Aos 81 anos, cerca de 60 deles dedicados ao cinema, Jorge Bodanzky ocupa um lugar importante na produção de imagens do e sobre o Brasil. Em 2024, o IMS Paulista dedica especial atenção à obra de Bodanzky como cineasta, fotógrafo e repórter na mostra de filmes As câmeras de Bodanzky, em cartaz no Cinema do IMS de abril a novembro, e na exposição, já encerrada, Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985.
Ao longo desse período, Bodanzky assinou a fotografia de trabalhos de importantes diretores, produziu uma série de imagens sobre a Amazônia e a América Latina, diversas delas em parceria com a televisão alemã, além de filmes paradigmáticos no cinema brasileiro, como Iracema, uma transa amazônica (1975) e Terceiro milênio (1980). Trabalhou nos mais diversos formatos, dos analógicos 8 mm, 16 mm e 35 mm aos digitais, em câmera profissional e celular, e segue legando trabalhos, como o recente longa-metragem Amazônia, a nova Minamata? (2022).
O Cinema do IMS exibe essa obra junto a curtas-metragens comissionados especialmente para esta ocasião. Trata-se de filmes inéditos realizados a partir do arquivo de filmes Super-8 de Bodanzky, um precioso material que perpassa temas como a política, o meio ambiente e a vida doméstica. Parte da Coleção Jorge Bodanzky, preservada pelo IMS, esse material chega às telas em curtas-metragens dirigidos pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Os filmes serão exibidos em cópias analógicas e digitais, em materiais de acervo e novas digitalizações, coordenadas por Débora Butruce. A mostra conta ainda com a estreia mundial das restaurações de Iracema e Terceiro milênio, realizadas a partir de um projeto com direção artística de Jorge Bodanzky e coordenação de Alice de Andrade.
Blog do cinema:
As câmeras de Bodanzky - Por Kleber Mendonça Filho ►
A fome pelas coisas – algumas notas sobre Jorge Bodanzky e seus arquivos - Por Ewerton Belico ►
Cadernos de notas: Jorge Bodanzky em Super-8 - Por Jorge Bodanzky ►
Nova vida para Iracema - Por Alice de Andrade ►
Decifra-me, homem do terceiro milênio, ou te devoro - Por Lúcia Monteiro ►
Filme
Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil, Alemanha | 1981, 90’, DCP, restauração 4K, estreia mundial (Jorge Bodanzky e Alice de Andrade) | Classificação indicativa: livre
Um senador, Evandro Carreira, eleito pela oposição, é o fio condutor, o narrador e o protagonista desta viagem. Partindo de Manaus, seu percurso cobre uma vasta região eleitoral ao longo do rio Solimões, na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia. Jorge Bodanzky já havia colaborado com Evandro Carreira na realização de Jari. Após uma série de projetos pessoais que não foram para a frente ou foram assumidos por outros cineastas, Bodanzky retomaria o trabalho com Carreira naquele que se tornaria um de seus mais icônicos trabalhos.
“Em 1980, Evandro Carreira lançou sua candidatura ao governo do Amazonas e anunciou que faria uma viagem eleitoral pelo Rio Solimões em companhia de José Lutzenberger. Wolf e eu vimos logo que ali havia um filme esperando por nós. (...) Eram mundos opostos e complementares: o empírico, alucinado e visionário do político; e o cartesiano do cientista”, conta Bodanzky em entrevista à biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplauso. “Com base na expectativa desse diálogo singular, conseguimos vender o projeto ao canal alemão ZDF. Deram-nos a verba mais baixa, de risco total, para o programa Kamera-Film, rubrica do experimentalismo.”
“(...) Ciceroneados pelo Evandro, fomos apresentados aos bordéis e à verdadeira comida manauaras. Dali partimos de avião até Tabatinga, ponto de partida da viagem e do documentário Terceiro milênio. (...) Cedo percebemos que íamos perder um dos personagens da nossa história. Era flagrante a incompreensão de Lutzenberger para com a dinâmica da Amazônia, que visitava pela primeira vez. (...) Concentramos, então, nossas atenções no senador, que se superava a cada etapa da viagem.”
“Nossa estratégia era de observação e surpresa. Estávamos sempre prontos para acionar o equipamento. Ao contrário de Iracema, onde tínhamos um roteiro e sabíamos onde queríamos chegar, em Terceiro milênio nos deixamos conscientemente levar por essa nave, sem qualquer ideia preconcebida. Eu queria conhecer a Amazônia de dentro para fora, a partir do que ela nos apresentasse. Evandro era nosso guia e leitmotiv. Seria impossível domá-lo às conveniências de um filme. A ideia era deixá-lo delirar livremente e registrar sua performance.”
“(...) Os discursos apontavam sempre para a ideia de uma Amazônia voltada para quem nela vive: estímulo à criação de caça e ao extrativismo adequado àquele ecossistema; oposição ao pasto extensivo e à industrialização desenfreada; defesa do uso inteligente dos mananciais de água que são a essência da região. Não havia como não concordar com ele na afirmação de que a Amazônia é um universo próprio, cujos problemas não podem ser resolvidos com soluções bonitinhas no papel, porém distanciadas da realidade e do homem locais. Mas Evandro fazia as coisas no estilo típico do político folclórico do Norte do Brasil. Diante de madeireiros, em aparente contraste com seus princípios, incitava-os a se unirem para jamais serem vencidos.”
“(...) A viagem com Evandro nos dava a oportunidade de colher impressões sobre a vida das populações ribeirinhas e as relações dos indígenas com a educação oficial, o trabalho, os religiosos, etc. Mais uma vez, usávamos um expediente ‘ficcional’ para alcançar um nível documental mais profundo. Mesmo no trato com Evandro, tínhamos plena consciência de estar construindo um personagem. Pedíamos que ele fizesse para a câmera alguns pronunciamentos mais objetivos sobre ideias que apareciam dispersas nas suas falas. É o caso da comparação da floresta a uma virgem, que não deve ser estuprada, mas deflorada com carinho. Ou a preleção diante das vitórias-régias.”
“(...) Acho que Iracema e Terceiro milênio são os filmes em que mais me realizei. É onde o resultado da tela espelha mais completamente o que eu havia imaginado. São experiências complexas do ponto de vista cinematográfico e geram alguma coisa forte entre personagem e espectador: dúvida, simpatia, raiva, seja o que for.”
“Terceiro milênio inaugurou as projeções de cinema no Pequeno Auditório do MASP, em 1º de agosto de 1981, e ali ficou em cartaz durante pelo menos oito semanas. No Rio, foi lançado pela Sala Cândido Mendes, sempre em cópias 16 mm, e entrou para o catálogo da Dinafilme. (...) A exibição no ZDF, em agosto de 1981, seguida de várias reprises, valeu-lhe o Prêmio Adolf Grimme em 1983, repetindo a façanha de Iracema. Também em 1983, o documentário foi exibido no Festival de Cannes – onde ganhou o Prêmio Jeune Cinéma – e no festival Cinéma du Réel, em Paris, onde ficou com um dos prêmios principais. Em 1992, foi selecionado para a mostra Documentaire sur Grand Écran, em Paris.”
Programação
IMS Paulista
7/12, sábado, 18h
IMS PAULISTA
7/12/2024, sábado
18h - Terceiro milênio
IMS Paulista
Entrada gratuita. Sujeita à lotação da sala.
Ingressos distribuídos 1 hora antes de cada sessão. Uma senha por pessoa.
Terceiro milênio
Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil, Alemanha | 1981, 90’, DCP, restauração 4K, estreia mundial (Jorge Bodanzky e Alice de Andrade) | Classificação indicativa: livre
Estreia mundial da restauração 4K de Terceiro milênio, de Jorge Bodanzky.
Um senador, Evandro Carreira, eleito pela oposição, é o fio condutor, o narrador e o protagonista desta viagem. Partindo de Manaus, seu percurso cobre uma vasta região eleitoral ao longo do rio Solimões, na fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia. Jorge Bodanzky já havia colaborado com Evandro Carreira na realização de Jari. Após uma série de projetos pessoais que não foram para a frente ou foram assumidos por outros cineastas, Bodanzky retomaria o trabalho com Carreira naquele que se tornaria um de seus mais icônicos trabalhos.
“Em 1980, Evandro Carreira lançou sua candidatura ao governo do Amazonas e anunciou que faria uma viagem eleitoral pelo Rio Solimões em companhia de José Lutzenberger. Wolf e eu vimos logo que ali havia um filme esperando por nós. (...) Eram mundos opostos e complementares: o empírico, alucinado e visionário do político; e o cartesiano do cientista”, conta Bodanzky em entrevista à biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplauso. “Com base na expectativa desse diálogo singular, conseguimos vender o projeto ao canal alemão ZDF. Deram-nos a verba mais baixa, de risco total, para o programa Kamera-Film, rubrica do experimentalismo.”
“(...) Ciceroneados pelo Evandro, fomos apresentados aos bordéis e à verdadeira comida manauaras. Dali partimos de avião até Tabatinga, ponto de partida da viagem e do documentário Terceiro milênio. (...) Cedo percebemos que íamos perder um dos personagens da nossa história. Era flagrante a incompreensão de Lutzenberger para com a dinâmica da Amazônia, que visitava pela primeira vez. (...) Concentramos, então, nossas atenções no senador, que se superava a cada etapa da viagem.”
