. Mariana, Minas Gerais, c.1888. Foto de Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Albuminas estereoscópicas

A relevância do legado de Ferrez não reside somente na qualidade e quantidade de fotografias produzidas ao longo de quase seis décadas. Sua obra também pode ser lida como uma espécie de laboratório dos diversos processos e formatos que a própria fotografia experimentou entre fins dos anos 1860 e o início da década de 1920. Imagens impressas em papel sensibilizado com uma solução de clara de ovo com nitrato de prata, popularmente chamadas de albumina, formam boa parte das tiragens originais realizadas pelo fotógrafo até meados dos anos 1880. Tais fotografias estão presentes em álbuns, cartes de visite, cartes cabinet e em cartões estereoscópicos, como os raros registros que Ferrez realizou da fazenda Santa Mônica e da recém-construída Igreja Nossa Senhora do Patrocínio, em Valença.

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Processos fotomecânicos

Para o processo de formação de Marc Ferrez como fotógrafo foi fundamental a rede de contatos que ele estabeleceu com pintores, cientistas, editores, livreiros, engenheiros, além de outros fotógrafos. Uma vida profissional pautada pela curiosidade, interesse pelo universo da fotografia num sentido amplo e constante aperfeiçoamento, atributos que se dão a ver tanto nos aspectos estéticos da sua produção – como no repertório visual exibido, especialmente, nas vistas do Rio de Janeiro – quanto nos aspectos técnicos, que incluem a aprendizagem sobre os processos mecânicos e fotomecânicos que possibilitavam a durabilidade e a reprodutibilidade das fotografias. 

A atuação de Ferrez como fotógrafo comissionado em obras públicas e ferrovias, e em expedições científicas, como a promovida pela Comissão Geológica do Império, entre 1875-1877, evidencia a qualidade e a precisão com que produzia seus registros, aspectos presentes, também, na ampliação e reprodução de fotografias, mapas e plantas. Pesquisa, domínio das técnicas e processos, uso de equipamentos e instalações adequados caracterizam seu trabalho com as reproduções fotomecânicas. Exemplar é o uso da heliografia que Ferrez emprega para a reprodução de plantas de engenharia e permite uma acurada ampliação das imagens. Em seu estabelecimento ele também oferece reproduções rápidas de plantas utilizando o ferro prussiano, técnica que aprimorou em uma viagem a Paris, em 1885. 

Chemin de Fer de Paranaguá a Curitiba. Compagnie Générale de Chemins de Fer Brésiliens. Planta reproduzida por Marc Ferrez, c. 1884. Arquivo Nacional, Fundo Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas

Em 1891, Ferrez realiza reproduções em fototipia das ilustrações para o livro didático Quadros de história pátria, editado pela Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária da Capital Federal, mesmo ano em que ele estabeleceu uma sociedade com o editor H. Lombaerts. Apesar da associação não ter prosperado – durou muito pouco tempo –, seu objetivo, a “exploração comercial e industrial da livraria, papelaria, agência de jornais, tipografia, litografia, encadernação e publicação do periódico A estação [...]”, evidencia o interesse em ampliar suas atividades profissionais, atuando mais diretamente na reprodução técnica das imagens. (Contrato de Sociedade Comercial em Comandita de Lombaerts, Marc Ferrez & Cia. Arquivo Nacional, Fundo Junta Comercial do Rio de Janeiro – Firma Lombaerts, Marc Ferrez e Cia., 1891).

A difusão das fotografias de Marc Ferrez ganha outra dimensão e novos públicos graças ao uso da fototipia, processo utilizado por ele para lançar uma série de cartões-postais em 1900: trata-se de 350 registros, em sua maioria de vistas do Rio de Janeiro, além de retratos. Em 1906, o fotógrafo inicia a produção do Álbum da avenida Central que documenta os prédios construídos no local e os projetos das fachadas. As pranchas com os desenhos são impressas em zincografia e os prédios fotografados em colotipia. O trabalho é lançado em 1907. No ano seguinte, Ferrez produz uma nova série de cartões-postais, dessa vez, dedicada à Exposição Nacional, realizada na Urca. 

