Durante a Segunda Guerra, o encontro entre Mignon Duprée (Lonette McKee), uma assistente de produção em Hollywood, e Esther Jeeter (Rosanne Katon), cantora negra contratada para dublar atrizes brancas em cenas musicais, torna-se um ensaio com sabores satíricos sobre a indústria cultural, no que se revela um raro debate fílmico sobre colorismo. As duas personagens são como espelhos turvos uma da outra, talvez duros de encarar pelo que deixam entrever, mas preciosos ao reconhecimento – o que temos em comum? O que nos diferencia? As duas mulheres terminam por desenvolver uma espécie de cumplicidade, sempre desconcertante, já que Mignon, de pele clara, passa por branca diante de seus colegas de trabalho, em vias de ter sua identidade descoberta, quiçá afirmada.
Este, que é o trabalho de conclusão de mestrado de Julie Dash – só restaurado em 2014 –, é um caso muito incomum de filme no conjunto da L.A. Rebellion, em que a maioria dos atores é de brancos (uma série de trabalhos não têm sequer um corpo branco em cena), ao mesmo tempo que é também exemplar raro de narrativa filiada às formas mais clássicas do cinema estadunidense. Há, nesse sentido, uma espécie de infiltração necessária nas estratégias do olhar hegemônico, vistas por uma diretora negra que resolveu filmar segundo a gramática do establishment branco macho. Mignon, que termina por viver numa espécie de interseção entre dois horizontes de experiência social, é também um laboratório imprevisto para a representação (pública e fílmica) do racismo e, diante de Esther, algo em seu drama próprio talvez entre em ruína ou se transforme, restando entender ainda como vai afetar a sociedade instituída ao redor, que dela demanda e a ela convoca.
A propósito, a voz usada na dublagem da atriz branca é a de Ella Fitzgerald, nas canções “The Starlit Hour” e “Sing Me a Swing Song, and Let me Dance”.
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