“Nossa estratégia era de observação e surpresa. Estávamos sempre prontos para acionar o equipamento. Ao contrário de Iracema, onde tínhamos um roteiro e sabíamos onde queríamos chegar, em Terceiro milênio nos deixamos conscientemente levar por essa nave, sem qualquer ideia preconcebida. Eu queria conhecer a Amazônia de dentro para fora, a partir do que ela nos apresentasse. Evandro era nosso guia e leitmotiv. Seria impossível domá-lo às conveniências de um filme. A ideia era deixá-lo delirar livremente e registrar sua performance.”
“(...) Os discursos apontavam sempre para a ideia de uma Amazônia voltada para quem nela vive: estímulo à criação de caça e ao extrativismo adequado àquele ecossistema; oposição ao pasto extensivo e à industrialização desenfreada; defesa do uso inteligente dos mananciais de água que são a essência da região. Não havia como não concordar com ele na afirmação de que a Amazônia é um universo próprio, cujos problemas não podem ser resolvidos com soluções bonitinhas no papel, porém distanciadas da realidade e do homem locais. Mas Evandro fazia as coisas no estilo típico do político folclórico do Norte do Brasil. Diante de madeireiros, em aparente contraste com seus princípios, incitava-os a se unirem para jamais serem vencidos.”
“(...) A viagem com Evandro nos dava a oportunidade de colher impressões sobre a vida das populações ribeirinhas e as relações dos indígenas com a educação oficial, o trabalho, os religiosos, etc. Mais uma vez, usávamos um expediente ‘ficcional’ para alcançar um nível documental mais profundo. Mesmo no trato com Evandro, tínhamos plena consciência de estar construindo um personagem. Pedíamos que ele fizesse para a câmera alguns pronunciamentos mais objetivos sobre ideias que apareciam dispersas nas suas falas. É o caso da comparação da floresta a uma virgem, que não deve ser estuprada, mas deflorada com carinho. Ou a preleção diante das vitórias-régias.”
“(...) Acho que Iracema e Terceiro milênio são os filmes em que mais me realizei. É onde o resultado da tela espelha mais completamente o que eu havia imaginado. São experiências complexas do ponto de vista cinematográfico e geram alguma coisa forte entre personagem e espectador: dúvida, simpatia, raiva, seja o que for.”
“Terceiro milênio inaugurou as projeções de cinema no Pequeno Auditório do MASP, em 1º de agosto de 1981, e ali ficou em cartaz durante pelo menos oito semanas. No Rio, foi lançado pela Sala Cândido Mendes, sempre em cópias 16 mm, e entrou para o catálogo da Dinafilme. (...) A exibição no ZDF, em agosto de 1981, seguida de várias reprises, valeu-lhe o Prêmio Adolf Grimme em 1983, repetindo a façanha de Iracema. Também em 1983, o documentário foi exibido no Festival de Cannes – onde ganhou o Prêmio Jeune Cinéma – e no festival Cinéma du Réel, em Paris, onde ficou com um dos prêmios principais. Em 1992, foi selecionado para a mostra Documentaire sur Grand Écran, em Paris.”
Programação
IMS Paulista
28/11, quinta, 20h
Sessão apresentada por Jorge Bodanzky e Kleber Mendonça Filho
Iracema, uma transa amazônica
Jorge Bodanzky e Orlando Senna | Brasil, França, Alemanha | 1975, 90’, DCP, restauração 4K, estreia mundial | Classificação indicativa: 16 anos
A mostra As câmeras de Bodanzky realiza desde setembro o lançamento mundial da nova restauração em 4K de Iracema, uma transa amazônica, dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna.
Em Iracema, em contraste com a propaganda oficial da ditadura militar, que alardeava um país em expansão com a construção da rodovia Transamazônica, a câmera de Bodanzky aponta para os problemas que a estrada traria para a região: desmatamento, queimadas, trabalho escravizado, prostituição infantil. Em uma obra que mistura documentário e ficção, uma pequena equipe de cinema vai à Amazônia rodar um filme com imensa liberdade formal. Um fio de enredo: um caminhoneiro, Tião Brasil Grande, interpretado por Paulo Cesar Pereio, encontra Iracema, e juntos percorrem parte da região amazônica, então zona de segurança nacional sob rígido controle militar, contracenando com moradores e interagindo com outros intérpretes.
“A primeira semente de Iracema germinou num posto de gasolina à margem da rodovia Belém-Brasília, em 1968”, relembra Bodanzky na biografia Jorge Bodanzky – O homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos. “Enquanto esperava que o repórter da revista Realidade apurasse alguma coisa, fiquei dois dias observando a movimentação de caminhoneiros e prostitutas em torno do posto. A estrada ainda era de terra e as ‘Iracemas’ e ‘Tiões’ estavam todos ali.”
“Tínhamos um roteiro-guia, que não era mostrado aos atores. Explicávamos a situação, dizíamos o que não poderia deixar de ser falado, e os deixávamos à vontade diante da câmera. Edna, por exemplo, tinha uma ideia básica da situação de Iracema na cena, mas não sabia exatamente o que Pereio ia dizer ou perguntar. Tinha que reagir à sua maneira. E ela, muito brincalhona e irônica, geralmente se saía bem das provocações. O momento em que Pereio a expulsa do caminhão é exemplar dessas virtudes da improvisação. [...] Ao lidar com não atores, é complicado cortar para fazer contracampos, closes etc., pois isso retira toda a naturalidade. Faço, então, com que a câmera costure a ação, de certa forma me antecedendo à montagem. O hábito fez dessa a minha maneira de dirigir. Eu quero contar a história com a câmera, vou empurrando minhas personagens com a minha câmera. É como se estivesse roteirizando, decupando, filmando e montando ao mesmo tempo.”
Realizado em 1974 para a ZDF, emissora de TV alemã, Iracema, uma transa amazônica retrata uma viagem da inocência à desintegração, da comunidade indígena mais isolada à periferia das grandes cidades. O filme, que ficou proibido pela censura no Brasil durante seis anos, teve uma boa repercussão de público e crítica internacionalmente desde sua estreia, em fevereiro de 1975, na ZDF. Foi premiado em festivais estrangeiros e convidado para a Semana da Crítica, do Festival de Cannes em 2016. Quando liberado no país, em 1980, foi premiado nas categorias Melhor Filme, Montagem, Atriz e Atriz Coadjuvante no Festival de Brasília.
Programação
IMS Paulista
5/10, sábado, 18h30
Era uma vez Iracema + Ainda uma vez Iracema
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Era uma vez Iracema
Jorge Bodanzky | Brasil | 2005, 45’, Arquivo digital (Jorge Bodanzky) | Classificação indicativa: 14 anos
Um making-of dirigido pelo próprio Bodanzky, o documentário discute a linguagem do filme Iracema, uma transa amazônica 30 anos depois de sua realização, reunindo entrevistas com os autores, atores, críticos e com os próprios cineastas.
Era uma vez Iracema será exibido junto ao curta-metragem Ainda uma vez Iracema, de Jorge Bodanzky.
Ainda uma vez Iracema
Jorge Bodanzky | Brasil | 2014, 11’, Arquivo digital (Jorge Bodanzky) | Classificação indicativa: 14 anos
Jorge Bodanzky volta a Belém para apurar o estado da prostituição nos locais onde Iracema foi rodado. O filme reúne depoimentos de trabalhadoras do GEMPAC (Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará): Lourdes Barreto, Eunice Conceição, Leila Barreto e Fátima.
Ainda uma vez Iracema foi filmado em 2014 com o apoio do Instituto Moreira Sales para integrar o DVD comemorativo de 40 anos de Iracema, uma transa amazônica, lançado pela Coleção DVD | IMS.
Ainda uma vez Iracema será exibido junto ao média-metragem Era uma vez Iracema, de Jorge Bodanzky.
Programação
IMS Paulista
5/10, sábado, 20h30
Iracema, uma transa amazônica
Jorge Bodanzky e Orlando Senna | Brasil, França, Alemanha | 1975, 90’, DCP, restauração 4K, estreia mundial | Classificação indicativa: 16 anos
Estreia mundial da nova restauração em 4K de Iracema, uma transa amazônica, dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna. O projeto de restauro foi capitaneado por Alice de Andrade e a exibição contará com uma conversa entre Bodanzky, Edna de Cássia, que interpreta a protagonista e personagem título, Kleber Mendonça Filho, curador do cinema do IMS, e João Moreira Salles, documentarista.
Em Iracema, em contraste com a propaganda oficial da ditadura militar, que alardeava um país em expansão com a construção da rodovia Transamazônica, a câmera de Bodanzky aponta para os problemas que a estrada traria para a região: desmatamento, queimadas, trabalho escravizado, prostituição infantil. Em uma obra que mistura documentário e ficção, uma pequena equipe de cinema vai à Amazônia rodar um filme com imensa liberdade formal. Um fio de enredo: um caminhoneiro, Tião Brasil Grande, interpretado por Paulo Cesar Pereio, encontra Iracema, e juntos percorrem parte da região amazônica, então zona de segurança nacional sob rígido controle militar, contracenando com moradores e interagindo com outros intérpretes.
“A primeira semente de Iracema germinou num posto de gasolina à margem da rodovia Belém-Brasília, em 1968”, relembra Bodanzky na biografia Jorge Bodanzky – O homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos. “Enquanto esperava que o repórter da revista Realidade apurasse alguma coisa, fiquei dois dias observando a movimentação de caminhoneiros e prostitutas em torno do posto. A estrada ainda era de terra e as ‘Iracemas’ e ‘Tiões’ estavam todos ali”.