Mas, dentre todos os meios de divulgação da obra de Ferrez, um dos mais populares se relaciona ao uso de suas vistas e panoramas nas cédulas emitidas pelo Tesouro Nacional nas décadas de 1890 e 1900. As paisagens do Rio de Janeiro, impressas em litografia e calcografia, circulando nacionalmente, ao mesmo tempo em que conformavam uma imagem do país que se amalgamava com a do Rio de Janeiro, revelavam que Marc Ferrez era seu cronista visual por excelência.

Cartão-postal da ponte do Silvestre. Rio de Janeiro, c. 1904. Foto de Marc Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles
Aqueduto de Santa Teresa. Rio de Janeiro, c. 1896. Foto: Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Prédios n. 145, 147, 149, 151 e 153 na avenida Central. Zincografia pertencente ao Álbum avenida Central. Rio de Janeiro, c. 1903. Marc Ferrez. Zincografia: E. Bevilácqua. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles
Prédios n. 145, 147, 149, 151 e 153 na avenida Central. Colotipia pertencente ao Álbum avenida Central. Rio de Janeiro, c. 1903. Foto de Marc Ferrez. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles

Química e experimentação no laboratório fotográfico de Marc Ferrez
Millard Schisler

 

A fotografia tem uma rica história durante o seu desenvolvimento no século XIX. Marc Ferrez participou ativamente das mudanças e evoluções das técnicas fotográficas e dos equipamentos que acompanharam estas evoluções.

Podemos usar como ponto de partida de análise o seu caderno técnico de procedimentos e fórmulas para situar Marc Ferrez dentro desta linha do tempo e deste universo. Nele, encontraremos pistas que o colocam lado a lado com outras personalidades e descobertas da fotografia.

Marc Ferrez, como muitos fotógrafos desse período, tornou-se em parte cientista ao dominar uma desconcertante variedade de novos processos químicos, com suas variáveis de combinações, e processos óticos e mecânicos no aprendizado e manuseio de novos materiais e equipamentos que, ano a ano, transformavam-se rapidamente. Ao se consolidar como um jovem fotógrafo, manteve esse espírito de pesquisador, que veremos ao analisar partes deste caderno de fórmulas.

É importante contextualizar o período em que este caderno técnico se insere, em torno de 1896. Alguns anos antes, em 1888, a marca Kodak fora registrada em Rochester, Nova York.1 Nesse mesmo ano foi anunciada a segunda câmera da Kodak que gerou mais uma revolução na fotografia, o modelo Kodak n. 1.2 A câmera, com custo de 25 dólares, equivalente ao salário de um mês de um operário, dificultou a sua popularização.

Em um ótimo texto3 intitulado Kodak and the rise of amateur photography, de 2004, Mia Fineman, curadora do Museu Metropolitan, afirma que:

De longe, o evento mais significativo na história da fotografia amadora foi a introdução da câmera Kodak n. 1 em 1888. Inventada e comercializada por George Eastman (1854-1932), um ex-funcionário de banco de Rochester, Nova York, a Kodak era uma câmera de caixa simples que veio carregada com um rolo de filme de 100 exposições [...]. Ao simplificar o aparato e até mesmo processar o filme para o consumidor, ele tornou a fotografia acessível a milhões de amadores casuais sem treinamento profissional específico, conhecimento técnico ou credenciais estéticas. Para destacar a facilidade do sistema Kodak, Eastman lançou uma campanha publicitária com mulheres e crianças operando a câmera e cunhou o slogan memorável: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”.

 

Anúncio da câmera Kodak n. 1, 1889. Domínio público

 

A qualidade de captura de uma imagem redonda gerada pela lente simples de foco fixo, e a abertura e velocidade também fixas, com diâmetro da imagem final de 6,35 cm e perda de qualidade nas bordas, seriam suficientes para os amadores da época, mas muito limitadas para os fotógrafos, como Marc Ferrez, que trabalhavam com equipamentos com objetivas mais complexas e com muitos elementos e negativos de vidro de tamanhos grandes, gerando cópias fotográficas por contato nesses tamanhos maiores, com muito mais detalhes e resolução na imagem.

Para Richard Benson, autor de The printed picture:

Se pensarmos no desenvolvimento da fotografia como algum tipo de processo evolutivo tomando a forma de uma árvore ramificada, então poderíamos dizer que a árvore se dividiu e cresceu um segundo tronco, com o desenvolvimento das câmeras amadoras de George Eastman [...].

[...]. Tudo o que o usuário precisava fazer era apontar a câmera, clicar no obturador e usar o correio – todas as tarefas técnicas foram assumidas pela empresa de Eastman. Essas câmeras extremamente básicas usavam uma lente de elemento único e um obturador de velocidade única.4

Esse movimento de retirar as tarefas técnicas do produtor de imagens é a relação principal que a maioria das pessoas passa a ter com a fotografia. Em 1900, a Kodak lança a primeira câmera Brownie, agora sim a um preço acessível, de um dólar (equivalente a U$ 33,47 em 2022), com o mesmo conceito da empresa de cuidar de todos os processos. É só apertar o botão. A câmera Brownie teve o impacto de popularizar a fotografia, pelo seu baixo custo, que o modelo n. 1 de 1888 não teve.

Décadas depois, o aparecimento das diferentes versões da Polaroid também aponta para a simplicidade e instantaneidade de se fazer uma fotografia, mesmo com um complexo sistema de manufatura dos materiais utilizados. Assim como o surgimento, no final do século XX e início do XXI, de câmeras digitais e celulares que tornam ainda mais instantâneo o processo de produção de imagens, seguindo este segundo tronco onde o usuário só precisa apontar e apertar o botão.

É interessante pensar no celular como a câmera Brownie do século XXI, abrindo possibilidades ainda maiores para que quase todos os grupos sociais possam produzir imagens.

Marc Ferrez representava o tronco tradicional de quem manipulava todas as etapas da construção da imagem, antes, durante e depois. O oposto a esse movimento do final do século XIX. Muitos fotógrafos se aprofundavam ainda mais nas técnicas e processos como forma de distanciamento desse universo da fotografia instantânea (click, snapshot). O trabalho realizado por ele e este caderno, Procedimentos e fórmulas, são legados de um pesquisador das técnicas fotográficas que produziu as suas próprias chapas com o processo de colódio úmido, no qual tudo precisava ser preparado na hora. Um revestimento de colódio era aplicado ao vidro, e antes de seco era sensibilizado em nitrato de prata, e logo exposto e revelado. Para as fotografias externas, era necessário um laboratório ambulante à prova da luz do dia para esse processamento. Ferrez também produziu e revelou seus próprios papéis de albumina e prata, e empregou outras técnicas para fazer suas fotografias.

Depois do incêndio em 1873, que destruiu sua residência e estabelecimento comercial, ele seguiu para a França para comprar novos materiais e equipamentos. Nessa época, Marc Ferrez teve contato com as placas secas de vidro, desenvolvidas por Richard Maddox, em 1871. As placas com gelatina e prata eram chamadas de placas secas (dryplate negatives), porque poderiam ser transportadas, carregadas, expostas e reveladas depois, eliminando o laboratório portátil para fotografias fora do estúdio, necessário na era do colódio úmido. Essas chapas também eram muito mais sensíveis à luz, facilitando o processo fotográfico.

Este caderno técnico é muito rico em anotações, mas nos ateremos aqui apenas a alguns comentários e fórmulas.