“Tínhamos um roteiro-guia, que não era mostrado aos atores. Explicávamos a situação, dizíamos o que não poderia deixar de ser falado, e os deixávamos à vontade diante da câmera. Edna, por exemplo, tinha uma ideia básica da situação de Iracema na cena, mas não sabia exatamente o que Pereio ia dizer ou perguntar. Tinha que reagir à sua maneira. E ela, muito brincalhona e irônica, geralmente se saía bem das provocações. O momento em que Pereio a expulsa do caminhão é exemplar dessas virtudes da improvisação. [...] Ao lidar com não atores, é complicado cortar para fazer contracampos, closes etc., pois isso retira toda a naturalidade. Faço, então, com que a câmera costure a ação, de certa forma me antecedendo à montagem. O hábito fez dessa a minha maneira de dirigir. Eu quero contar a história com a câmera, vou empurrando minhas personagens com a minha câmera. É como se estivesse roteirizando, decupando, filmando e montando ao mesmo tempo”.
Realizado em 1974 para a ZDF, emissora de TV alemã, Iracema, uma transa amazônica retrata uma viagem da inocência à desintegração, da comunidade indígena mais isolada à periferia das grandes cidades. O filme, que ficou proibido pela censura no Brasil durante seis anos, teve uma boa repercussão de público e crítica internacionalmente desde sua estreia, em fevereiro de 1975, na ZDF. Foi premiado em festivais estrangeiros e convidado para a Semana da Crítica, do Festival de Cannes em 2016. Quando liberado no país, em 1980, foi premiado nas categorias Melhor Filme, Montagem, Atriz e Atriz Coadjuvante no Festival de Brasília.
Programação
IMS Paulista
19/9, quinta, 19h
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Edna de Cássia, Kleber Mendonça Filho e João Moreira Salles.
Jorge Bodanzky
É um dos mais destacados cineastas brasileiros. Diretor, roteirista e fotógrafo, formado em cinema pela Escola de Design de Ulm, na Alemanha, iniciou sua carreira como fotojornalista em veículos como a revista Realidade e o Jornal da Tarde. Em 1974, lançou seu primeiro longa-metragem Iracema, uma transa amazônica, censurado no Brasil e premiado em diversos países. Trabalhou como diretor de fotografia, dirigiu documentários para TVs, e deu aulas na USP, Faap, Unicamp e UnB. Entre seus filmes mais famosos, estão Gitirana (1976) e Terceiro milênio (1980). Colabora com o site da revista ZUM. Desde 2013, seu acervo de fotografias e super-8 fazem parte do acervo do Instituto Moreira Salles.
Edna de Cássia
Ex-atriz brasileira, conhecida por seu papel em Iracema, uma transa amazônica (1974), seu único trabalho no cinema. Atualmente, está aposentada e vive em Belém, na ilha de Outeiro, após deixar uma marca significativa no cinema nacional.
Kleber Mendonça Filho
Cineasta e curador do Cinema do IMS
João Moreira Salles
É documentarista e editor da revista piauí. Dirigiu Santiago, Entreatos e Nelson Freire, entre outros.
Jorge Bodanzky em Super-8
com trilha ao vivo de Sarine e Yantra
Transamazônica e Belém-Brasília + Cidades
Classificação indicativa da sessão: Livre
Transamazônica e Belém-Brasília
Jorge Bodanzky | Brasil | 1973, 33’, trechos de filmes em Super-8 transferidos para vídeo digital | Classificação indicativa: Livre
Estes filmes Super-8 registram a viagem de Bodanzky, Wolf Gauer e Orlando Senna pelas rodovias Transamazônica e Belém-Brasília em busca de locações para o filme Iracema (1974). Com este material, convenceram a tevê alemã ZDF a financiar o longa-metragem, depois de aprovarem um roteiro simplificado. Todos os elementos do filme estão encapsulados nestas tomadas: a rotina de caminhoneiros e das prostitutas em beiras de estradas, os desmatamentos, os colonos, o movimento das balsas e dos mercados. O palco estava pronto para que os protagonistas brilhassem.
Cidades
Jorge Bodanzky | Brasil, Alemanha | déc. 1970, 32’, trechos de filmes em Super-8 transferidos para vídeo digital | Classificação indicativa: Livre
Uma jornada visual por São Paulo, Brasília e Berlim, com suas ruas movimentadas, arranha-céus e habitantes. No viaduto do Chá, em São Paulo, Bodanzky acompanha um transeunte solitário, um grupo de mulheres negras conversando e o movimento frenético nas escadarias e avenidas congestionadas.
Os filmes também enquadram a paisagem urbana com lente grande-angular e a partir de um carro em movimento. Em São Paulo, o trajeto segue pelo sobe e desce do Minhocão. Em Brasília, Bodanzky registra o vaivém da rodoviária e ícones arquitetônicos, como a praça dos Três Poderes e a Torre de TV. Um tour pela Berlim nevada passa ao lado do Checkpoint Charlie, famoso posto militar que controlava a circulação entre as duas Alemanhas. Um cartaz diz: “Muro da vergonha”, referindo-se ao muro que dividiu o país entre 1961 e 1989.
Programação
IMS Paulista
13/8, terça, 20h
Exibição com trilha ao vivo de Sarine e Yantra.
Mais informações sobre a sessão com trilha ao vivo.
Caminhos de Valderez + Jari
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Caminhos de Valderez
Jorge Bodanzky e Hermano Penna | Brasil | 1971, 23’, DCP (Arquivo inédito produzido a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos
Desde o início de sua fundação, Brasília mostrou-se em sua dupla face: de um lado, a cidade arrojada e utópica e, de outro, um espaço em que sua diversificada população podia explorar o misticismo e a espiritualidade. O filme tenta analisar as razões disso, retratando a jovem Valderez, que, paralelamente a uma vida civil comum, desenvolvia atividades no campo espiritual. A ditadura imperava, e eram vários os mecanismos para driblar sua presença maciça. O filme pode ser visto como um ensaio para o Iracema, com sua linguagem inovadora e a fusão de documentário e ficção.
Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, a partir de pesquisa e uma série de conversas e entrevistas com Bodanzky, Carlos Alberto Mattos conta a vida do cineasta em primeira pessoa. Sobre Valderez, realizado quando o cineasta já colaborava com a televisão alemã, o livro relata: “A saudade de Brasília fez com que eu a escolhesse para cenário do meu primeiro ensaio de direção cinematográfica. O tema de Caminhos de Valderez nasceu de minhas observações, à época da UnB, sobre a tendência de fuga para o misticismo entre a população brasiliense. Já naquela época, Brasília e seus arredores eram um grande celeiro místico e esotérico, apinhado de cartomantes, fanáticos, terreiros de umbanda, o Vale do Amanhecer, a Cidade Eclética etc. Todos os meus amigos, e até a minha prima Sylvia Orthof, tinham alguma ligação com aquele mundo.”
“Hermano Penna e eu, que juntos roteirizamos e dirigimos o filme em 1971, queríamos retratar essa dualidade de Brasília não com um documentário puro e simples, mas através de uma personagem ficcional que a representasse. Alguém que tivesse uma existência civil comum e uma atividade paralela no campo do misticismo. Sylvia indicou uma aluna de seu grupo de teatro, Valderez Reis, moça bonita e interessante, que tinha laços com a umbanda. Criamos com ela uma personagem-homônima, dona de casa, esposa de funcionário público e mãe de dois filhos, que tinha um lado identificado com o fantástico. Em parte, o filme documenta elementos do cotidiano real de Valderez, inclusive o terreiro que ela frequentava, com boa dose de improviso no processo. Mas também ficcionalizamos a narrativa, inserindo a personagem em outros contextos místicos e criando sua vida de mãe de família. [...] Havia também um fundo político. Valderez via-se perseguida por um grupo de policiais e mal conseguia escapar. Parecia atingida por um trauma político que poderia ser real ou fruto de sua imaginação. A ideia era retratar o clima de opressão e mostrar como as pessoas se alienavam por meio da religião.”
“A essa altura, eu já estava certo de preferir o cinema à fotografia. A cumplicidade e a criação em equipe me agradavam bem mais que o trabalho solitário do fotógrafo. [...] Daí veio o desejo de dirigir meus próprios filmes, em vez de apenas fotografar os dos outros. A ideia de buscar uma interação entre documentário e criação ficcional me apaixonava desde que tomei contato pela primeira vez com os filmes de Jean Rouch e John Cassavetes. Admirava o humor de Rouch e a naturalidade com que ele conduzia não atores em seus filmes africanos. No Cassavetes de Husbands [Os maridos], 1970, por exemplo, impressionavam-me o despojamento com que ele filmava os atores profissionais, a maneira como eles improvisavam e a câmera, que os flagrava de maneira quase documental. Outro filme que me marcou nessa época foi The Harder They Come (Balada sangrenta), 1972, de Perry Henzell, que lançou a música reggae no mundo e reencenou experiências da vida de Jimmy Cliff. Eram todos filmes de câmera leve, com ênfase nos planos-sequência e acentos documentais.”
Jari
Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil | 1979, 58’, DCP (Arquivo inédito produzido a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos
O documentário acompanha os parlamentares designados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a devastação da Amazônia, na região do polêmico Projeto Jari, de Daniel Ludwig, milionário americano que investia na região. O filme debate o processo de industrialização da Amazônia, mostrando os aspectos contraditórios daquilo que pretendia ser o maior empreendimento privado da região.
Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de relatos do cineasta, é descrita a origem e a repercussão do filme: “Todo um novo capítulo do meu trabalho na Amazônia começou no dia em que conheci o senador Evandro Carreira, do MDB. Ele me procurou solicitando algumas imagens de Iracema para apresentar numa entrevista à TV Bandeirantes. Embora achasse o pedido um tanto insólito, cedi, porque vi nele uma figura interessante. Seu discurso sobre a Amazônia tinha uma qualidade utópica, mas era coerente, corajoso e bastante diferenciado do que se propunha para a região naquele momento. [...] O Senador “Pororoca” – como o chamavam devido à prolixidade – era contraditório, espalhafatoso, fazia uma política antiquada, mas conhecia profundamente seu território e demonstrava preocupações legítimas. Tanto que estava prestes a visitar o Projeto Jari, como integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito da devastação da Amazônia”.
“Eu e Wolf logo acertamos com ele a realização de um filme sobre essa viagem. Conhecer in loco o controvertido Projeto Jari era sonho de quase todo jornalista brasileiro na época. Tudo era muito controlado, o acesso era complicado. Um gigantesco complexo de extração de madeira e fabricação de celulose estava implantado às margens do rio Jari, na divisa entre o Pará e o Amapá. [...] Ao fim da visita oficial, decidimos ficar por nossa conta e risco, apesar da insistência dos administradores da usina para que partíssemos junto com os políticos. Percebemos certo mal-estar. Disseram que não se responsabilizariam por nós a partir dali. Mesmo assim, resolvemos arriscar”.
“Um dos engenheiros, corajosamente, nos ofereceu hospedagem e nos levou no seu carro para documentarmos o outro lado do Jari. [...] Bastava afastar-se 300 metros daquela fábrica com tecnologia de ponta para se dar de cara com o Brasil real: uma imensa favela de palafitas, coalhada de gente miserável e de prostitutas, onde a lei parecia não chegar. Desvinculados dos políticos e da diretoria do projeto, não tivemos dificuldade em colher bons depoimentos sobre a situação dos operários, em grande parte imigrantes nordestinos, suas queixas das condições de trabalho e de alimentação, o xadrez privado para aqueles que reclamavam, malária, assassinatos, exploração pelo comércio do Beiradão. Nas entrevistas, eu e Wolf captamos também o medo de falar, as especulações sobre um patrão cujo rosto quase ninguém via”.
“[...]Já na montagem, antecipamos a destinação que o filme deveria ter: a de ser um instrumento de debate sobre a industrialização da Amazônia. Confrontamos depoimentos contraditórios, expusemos a falácia de quem defendia a exploração irresponsável da floresta e da mão de obra. [...] Já a partir de maio de 1980, tínhamos entre 15 e 20 cópias circulando constantemente através da distribuidora Dinafilme. Jari foi um dos poucos filmes concebidos e realizados especificamente para o circuito alternativo. A televisão da época não absorveria um filme com tal conteúdo crítico. Nos cinemas, não havia espaço para um média-metragem documental em 16 mm. O filme foi exibido no Senado e na Escola Superior de Guerra. [...] Evandro Carreira e Modesto da Silveira usaram Jari em suas campanhas com nosso pleno consentimento”.
“O filme se propunha a ser uma arma política e, portanto, quanto mais fosse exibido e usado, melhor. As projeções se sucediam em cineclubes, universidades, sindicatos, associações de classe e assembleias legislativas de vários estados, além dos comitês do Movimento de Defesa da Amazônia. Era muito estimulante ver como o trabalho chegava ao público e gerava debates amplos, muito além do conteúdo do filme. Cerca de 200 mil pessoas viram Jari naquele momento, quando a televisão, de maneira geral, ignorava solenemente a realidade brasileira”.
Programação
IMS Paulista
17/8, sábado, 18h
A propósito de tristes trópicos
A Propos de Tristes Tropiques
Jean-Pierre Beaurenaut, Jorge Bodanzky, Patrick Menget | França | 1990, 46’, Arquivo digital (Acervo do artista) | Classificação indicativa: 14 anos
O filme refaz a viagem que o antropólogo Claude Lévi-Strauss realizou no Mato Grosso nos anos 1935 e 1938 e que resultou no livro Tristes trópicos. Reúne imagens da expedição original, entrevistas com Lévi-Strauss em diferentes momentos e imagens das três expedições à região realizadas pela equipe.
Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a coleção Aplausos, Bodanzky narra o processo de realização: “Minha relação com o livro Tristes trópicos, de Claude Lévi-Strauss, levou cinco anos para se transformar em filme. Em 1985, enquanto montava Igreja dos oprimidos, em Paris, cometi a imprudência de fazer a proposta diretamente a Lévi-Strauss por telefone, e ainda por cima no meu péssimo francês. Eu queria voltar às aldeias indígenas do Mato Grosso que ele visitou em 1935 e 1938 para verificar o seu estado atual, assim como a memória que ainda houvesse dos encontros, a partir das suas fotografias e dos filmes que sua mulher, Dina, rodou na ocasião. Lévi-Strauss não foi especialmente gentil, mas pediu que lhe mandasse uma proposta por escrito. Foi o que fiz. Poucos dias depois, recebi uma resposta amável, autorizando a referência ao seu livro e o uso dos filmes. Mais que isso, ele se dizia “vivamente interessado em rever, filmadas por você no seu estado atual, as regiões que percorri há meio século”.
“A produção de À Propos de Tristes Tropiques só se viabilizaria em 1989, através da empresa Les Films du Village. (...) O antropólogo Patrick Menget, da Universidade de Nanterre, um velho amigo e ex-doutorando de Lévi-Strauss, entrou como uma espécie de roteirista, embora nosso roteiro de verdade fosse o texto de Tristes trópicos”.
“Com o livro e as fotos na mão, fizemos uma primeira viagem em 1989 para localizar as aldeias e eventuais resquícios de memória. O cinegrafista francês Alain Salomon filmou em 16 mm, eu gravei com a V-8 e David Pennington fez o som. Levamos os filmes da Dina Lévi-Strauss telecinados para mostrar aos índios. Lévi-Strauss era reticente ao se referir a esse material, ressaltando seu caráter de registro amador e falta de intenção científica. Para ele, o próprio Tristes trópicos seria um interlúdio de férias dentro do seu trabalho científico”.
“A exibição dos vídeos e do equipamento era sempre uma festa. As cenas de reconhecimento se repetiram diante das nossas câmeras. Filmamos um longo e fascinante ritual funerário bororo; pedimos aos Kadiwéus – como tinha feito Lévi-Strauss – que pintassem no papel as insígnias de clã que antigamente pintavam no rosto. (...) A locomoção entre as aldeias era às vezes muito difícil. Enfiávamos nossa Rural Willis em riachos e atoleiros, verificando que as dificuldades de acesso a certas tribos ainda eram as mesmas que Lévi-Strauss descreveu nos anos 1930. O carro servia também para iluminar as filmagens no interior das malocas, a exemplo do que eu havia feito com o caminhão em Iracema”.
“Ao fim das filmagens, fiz uma seleção do material bruto e mostrei a Lévi-Strauss no Laboratório de Antropologia Social do Collège de France, em Paris. Alguns dias depois, fizemos uma entrevista com ele, conduzida pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha. Havia uma reverência muito grande ao mestre por parte dos franceses. Para mim, Lévi-Strauss era uma pessoa simpaticíssima, de trato fácil e muito organizada, que ficava inteiramente ao nosso dispor pelo tempo pré-determinado. Seu interesse pelo Brasil transparecia a cada palavra”.
“Fui muito cerceado no processo de edição, feito na França. O produtor não me permitiu usar uma trilha musical do africano Manu Dibango a partir dos sons indígenas que tínhamos gravado. Ele queria o filme mais seco, estritamente antropológico, enquanto eu pretendia enfatizar o teor de aventura. Tampouco contei com a prometida colaboração de Patrick Menget no roteiro de edição. Por fim, o trabalho se estendeu além do tempo que eu poderia permanecer em Paris e foi finalizado, à minha revelia, por Jean-Pierre Beaurenaut, redator da produtora, que assina o filme junto comigo e Menget”.
“À Propos de Tristes Tropiques cumpriu bem o seu papel no meio etnográfico. Frisou a importância do Brasil na carreira de Lévi-Strauss e chamou atenção para a importância do material filmado por Dina. Mas o seu tom austero impediu o salto para uma categoria mais ampla de documentário. Uma pena, pois Lévi-Strauss, que, além de antropólogo, é escritor, merecia um tratamento mais emotivo”.
Programação
IMS Paulista
20/8, terça, 20h
24/8, sábado, 18h30
Pandemonium
Jorge Bodanzky | Brasil | 2010, 52', Arquivo digital (Acervo do artista) | Classificação indicativa: 14 anos
Neste ensaio fílmico de média-metragem, Jorge Bodanzky investiga o impacto das mudanças climáticas e os novos desafios na área energética. Dois grandes especialistas brasileiros, o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite e o meteorologista Carlos Nobre, apresentam três diagnósticos e propostas que lançam luz sobre questões cruciais para o desenvolvimento humano no século XXI.
Programação
IMS Paulista
6/8, terça, 20h
31/8, sábado, 18h30
Meu barco é veleiro + O Muiraquitã + Tenta louvar o mundo mutilado + Limites do diáfano
Classificação indicativa da sessão: Livre
Meu barco é veleiro
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 14’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Jorge Bodanzky é, em grande medida, um realizador viajante. O movimento constante é um traço de seu processo criativo, que incide por registros tanto pessoais quanto de projetos diversos que constituem a base para Meu barco é veleiro. Observações e experiências por continentes diversos, em uma espécie de romance de formação improvisado, no qual as paisagens humanas revelam a constituição de um olhar.