 

Culinária, farmácia e fotografia

No início do caderno, temos uma referência sobre o emprego do creme de tartre soluble. O creme de tártaro aparece sedimentado no fundo dos tonéis de vinho e tem um uso crescente na culinária francesa no século XIX. É interessante ver a sua utilização também em fórmulas de fotografia, até porque o trabalho de preparo das soluções fotográficas segue o espírito investigador de soluções ácidas e alcalinas misturadas com diversos produtos químicos provindos da culinária no processo de desenvolvimento e criação. Há ainda uma relação importante do crescimento da fotografia e do acesso a esses produtos químicos, utilizados tanto como remédios, quanto na culinária e na fotografia, com a evolução da química moderna e o crescimento dos boticários (apothicaire) e farmácias.

 

Creme de tartre soluble. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Laboratório de boticário. S.d. Autoria não identificada. Wellcome Collection. Attribution 4.0 International (CC BY 4.0)

 

As boticas, precursoras das farmácias modernas e do processo de industrialização de produtos químicos, seriam as provedoras desses elementos. São lugares de poções químicas que têm suas origens na alquimia e evoluem com o avanço e a ciência da química moderna. Veremos mais adiante que muitos dos pesquisadores mencionados por Ferrez eram químicos de formação com grande interesse na fotografia, um caminho inverso ao de Marc, que tinha formação como fotógrafo com um grande interesse na química para atingir os resultados desejados.

Um exemplo dessa interessante relação de uso cotidiano dos elementos químicos é uma receita para doenças hepáticas (maladie de foie), anotada por Ferrez, na página 8, com iodo de potássio e xarope de menta em solução aquosa. Mais um exemplo de como as fórmulas farão parte de receitas para culinária, ciências da cura, e também para as ciências de produção de imagens.

Entre as fórmulas para a fotografia, na página 20 temos mais uma receita que se destaca, agora para plantas.

 

Processos de revelação

São muitos os relatos das viagens de Marc Ferrez fotografando pelo Brasil. Etapa importante do processo seria a revelação das chapas de vidro durante a viagem para certificar-se da qualidade do trabalho realizado. Na página 3 do caderno, encontramos uma fórmula em pó, em duas soluções, que seria preparada somente na hora da revelação, possibilitando preservar e transportar os químicos e fazer as revelações durante as viagens.

Marc Ferrez tem diversas fórmulas com seu nome que foram modificadas por ele. O Revelador Ferrez, anotado na página 17, utiliza um produto químico chamado de Eikonogen (nome em alemão). Esta solução em francês é o iconogène e em português, iconogênio. São sais de sódio utilizados para revelar a imagem; do grego eikón, imagem, e génos, geração. O período também é caracterizado por produtos mais processados e prontos, com marcas registradas, como o agente revelador, visto também na fórmula da página 13.

Outro exemplo de produto comercial com marca registrada é o agente revelador Ortol, que consistia em uma mistura de dois agentes reveladores conhecidos, 0-aminophenol e hidroquinona.

Observamos que Marc Ferrez também revelava papel de gelatina com uma solução à base do agente revelador Amidol, muito conhecido por produzir pretos intensos. Esta fórmula é indicadora da revelação de papéis de gelatina de prata produzidos com brometo de prata, com o processo de revelação intitulado DOP (developing out papers).

 

Révélateur Ferrez. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Développateur Ortol. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Intensificadores e redutores

Outro dado interessante é o uso de intensificadores (reforçadores) e redutores. Essas soluções permitem interagir nos negativos, após revelados, para intensificar ou reduzir densidades de prata a fim de se atingir um melhor equilíbrio dos tons e da informação de altas e baixas luzes.

Há uma fórmula de redução de negativos que pode ser aplicada no negativo inteiro ou localmente em áreas onde é desejada a redução da densidade. A solução B, na página 60, de fixador (hipo, ou hiposulfito de sódio), garante a remoção da prata.

Nessa mesma página, existe ainda uma fórmula de reforço ou intensificação da imagem de prata com uso do metol, um agente revelador. É interessante notar que essa fórmula indica ser proveniente de Josef Maria Eder, um químico austríaco que escreveu em torno de 650 publicações sobre fotografia. Eder foi um nome muito importante para todos os fotógrafos, e neste caderno encontram-se pelo menos mais duas citações a ele, um sinal de que Ferrez conhecia mais de perto seus trabalhos.

 

Diminution de negatives. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Revelateur pour exposition três rapide, Bulletin aout 1898 – Eder. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Outra fórmula de Eder fala de um revelador para exposições muito rápidas. Parece sugerir ser de um boletim de agosto de 1898, publicado pelo austríaco. É a única fórmula com grau de precisão de décimos de grama para quase todos os componentes químicos.

 

Diferentes processos para o papel

A partir de 1890, os papéis de gelatina e prata passaram a ter uma camada de sulfato de bário aplicada entre o papel e a camada superior de gelatina, contendo a substância formadora da imagem, o brometo de prata. Esse processo melhorava a qualidade de imagem pela alvura do fundo, dada pelo sulfato de bário, e eliminação da visualização das fibras do papel embaixo da camada de gelatina. A fórmula de preparação de papel baritado (Baryta), na página 73 do caderno, indica que provavelmente o fotógrafo esteve envolvido com o processo de produção desses papéis.

Com o desejo de atender aos processos de reprodução de desenhos autográficos e industriais, Marc Ferrez esteve na França para aprender e trazer ao seu estúdio o processo de ferroprussiato, conhecido depois como cianótipo ou blueprint, pela típica coloração ciano-azulada profunda que era gerada. Observar esta fórmula nos parece indicar que ele chegou a produzir o papel para seu uso.

Há outras referências que apontam o conhecimento de Marc Ferrez sobre importantes nomes da química e da fotografia do final do século XIX. O químico e físico belga e entusiasta da fotografia Désiré Van Monckhoven5 é mencionado neste caderno, assim como os trabalhos sobre o processo de platinotipia realizados por Willis6 e Pizzighelli,7 como vemos em duas fórmulas, entre outras referências ao uso da platina.

 

Preparation du papier Baryta. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Receita de Willis, para três folhas, e logo abaixo a Recette Ferrez, para quatro folhas, para obter soluções para sensibilizar papéis com platina. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Temos também uma relação muito interessante de coisas para serem obtidas (Avoir). Só para citar alguns itens, Ferrez lista os papéis do sistema Pizzighelli, na Bélgica, e Willis, nas páginas 10 e 11. Igualmente mencionados para obter são os papéis de ferroprussiato, já preparados. E, por fim, papéis da empresa Aristotype. Esses papéis eram revestidos com sulfato de bário, com camada de gelatina e sais de cloreto de prata, e eram como papéis de albumina. A exposição à luz (luz azul e radiação ultravioleta) começa a produzir imagens com densidade durante esse processo de impressão. Por isso são conhecidos como papéis POP (printing out paper), onde a imagem é formada durante a exposição, como nos papéis de albumina e prata.

Marc Ferrez produziu imagens com sais de platina, processo conhecido como platinotipia. Ele pode ter usado os papéis de Willis ou Pizzighelli com as fórmulas neste caderno de revelação de platinas. Dois exemplos são o retrato da princesa Isabel ao piano, com a baronesa de Muritiba, da coleção dom João de Orleans e Bragança, no IMS, e a fotografia e impressão em platina da Rosa de Ouro, enviada pelo papa Leão XIII à princesa Isabel, pertencente ao Arquivo Nacional.

 

Princesa Isabel toca piano em companhia da baronesa de Muritiba. Rio de Janeiro, 1886. Platinotipia. Foto de Marc Ferrez. Coleção Dom João de Orleans e Bragança/Acervo Instituto Moreira Salles

 

Rosa de ouro enviada pelo papa Leão XIII à princesa Isabel. Rio de Janeiro, 1888. Platinotipia. Foto de Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Fotografias Avulsas

 

Viragens

Uma das importantes perguntas que podem ser feitas ao se observar alguns conjuntos de Marc Ferrez no acervo do Instituto Moreira Salles8 busca compreender porque há uma grande diferença de qualidade de imagem entre eles. As imagens da primeira série, datadas em torno de 1880, estão amareladas e esmaecidas. As fotografias da segunda série, datadas de 1885-1887, possuem uma coloração marrom arroxeada escura.