O Muiraquitã
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 20’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Os percursos de um cineasta-viajante por paisagens sociais e culturais brasileiras atravessadas pelo furacão da modernização autoritária que a ditadura militar impôs: povos indígenas, cavalhadas, migrantes. Através da câmera-olho de Jorge Bodanzky, vemos as múltiplas faces da borrasca que atinge os modos de vida das populações tradicionais e suas práticas vistas.
Tenta louvar o mundo mutilado
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 18’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
A trajetória cinematográfica de Jorge Bodanzky é profundamente marcada pelo seu convívio com o jornalismo e a reportagem documental. Tenta louvar o mundo mutilado reconstitui alguns dos seus mais importantes trabalhos nessa seara, com registros que vão desde as ditaduras latino-americanas às expressões religiosas de matriz africana no Brasil.
Limites do diáfano
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 9’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.
Programação
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3/8, sábado, 17h30
Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner
Jorge Bodanzky e Evaldo Mocarzel | Brasil | 2006, 50’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky) | Classificação indicativa: Livre
Documenta a viagem do barco do projeto Navegaramazônia realizando oficinas de música com Jorge Mautner em comunidades quilombolas na região de Abaetetuba (PA), na Amazônia.
O projeto itinerante Navegar, que levava, por meio de um barco, acesso à internet, oficinas de arte e cultura e outros serviços de assistência social a populações ribeirinhas da Amazônia, teve Bodanzky como um de seus idealizadores e resultou também no filme No meio do rio, entre as árvores (2009), já exibido nesta mostra. Em sua biografia escrita por Carlos Alberto Mattos, Bodanzky conta das origens do projeto:
“Era um fim de tarde na beira do lago Curiaú, nos arredores de Macapá, quando Regina Mamede, José Roberto Lacerda Ramos, presidente do Centro de Processamento de Dados do Amapá, e eu vimos um barquinho regional e cogitamos equipar um daqueles para levar a internet às escolas ribeirinhas do estado. Até então, não havia nenhum provedor no Amapá”.
“A ideia foi prontamente aceita pelo governador, e um barco regional foi adaptado para navegar nos dois sentidos da palavra. O segundo andar ganhou um compartimento fechado e refrigerado com webcams, uma câmera digital, diversos periféricos e oito computadores em rede, ligados à internet pelo sistema Nera de telefonia via satélite. O parecer inicial da Embratel, de que o sistema não funcionaria com o barco em movimento, foi contrariado pela realidade e, em fins de 2000, fizemos a viagem inaugural do Navegar. Imagens do percurso foram transmitidas em tempo real para diversas partes do mundo”.
“[...] A criançada fazia a festa, entrando no barco e acessando a internet. Cinco minutos de aprendizado eram suficientes para familiarizar um garoto do Bailique com os recursos da grande rede. Naquele momento, o Navegar também dava suporte a atividades como justiça itinerante, assistência de saúde, turismo ecológico e até o mero transporte de pessoas entre o arquipélago e a capital do Estado”.
Em 2005, já em uma nova etapa do projeto, com investimentos do Ministério da Cultura de Gilberto Gil, o ministro e sua equipe sugeriram o nome de Jorge Mautner para uma das viagens.
“[Mautner] É essa figura fantástica. Onde ele vai, ele interpreta, filosofa, pensa, brinca, passa a sabedoria e a música dele. Onde chega, tira o violino dele e pronto: já encantou”, disse Bodanzky ao portal Amazônia Latitude. “Ele diz isso no filme, ‘ensino e também aprendo’. E, flexível como sempre foi, deixou-se imbuir muito pela musicalidade da Amazônia. Admirou isso e incorporou ao seu repertório, não impondo absolutamente a música dele, isso fica muito evidente nas suas aparições e oficinas com o [músico Nelson] Jacobina”.
Depoimentos extraídos da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso, e da matéria Jorge Mautner: navegar é preciso – Roteiros da Amazônia, do portal Amazônia Latitude.
Programação
IMS Paulista
6/7, sábado, 17h45
9/7, terça, 20h
Gitirana
Jorge Bodanzky e Orlando Senna | Brasil, Alemanha | 1975, 90’, Arquivo digital (ZDF) | Classificação indicativa: 14 anos
O dia a dia, sem poesia, do nordestino, contado com base em diversas estórias de cordel, e ligadas entre si pela mesma personagem, cuja vida, de repente, sofre violenta modificação, tendo que se afastar de sua terra, quando da construção de uma gigante barragem.
Segundo longa-metragem de Bodanzky, Gitirana foi realizado logo na sequência de Iracema, cujo grande sucesso na Europa garantiu que o canal de TV ZDF financiasse o projeto. Os dois filmes são codirigidos com Orlando Senna.
“Gitirana foi uma produção relativamente simples”, conta Bodanzky em sua biografia. “O ZDF nos deu condições ainda melhores que as de Iracema para fazer um filme da maneira mais rápida possível. Propus a Orlando Senna transpor para o cinema a sua peça Teatro de cordel, adaptação de diversas histórias populares nordestinas, apresentada em São Paulo em 1970 e no Rio em 1971. Ambientamos as diversas narrativas na região de Sobradinho (BA), onde se construía a polêmica barragem que custou a expulsão dramática de mais de 70 mil camponeses sem direito a quase nada. Todos os signos da opressão e da megalomania da ditadura estavam presentes naquele empreendimento”.
“No roteiro do Orlando, as várias histórias eram unificadas pelo cenário comum da barragem. Se habitualmente os nordestinos eram retirados de suas terras pela seca, desta vez eram expulsos pelas águas em nome do progresso. A estrutura era bem mais teatralizada que a de Iracema”.
“Conceição Senna foi o fio condutor, fazendo diversas personagens nas diferentes histórias, ora como operária, ora como uma espécie de profeta, ora como justiceira. Na relação com os muitos atores não profissionais – arregimentados num grupo teatral de Juazeiro (BA) –, Conceição mantinha função semelhante à de Pereio no filme anterior: improvisava, provocava, arrematava. Mas o roteiro era bem mais amarrado que o de Iracema. Os alemães pressionavam para que tivesse princípio, meio e fim, mas nós queríamos a coisa fracionada, com episódios razoavelmente independentes. A forma de narrá-los, como cordel, é que dava a ideia de conjunto”.
“[...] Orlando Senna esclarece o título do filme: ‘O conceito de gitirana, ou jitirana, é profundamente nordestino e significa a relação, ou a junção, da beleza e da morte. Refere-se à belíssima borboleta gitirana, que tem um corpo longo e negro e asas coloridas e brilhantes. Versa a lenda que a gitirana vive pouco tempo após se tornar adulta, faz um só voo até encontrar o seu alimento, que é carne (ou sangue) de mamíferos, especialmente gado. Pica o gado e o mata com seu veneno e também morre, autoenvenenada. Existiu um cangaceiro que era um violeiro de primeira e ao mesmo tempo um matador eficiente, com rifle ou punhal, e Lampião o apelidou Jitirana”.
“Após a exibição na TV alemã, a repercussão ficou muito aquém da obtida por Iracema, em que pese um convite para a Quinzena dos Realizadores de Cannes. No Brasil, escaldados pelas dificuldades do outro filme, nunca regularizamos a situação de Gitirana. Não houve lançamento comercial. Só tivemos uma única cópia 16 mm, que mais tarde ficaria com a distribuidora alternativa Dina Filmes. As opiniões se dividiram. Paulo Emílio Salles Gomes e Jean-Claude Bernardet gostaram, mas outros críticos julgaram o filme hermético, sem dar chances ao espectador que não conhecesse a tradição do cordel.”
Depoimento extraído da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
Programação
IMS Paulista
14/7, domingo, 18h
16/7, terça, 20h
Brasília em super-8 + Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil + O clique único de Assis Horta
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Brasília em super-8
Jorge Bodanzky | Brasil | 2020, 11’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky) | Classificação indicativa: Livre
No aniversário de 60 anos da capital federal, em 2020, Jorge Bodanzky retorna aos seus arquivos da época de estudante e edita um curta-metragem com uma visão extemporânea da cidade.
“Em 1964 eu era aluno da UnB (Universidade de Brasília), cursando o ICA (Instituto Central de Artes). Uma de minhas atividades era registrar em fotos a cidade que estava sendo construída, sob orientação de professores como Luiz Humberto, Athos Bulcão, Amelia Toledo e Heinz Forthmann”, conta à revista ZUM.
“Estes três filmes em super-8 foram feitos em planos-sequência, editados com a câmera, que era muda. Os registros são de 1970, quando Brasília ainda se apresentava em sua forma original. Ficaram guardados por 50 anos e só recentemente foram digitalizados, fazendo parte do meu acervo no IMS”.
“Convidei o músico David Maranha, de Lisboa, para criar uma trilha sonora. Fiquei surpreso com o resultado: imagens e trilha sonora compõem um todo harmônico, indissociável”.
Depoimento do diretor Jorge Bodanzky à revista ZUM (na íntegra).
Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil
Jorge Bodanzky, Peter Braune e Wolf Gauer | Alemanha | 1974, 22’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky) | Classificação indicativa: 14 anos
O filme traça um paralelo da vida e do trabalho de dois operários da Volkswagen, um no Brasil, em São Bernardo do Campo, e o outro na Alemanha, em Wolfsburg, cidade berço da empresa no país. Os dois trabalhadores eram sindicalizados e exerciam funções idênticas na montagem do Fusca, mas viviam em condições materiais bastante distintas.
“Reinhard Ludwig ganhava 1.600 marcos mensais, tinha um apartamento razoável, um bom seguro de vida, as crianças na escola etc., mas era bastante pessimista em relação ao futuro”, relata Bodanzky. “Já o brasileiro Manuel Silveira, com salário equivalente a apenas 600 marcos e vida muito menos confortável, sustentando família de quase 20 pessoas, parecia mais confiante. A História comprovaria essa impressão: o processo de automação das fábricas ceifou o emprego de Reinhard pouco depois, enquanto Manuel ainda se beneficiaria do movimento sindicalista do ABC no fim da década. Durante as filmagens, fizemos uma entrevista com o Lula, que por alguma razão não entrou na edição final”.
“Afora esse curioso paralelo entre Brasil e Alemanha, o documentário fazia outros: o samba e o futebol de várzea em São Bernardo contra a desolação e o tédio de Wolfsburg; a liberdade de movimentos de Reinhard e a entrada dos operários brasileiros na fábrica como se fosse numa caserna, orientados por guardas armados de cassetetes. Em detalhes como esse, a ditadura militar mostrava sua cara”.
O curta faz parte da extensa gama de filmes do diretor produzida na Alemanha ou em coprodução com aquele país, período de colaboração frequente com Wolf Gauer.
Depoimento extraído da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
O clique único de Assis Horta
Jorge Bodanzky | Brasil | 2015, 24’’, Arquivo digital (Acervo do Bodanzky) | Classificação indicativa: 14 anos
Documentário sobre o nonagenário fotógrafo mineiro Assis Horta, que imortalizou o patrimônio arquitetônico e a sociedade de Diamantina, tendo fotografado intensamente a cidade e seus moradores. O grande impulso de sua carreira veio em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada por Getúlio Vargas. Ao tornar obrigatória a carteira profissional com foto, Vargas deu o empurrão que faltava para a classe trabalhadora entrar no estúdio fotográfico de Assis Horta. Nos anos que se seguiram, o fotógrafo retratou centenas de pessoas. Em 3 × 4 ou de corpo inteiro, muitos tiraram então seu primeiro retrato.
Um filme comissionado pela revista ZUM, do IMS, dedicada à fotografia contemporânea e à cultura visual.
Programação
IMS Paulista
20/7, sábado, 18h30
23/7, terça, 20h
Amazônia, a nova Minamata?
Jorge Bodanzky | Brasil | 2022, 76’, DCP (O2 Play) | Classificação indicativa: 10 anos
O documentário acompanha a saga do povo Munduruku para conter o impacto destrutivo do garimpo do ouro em seu território ancestral, enquanto revela como a doença de Minamata, decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça os habitantes de toda a Amazônia hoje.
Em entrevista ao crítico João Paulo Barreto, Jorge Bodanzky conta: “Esse novo filme, Amazônia: a nova Minamata?, é uma consequência da série Transamazônica – Uma estrada para o passado [codirigida com Fabiano Maciel para a HBO]. Foi enquanto estava filmando essa série que encontrei o dr. Erik Jennings, que é o médico que me contou essa história. Foi em um evento que aconteceu lá na área Munduruku. Havia uma reunião de caciques que aparece no filme, e eles estavam discutindo uma questão de uma hidrelétrica cuja obra conseguiram barrar naquele momento. O dr. Erik estava lá, e eu lhe perguntei: ‘O que faz um médico aqui?’. Achei estranho. Começamos a conversar, e ele me disse que já havia um tempo que os médicos estavam desconfiados e examinando a questão do mercúrio no cabelo dos indígenas. Ele disse que, para a surpresa deles, era coisa mais grave do que eles haviam imaginado. Ele fez a comparação com Minamata e me chamou a atenção para isso. E eu achei o assunto tão importante, tão relevante. Isso já tem uns quatro anos. Não se falava tanto nesse tema. Hoje em dia, todo mundo está falando sobre a questão do garimpo. Essa comparação com o que aconteceu em Minamata, eu acho muito importante, porque a gente pode prever o futuro. Quer dizer, não adianta querer negar. Está aí o que acontece com o mercúrio.”
A doença de Minamata foi identificada na cidade de mesmo nome, no Japão, em que cerca de 5.000 pessoas foram contaminadas pelo alimento pescado na baía de Minamata, onde uma fábrica de produção de PVC descartava resíduos contaminados com mercúrio. Esse episódio ficou conhecido como um dos maiores desastres ambientais do planeta.
Entrevista do diretor Jorge Bodanzky ao crítico João Paulo Barreto (na íntegra).
Programação
IMS Paulista
25/6, terça, 19h
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Cacique Jairo Saw Munduruku e Larissa Rodrigues
O profeta da fome
Maurice Capovilla | Brasil | 1970, 93’, cópia 35 mm (Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos
A história da aventura do faquir Alikan, interpretado por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, que trabalha em um circo decadente e realiza estranhas performances para atrair o público. Em seu número "Os manjares do demônio", o faquir come giletes, pregos, cacos de vidro e parafusos. Entre absurdos e realidades, Alikan vive grandes obstáculos que o levam ao título de Campeão da Fome.
“À sua maneira, esse filme do Capovilla também teve uma imagem cuidadosamente planejada”, comenta Bodanzky em sua biografia. “Buscávamos uma fotografia de alto contraste e estranhamento, uma coisa mais fantasiosa, distante do realismo das imagens do Glauber. O filme é dividido em dez ‘quadros’, e cada um tem estilo próprio de luz e trabalho de câmera”.
“Capô queria dar noção de tempo e distância entre os ‘quadros’, numa história que se passava também no Nordeste, mas foi filmada inteiramente em São Paulo. Assim, o episódio do faquir crucificado e da matança do boi tinha um aspecto fortemente documental, captado durante a Festa do Divino na cidadezinha de São Luís do Paraitinga. Já a peregrinação dos personagens recebia um tratamento mais expressionista, com imagens distorcidas e locações enevoadas. As cenas da prisão eram o momento do tripé. O resto era câmera na mão”.
“Apesar do verdadeiro portfólio de opções técnicas e de certo esteticismo, percebo claramente que nesse filme comecei a formar minha personalidade como fotógrafo de cinema. Lá estão os planos-sequência em que os deslocamentos da câmera já antecipam uma ideia de montagem; lá está o minimalismo no uso da luz, assim como a busca de expressividade nos recursos naturais. Lembro que em filmagens noturnas usei luz baixa e ‘puxei’ bastante o filme para reforçar o claro-escuro”.
“[...] O profeta da fome foi um filme rodado em total intimidade com a ECA-USP, onde lecionávamos Capovilla, Bernardet (que faz uma ponta), Paulo Emilio, Roberto Santos e eu. A própria câmera, top de linha da Arriflex, era uma aquisição recente da escola e vinha dotada de lente grande-angular, que usamos à vontade. Da equipe participaram vários alunos da primeira turma da ECA, entre eles Aloysio Raulino. Os futuros fotógrafos Antonio Meliande e Cláudio Portioli também estavam no time, onde conviviam em perfeita harmonia as turmas da Boca do Lixo e da USP. Trabalhei em diálogo permanente com o cenógrafo Flávio Império, que vinha do Teatro de Arena e do Oficina. E José Mojica Marins, no papel do faquir Ali Khan, era um caso à parte. Uma das maiores preocupações da equipe era não quebrar as unhas enormes do Zé do Caixão”.
“O assistente de direção era Hermano Penna, com quem eu teria uma parceria estimulante que culminou com a concepção de Iracema. Na época, o Hermano estava coletando materiais para um documentário sobre o mito do Divino, que mais tarde renderia um Globo Repórter”.
“[...] Alguns momentos da filmagem de O profeta da fome foram registrados por Carlos Reichenbach e estão no prólogo do filme Audácia!, que ele considera ‘um dos primeiros making-of do cinema brasileiro’”.
“Por esse trabalho, eu receberia o prêmio Coruja de Ouro do Instituto Nacional de Cinema e um prêmio em Edimburgo, além do diploma de Ulm. Melhor que tudo isso, ganhei autoconfiança e visibilidade. A partir dali, eu estava, digamos, no mercado”.
Trecho inicial adaptado do site do Cinusp. Depoimento de Bodanzky extraído da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
Programação
IMS Paulista
8/6, sábado, 18h
12/6, quarta, 20h
Os Mucker
Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil, Alemanha | 1978, 105’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira, com coordenação de Debora Butruce) | Classificação indicativa: 14 anos
No final do século 19, no interior do Rio Grande do Sul, uma família de imigrantes alemães liderada por Jacobina resolve formar uma comunidade inspirada nas escrituras bíblicas, isolada das demais e autossuficiente. Logo a comunidade dos Muckers começa a incomodar os católicos e protestantes da região, que os acusam de vários crimes, até que são massacrados por forças do governo.
Em sua biografia, Bodanzky narra em detalhes desde a origem de seu terceiro longa-metragem, produzido pela rede de TV alemã ZDF, até sua circulação: “Lena nos trouxe uma série de reportagens assinadas por Sérgio Coelho em O Estado de S. Paulo, em 1973, que despertou meu interesse para a história dos Mucker. Os colonos de origem alemã, descendentes dos fiéis da seita fundada pela mística Jacobina Mentz Maurer, na região de Sapiranga (RS), ainda dissimulavam suas raízes por causa de um estigma poderoso. A expressão ‘mucker’ (santarrões, fanáticos) equivalia a um xingamento. Muitos não viviam mais na relativa miséria dos seus ascendentes, acuados e massacrados pela polícia em agosto de 1874, após uma guerra fratricida com outros colonos. Ao contrário, enriqueceram e tratavam o episódio como algo que desabonava sua imagem”.