 

Capela Imperial, no Largo do Paço (atual Praça XV). Rio de Janeiro, c. 1880. Albumina. Pertencente ao Álbum Rio de Janeiro. Foto de Marc Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles

 

Cascatinha da Tijuca. Rio de Janeiro, c. 1885. Albumina. Pertencente ao Álbum [Navio Lancastre]. Foto de Marc Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles

 

Praça XV de Novembro. Rio de Janeiro, c. 1897. Albumina. Pertencente ao Álbum [Navio Lancastre]. Foto de Marc Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles

 

Não conhecemos o histórico de cada imagem, mas sabemos, pela história da fotografia e das impressões em papéis de albúmen e prata, que, no início, as imagens não tinham estabilidade e rapidamente esmaeciam. Experiências vindas do daguerreótipo de usar ouro como forma de estabilizar a imagem trouxeram o uso do sel d’or (sal de ouro), como método de fixagem e viragem, em uma solução de cloreto de ouro e tiossulfato de sódio (hipo/fixador), na tentativa de estabilizar e também preservar a imagem. Era um processo difícil de controlar e de conciliar a etapa de fixagem e, ao mesmo tempo, a da viragem em ouro. Em muitos casos havia um grande resíduo de súlfur que acelerava o esmaecimento da imagem.

Na página 22 do caderno, há uma fórmula de viragem e fixador na mesma solução, mas neste caso utilizando o hipossulfito (nome popular do tiossulfato de sódio, e por isso apelidado de hipo) com uma mistura de cloroplatinique (cloreto de platina), que era muitas vezes usado no lugar do ouro. Isto poderia indicar que, no início, Marc Ferrez utilizava processos de viragem para os papéis de albumina no processo de uma solução única de viragem e fixador. Se esse era o caso, poderia explicar os resultados de esmaecimento que vemos no primeiro conjunto de imagens.

Muitos experimentos foram feitos para se conseguir a cor desejada nos papéis de albumina e prata em conjunção com a durabilidade da imagem. Em torno de 1855, James Waterhouse propôs a viragem alcalina em ouro, separada do fixador. Uma solução de cloreto de ouro com uma alcalina, para cores marrons ricas e arroxeadas em papéis de albúmen. Antes do final da década de 1880, novas técnicas se consolidavam em banhos separados de fixagem com viragem alcalina em ouro. Uma ótima referência para este assunto está no estudo de James Reilly, em seu livro The albumen & salted paper book, de 1980.9

Os processos de platinotipia e os papéis de carbono se apresentavam como formas de produção de imagens permanentes, na tentativa de se produzir imagens estáveis. Os papéis de albumina sofriam do mal da impermanência. Talvez o interesse de Ferrez em processos de platina se voltasse à busca por imagens mais permanentes.

Retomando o caderno, vemos alterações nos procedimentos de Ferrez em relação aos processos de viragem para papéis de albumina e prata. Na página 40, há uma solução de viragem com ouro para papéis de albúmen. O uso de bicarbonato de sódio, que é alcalino em soluções de água, com pH em torno de 8.6, serve para uma solução de viragem alcalina em ouro, gerando marrons ricos e arroxeados, mais parecidos com o segundo conjunto de imagens que mencionamos. O texto já diz: “Viragem para tons pretos para papel albumina”.

Na página 5, consta também uma importante referência para uma viragem de bórax (tetraborato de sódio), com ouro. Novamente, o bórax torna a solução alcalina, com pH em torno de 8. Portanto, uma viragem alcalina em ouro para papéis de albumina e prata, utilizada de forma separada do fixador.

E, por fim, na página 26 temos uma fórmula de viragem com platina e ouro. A fórmula mostra uma viragem alcalina em ouro com uso de bórax, e um texto ao lado que parece nos dizer, em tradução livre, que “quando eles apresentarem um tom castanho, lavar as provas e veja-os irem para preto arroxeado dentro do banho”, e em seguida é apresentado um outro banho de cloreto de platina em solução ácida (ácido cítrico). Essa fórmula parece indicar um processo em dois banhos para viragem.