“[...] Já em 1977, em companhia de Wolf e Otto Engel, visitei Novo Hamburgo, Sapiranga e Campo Bom, onde viviam os descendentes dos Mucker. Fizemos uma convocação ostensiva através de rádios e jornais. A princípio, eles se negavam a revolver essa parte do passado, que se assemelhava mais ao episódio de Canudos que às boas tradições de cepa germânica. Os avós do Wolf são da região original dos antecedentes dos Mucker (Nordpfalz e Hunsrück), na região do Mainz. Ele falava o dialeto hunsrück, então quase desaparecido na própria Alemanha. Essa identificação ajudou a quebrar as resistências iniciais”.
“[...] Aos poucos, fomos localizando os descendentes diretos pelos sobrenomes e obtendo sua adesão à nossa proposta. Desde cedo abandonamos a hipótese de uma reconstituição convencional com atores conhecidos. Queríamos que os próprios camponeses fizessem os papéis de seus antepassados, sem alterar o seu estilo de vida rural, ainda muito semelhante ao do século 19. E, naturalmente, que se expressassem no dialeto deles. [...] Todo o roteiro foi discutido e afinado com pessoas do lugar. Jacobina era uma lenda muito viva na memória delas, assim como a perseguição sofrida por sua filha e por todos os que tinham Mucker na família. O papel de Jacobina era um dos poucos a requerer uma atriz profissional. Mas tinha que ser alguém ligado à região e que pudesse falar o dialeto. Por sorte, vimos Marlise Saueressig numa peça do Teatro de Arena de Porto Alegre. Gostamos de sua atuação e do seu porte físico. Para nossa surpresa, ela também era uma descendente de Mucker e nos ajudou muito na concepção do filme, na adequação das falas, no contato com os camponeses etc”.
“[...] Filmamos em diversas casas da época de Jacobina. A cidade inteira participou da produção, cedendo roupas, móveis, utensílios e carroças para a cenografia, afinando as falas e detalhes das cenas. Os camponeses escolhidos para o elenco estavam representando a si mesmos ou algo muito próximo do que eram. Eles é que davam as palavras finais aos seus diálogos. Em grande parte, escolheram os próprios papéis. [...] Não havia exatamente uma preparação de atores. Deliberadamente, preferíamos que os colonos não ‘atuassem’. Wolf, encarregado dessa parte da direção, passava-lhes as orientações básicas sobre espaço e relação com a câmera [...]. Àquela altura, uma curiosa inversão já ocorrera: em lugar de resistirem à ideia do filme, como no início, eram eles que nos procuravam, orgulhosos de serem Mucker”.
“[...] Paulo César Pereio e José Lewgoy representavam a oficialidade brasileira no episódio. Ao papel do cafajeste Capitão Dantas, Pereio aportava sua proverbial ironia e ajudava a distanciar um pouco as coisas do século 19 e evocar fatos que se repetem no Brasil constantemente. [...] Nossa proposta nada tinha a ver com os épicos históricos então em voga no cinema brasileiro. Era uma produção simples, filmada em 16 mm com o mesmo equipamento que tínhamos usado nos dois longas anteriores. A história de Jacobina continuava muito imprecisa, e nós não pretendíamos esclarecê-la de vez. Queríamos ser imparciais sem nos omitir. Mais que um relato fiel dos acontecimentos, estávamos interessados na interpretação deles”.
“A simplicidade estendia-se à banda sonora, formada unicamente de ruídos do ambiente e sons da floresta, captados em som direto por Ismael Cordeiro, sem trilha musical. Som direto de época é sempre um grande desafio técnico. [...] Acho que fiz ali um dos meus melhores trabalhos de iluminação, justamente porque trabalhei com muitas cenas noturnas e pouquíssima luz, procurando ser fiel às condições em que eles viviam no século 19”.
“Ao contrário de Iracema e Gitirana, Os Mucker foi revelado, montado, finalizado e teve seu negativo ampliado para 35 mm no Brasil. Para mim, a normalidade era uma bela novidade. Iracema e Gitirana permaneciam no limbo dos cineclubes, enquanto Os Mucker chegava ao seu destino sem percalços. O filme estreou no Festival de Gramado, em janeiro de 1979, com muitos “Muckers” envaidecidos na plateia e os prêmios de Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Cenografia. Passou em mostras internacionais de cinema no Rio e em São Paulo antes de ser lançado nos cinemas, a partir de abril de 1979. As críticas foram excelentes e, com apenas quatro ou cinco cópias, apesar da distribuição precária da Embrafilme, fizemos cerca de 140 mil espectadores”.
Depoimento de Bodanzky extraído da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
Programação
IMS Paulista
11/6, terça, 20h
15/6, sábado, 18h
As aventuras de Igor na Antártica
Jorge Bodanzky | Brasil | 1987, 45’, Arquivo Digital (Acervo do Bodanzky) | Classificação indicativa: Livre
As aventuras de um menino de três anos que viaja de veleiro até a Antártica em companhia dos pais. Lá ele faz amizade com focas e pinguins.
Segundo Bodanzky, em depoimentos para a biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos, o projeto deste musical infantil surgiu da aproximação com a família Belli, velejadores que o cineasta conheceu durante a gravação de um episódio do Globo Repórter. Os Belli viajavam para a Antártica todos os anos. Interessado em se juntar a eles, Bodanzky elaborou este projeto em coprodução com a TV Manchete: “Antes da viagem principal, passei uma semana me familiarizando com os Belli e seu barco, ancorado na baía de Valdez [...]. Desde o começo, sabia que não faria exatamente um documentário, mas um filme de viagem centrado no garoto Igor, filho do casal, então com três anos, duas viagens à Antártica e uma precoce intimidade com focas, pinguins e o cenário de gelo”.
“Nosso roteiro era guiado pelas visitas a bases dos diversos países, algumas parcialmente abandonadas. Oleg conhecia muito bem a regra segundo a qual, na Antártica, o que está abandonado é de todo mundo. Então nos abastecíamos de óleo diesel e víveres nas despensas dessas bases. Encontramos macarrão e chá deixados havia mais de 50 anos, mas ainda perfeitamente conservados devido à temperatura inferior a zero grau”.
“Outra semelhança da Antártica com o paraíso é que os bichos estão lá e não têm medo dos homens. Ora apareciam baleias, ora elefantes-marinhos. Igor brincava com os pinguins e os cormorões. E vinham as focas, os golfinhos. A ação era intensa e, na maioria das vezes, imprevista. Por vezes, escalei o mastro do barco para filmar baleias com minha V-8. A liberdade do vídeo nos possibilitou coletar um grande material da fauna antártica, que depois vendemos para diversas televisões. Aprendi inúmeros macetes para filmar animais. As focas, por exemplo, ficam nervosas se as abordamos interpondo-nos entre elas e o mar. Devemos nos abaixar o máximo possível para que elas não se sintam ameaçadas por nossa altura”.
“Filmávamos tudo o que acontecia, às vezes no estilo de observação, às vezes dirigindo o Igor em algumas ações. Dirigindo, até certo ponto. O que contava era a espontaneidade do menino, sua total falta de inibição diante da câmera. Filmei-o tomando um guaraná Antarctica, na vã esperança de fechar uma negociação de merchandising. [...] Em matéria de merchandising, éramos realmente muito amadores”.
“Lidar com a baixa temperatura exigia muita paciência. Os contatos do equipamento oxidavam-se com facilidade. A câmera tinha que ser mantida dentro do barco para evitar o congelamento da graxa e a danificação das fitas. Quando a retirávamos para uma situação inesperada, tínhamos que esperar as lentes se desembaçarem. Em compensação, a luz da Antártica é lindíssima. Para onde quer que se aponte a câmera, a imagem é maravilhosa. Existe lá um vale tão bonito que foi apelidado de ‘Kodak Valley’”.
“O material gravado na Antártica precisava agora de um tratamento que o tornasse interessante para o público infantil. Pedi a Sylvia Orthof que o assistisse e criasse uma história. Adotamos, então, um processo pouco usual: o texto foi criado a partir das imagens, e a montagem foi feita em conformidade com o texto. Assim eu avançava na proposta de fantasiar a realidade, em vez de meramente documentá-la ou explicá-la didaticamente. Sylvia aproveitou todas as sugestões do material bruto”.
“De posse do texto em versos, convidamos o músico Aécio Flávio para transformar alguns trechos em canções. As filhas dele fizeram os vocais e as vozes dos bichos. O ator Othon Bastos gravou a narração. Todo o trabalho de montagem foi feito na TV Manchete por Ronaldo Ferreira, um dos editores da série Armação ilimitada, com produção de Cláudio Pereira, da Intervídeo”.
“As aventuras de Igor na Antártica foi ao ar pela primeira vez em julho de 1987. Bem pode ter sido o primeiro musical infantil feito em vídeo no Brasil. E certamente foi o primeiro tratamento ficcional da Antártica para crianças. Eu tinha em casa a espectadora ideal, minha filha Alice, então com quatro anos”.
“Se a Intervídeo e nossos parceiros franceses tivessem continuado no barco, teríamos feito uma série de aventuras de Igor, em cenários como a Amazônia, o Pantanal e as Malvinas. Só não levaríamos o garoto para a cidade. Em terra firme sua desenvoltura e perícia eram nulas. Num shopping center, por exemplo, Igor com frequência perdia o equilíbrio e se esborrachava no chão. Morria de inveja da Alice, que vivia num prédio com elevador”.
Citação extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
Programação
IMS Paulista
16/6, domingo, 18h15
18/6, terça, 20h
Transanarquia
Jorge Bodanzky | Brasil | 2011, 59’, Arquivo digital (Heco Produções) | Classificação indicativa: 14 anos
“Criar meu web site, fazer minha homepage. Com quantos gigabytes se faz uma jangada e um barco que veleje?”