 

Virage p tons noir p papier albuminé. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Virage au platine et à l’or. [Procedimentos e fórmulas], c. 1898. Marc Ferrez. Arquivo Nacional, Fundo Família Ferrez

 

Poderíamos investigar melhor o segundo conjunto de imagens do acervo do Instituto Moreira Salles apresentado aqui com a produção da coloração marrom arroxeado escuro, e que apresenta uma ótima estabilidade na imagem. Hoje com técnicas mais especializadas como XRF (fluorescência de raios-x), é possível analisar, de forma não destrutiva e sem contato com a imagem original, a presença de metais como ouro, platina e prata em originais fotográficos. Outra técnica que permite detectar a presença de compostos orgânicos, FTIR (espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier), poderá ajudar nessas pesquisas.

Seria muito interessante aprofundar as hipóteses levantadas neste trabalho sobre as experiências de viragem em papéis de albumina e prata realizadas por Marc Ferrez, partindo do seu caderno e analisando as imagens que aqui apresentamos.

Este caderno técnico traz muitas pistas, algumas exploradas neste texto, de que Marc Ferrez foi um usuário conectado com o mundo da fotografia de sua época, muito envolvido nas pesquisas, tentativas e erros, e na busca pela precisão de resultados nos processos que minuciosa e insistentemente buscava controlar.

Fotógrafo, educador e pesquisador. Tem mestrado em artes visuais pelo Visual Studies Workshop em Rochester, Nova York. Foi professor da Focus Escola de Fotografia, do Programa de Preservação Fotográfica da George Eastman House e da Escola de Fotografia e Gráfica do Rochester Institute of Technology. Hoje atua como Gestor de Acervo do Instituto Moreira Salles e leciona como professor adjunto no mestrado online de museologia da Johns Hopkins University.

Notas

1 KODAK. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Kodak. Acesso em: fev. 2022.

2 KODAK n. 1. Disponível em: http://camera-wiki.org/wiki/Kodak_No._1. Acesso em: fev. 2022.
Esta câmera não foi desenvolvida pessoalmente por George Eastman, nem foi a primeira câmera de filme em rolo, bem como Eastman não foi o primeiro a patentear o filme em rolo. Uma batalha legal com a patente anterior do reverendo Hannibal Goodwin durou até 1898, ano em que Eastman perdeu. De qualquer maneira, Eastman usufruiu do posicionamento da Kodak como líder no mercado.

3 FINEMAN, Mia. Kodak and the rise of amateur photography. Disponível em: https://www.metmuseum.org/toah/hd/kodk/hd_kodk.htm#:~:text=By%20far%20the%20most%20significant,100%2Dexposure%20roll%20of%20film. Acesso em: fev. 2022.

4 Disponível em: https://printedpicture.artgallery.yale.edu/.

5 Página 14, Développateur a l’Iconogène de Van Monckhoven.

6 William Willis, inventor do processo da platinotipia, baseado no conhecimento prévio de John Herschel sobre a sensibilidade à luz dos sais de platina. Willis fundou a Platinotype Company para vender licenças e papéis já sensibilizados para os fotógrafos.

7 Pizzighelli é mais mencionado, porém Giuseppe Pizzighelli e o barão Author von Hubl desenvolveram e patentearam ao mesmo tempo um processo para a produção de platinotipias. Suas descobertas, em 1882, tornaram o processo mais acessível ao público em geral.

8 Disponível em: https://acervos.ims.com.br/portals/#/search/marc%20ferrez.

9 Na página 75, capítulo 8, na seção sobre viragem (Toning), há um importante estudo sobre a viragem em papéis de albúmen. A versão em PDF está disponível em: https://cool.culturalheritage.org/albumen/library/monographs/reilly/albumen-reilly_delivery.pdf.

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Este projeto é uma parceria entre o Arquivo Nacional e o Instituto Moreira Salles.