Um documentário em formato de show/debate, que toma como fio condutor a canção “Pela internet”, de Gilberto Gil, e convida uma série de pensadores e especialistas em comunicação a debater o nascimento da cibercultura. Entre os convidados, estão o próprio Gil e o filósofo e sociólogo Pierre Levy.
Programação
IMS Paulista
19/6, quarta, 20h
23/6, domingo, 18h
Ruivaldo, o homem que salvou a terra
Jorge Bodanzky e João Farkas | Brasil | 2019, 45’, Arquivo digital (Mog Produtora) | Classificação indicativa: 14 anos
No Brasil, no estado de Mato Grosso do Sul, na região do rio Taquari, o crescente e contínuo assoreamento dos rios levou ao transbordamento de águas e inundações de terras ao longo dos anos, causando mudanças significativas na vida de seus habitantes. Isso tornou impossível cultivar o solo e criar gado, um meio de subsistência para as famílias locais. Um membro dessas famílias, Ruivaldo Nery Andrade, luta para salvar sua fazenda, construindo um sistema de diques manual para conter e alterar o curso das águas invasoras e, assim, retomar suas atividades e garantir a sobrevivência da terra. Com entrevistas locais e conduzido pelo fotógrafo João Farkas, que fotografa o Pantanal há seis anos, o filme mostra a riqueza da região e também como a trajetória de vida de Ruivaldo e de outros foi afetada pela tragédia ambiental e a luta para reverter essa situação.
Programação
IMS Paulista
22/6, sábado, 18h
26/6, quarta, 20h
As cores e amores de Lore
Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 80’, DCP (Embaúba Filmes e Espaço Líquido) | Classificação indicativa: 14 anos
Um dos mais recentes filmes de Jorge Bodanzky, As cores e amores de Lore narra a vida da pintora alemã Eleonore Koch, única discípula de Volpi, que, radicada no Brasil desde a Segunda Guerra, viveu livre e intensamente, sempre dedicada à sua arte. Feito a partir de uma série de encontros que o diretor manteve com a pintora, o filme retrata os seus últimos anos de vida. Conversas e registros cotidianos em torno do armário de tintas, na companhia de suas telas, pincéis, livros, fotos e da correspondência que trocou com uma série de personalidades importantes da cultura brasileira: Jorge Amado, Paulo Emilio Salles Gomes, Theon Spanudis, Mario Schenberg, entre outros.
”Lore é uma personagem fascinante. Ela teve uma vida intensa, marcada por muita liberdade, como poucas mulheres de sua geração. A intenção do filme não é construir um apanhado biográfico ou histórico da artista, mas compor um retrato sensível e contemporâneo de seus pensamentos ao final da vida”, relata Bodanzky. “Lore se dividiu entre as pinturas e os amores. Nunca se casou e não teve filhos, tendo escolhido a independência para se dedicar inteiramente ao trabalho. Acredito que o mundo tenha mudado um pouco nesse aspecto para as mulheres de hoje, mas para ela foi uma escolha de vida. Daí o título do filme As cores e amores de Lore”.
Depoimento de Bodanzky extraído do material de imprensa do filme.
Programação
IMS Paulista
29/6, sábado, 18h
Meu barco é veleiro + O Muiraquitã + Tenta louvar o mundo mutilado + Limites do diáfano
Classificação indicativa da sessão: Livre
Meu barco é veleiro
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 14’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Jorge Bodanzky é, em grande medida, um realizador viajante. O movimento constante é um traço de seu processo criativo, que incide por registros tanto pessoais quanto de projetos diversos que constituem a base para Meu barco é veleiro. Observações e experiências por continentes diversos, em uma espécie de romance de formação improvisado, no qual as paisagens humanas revelam a constituição de um olhar.
O Muiraquitã
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 20’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Os percursos de um cineasta-viajante por paisagens sociais e culturais brasileiras atravessadas pelo furacão da modernização autoritária que a ditadura militar impôs: povos indígenas, cavalhadas, migrantes. Através da câmera-olho de Jorge Bodanzky, vemos as múltiplas faces da borrasca que atinge os modos de vida das populações tradicionais e suas práticas vistas.
Tenta louvar o mundo mutilado
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 18’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
A trajetória cinematográfica de Jorge Bodanzky é profundamente marcada pelo seu convívio com o jornalismo e a reportagem documental. Tenta louvar o mundo mutilado reconstitui alguns dos seus mais importantes trabalhos nessa seara, com registros que vão desde as ditaduras latino-americanas às expressões religiosas de matriz africana no Brasil.
Limites do diáfano
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 9’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.
Programação
IMS Paulista
9/6, domingo, 18h15
30/6, domingo, 18h
Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Hitler IIIº mundo
José Agrippino de Paula | Brasil | 1968, 90’, 16 mm (Cinemateca do MAM) | Classificação indicativa: 14 anos
Paranoia, culpa, miséria e tecnologia no país subdesenvolvido. Narrativa fragmentária, enquadramentos distorcidos, gritos e ruídos. O nazismo toma conta da cidade de São Paulo: prisão e tortura de revolucionários, um samurai perdido no caos, amantes trancafiados, um ditador e seu bando. Hitler IIIº mundo é considerado um dos filmes mais influentes do cinema marginal.
Na biografia de Bodanzky em primeira pessoa, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de conversas com o cineasta, ao descrever os filmes em que trabalhou como fotógrafo no período, ele declara: “De todas as experiências dessa fase, a mais radical foi sem dúvida a de Hitler IIIº Mundo. E para falar dela preciso reportar-me à convivência com seu autor, o incomparável José Agrippino de Paula. Ele se diferenciava dos mais engajados politicamente, como João Batista. Sua proposta era de viver o estado da arte, inspirando-se no The Living Theatre. [...] Fosse nas atitudes mais anticonvencionais, fosse no intenso debate cultural que fomentava, o Agrippino fez a cabeça de toda uma geração naquele momento em São Paulo, inclusive a minha. Vale a pena ler o que Caetano Veloso escreveu sobre a sua ‘inteligência sui generis’ em Verdade tropical.”
“Agrippino tinha acabado de lançar o romance Panamerica, uma moderna epopeia recheada de alusões a celebridades e situações do cinema norte-americano. Resolveu, então, dirigir um filme sem nunca ter pensado seriamente em cinema. Na verdade, para ele, fazer literatura, teatro, cinema ou um happening era a mesma coisa. Em Hitler IIIº mundo, Agrippino simplesmente criava as coisas diante da câmera e deixava que eu resolvesse o resto: produção, decupagem, fotografia, sonorização posterior etc. Depois de inventar a cena, eu ficava filmando com inteira liberdade, e ele se afastava às gargalhadas. Se o filme tivesse som direto, ouviríamos seu riso na maior parte do tempo.”
“Hitler não é uma adaptação, mas um filme paralelo ao Panamerica. Feito sem roteiro e difícil de reduzir a uma sinopse, tem, contudo, uma coerência subterrânea na sua exótica mistura de política, sexo, violência e referências místicas. Foi rodado durante mais de um ano. [...] Tudo dependia de conseguirmos algum negativo, pessoal e condições de filmagem. Eu guardava pontas de chassi dos outros filmes que fazia até juntar o bastante para o trabalho de um dia. Pegava uma câmera em dia de folga de outra produção e ligava para o Agrippino. Ele então criava a cena de acordo com os atores que pudéssemos reunir. Batíamos na porta das pessoas e as chamávamos para filmar.”
“[...] Esse sentido de aventura era absolutamente instigante. Podíamos inventar desde as tomadas de rua em que a câmera gira sobre o próprio eixo até a inusitada sequência do Homem de Pedra, um personagem de quadrinhos que Agrippino criou, fantasiando um ator com placas de isopor. A certa altura do filme, o Homem de Pedra ameaça atirar-se do topo de um prédio próximo ao viaduto do Chá. A equipe ficou no viaduto apontando para o alto, até que uma multidão se formasse, interrompendo o trânsito. Dessa vez, nosso plano de filmagem contou com a chegada da polícia. Pedimos, então, aos policiais, que nos ajudassem na filmagem da prisão do Homem de Pedra. Muito solícitos para fazer o seu próprio papel, eles subiram até o terraço, procederam à captura e eu filmei até a porta do camburão sendo fechada, de dentro do veículo.”
“[...] A dublagem e a sonorização foram feitas na ECA, fora dos horários de aula. Na montagem do negativo, o laboratório colocou a faixa de som ao contrário em cerca de 10 minutos de filme, o que fazia os diálogos soarem ao revés. Agrippino achou genial e incorporou o acidente à sua estética.”
Citação extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
Limites do diáfano
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 9’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: 14 anos
Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.
Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foram elaborados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti em quatro curtas-metragens inéditos, que serão apresentados ao longo da mostra As câmeras de Bodanzky. A realização desses filmes é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles, com produção de Vasto Mundo & Errante.
Programação
IMS Paulista
11/5, sábado, 18h
21/5, terça, 20h
No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado
Classificação indicativa da sessão: Livre
No meio do rio, entre as árvores
Jorge Bodanzky | Brasil | 2009, 73’, Arquivo Digital (Acervo do artista) | Classificação indicativa: Livre
O documentário é resultado de uma expedição ao Alto Solimões, que ministrou oficinas de vídeo, circo e fotografia às comunidades ribeirinhas dentro de reservas ambientais. Com o conhecimento adquirido, os próprios alunos começam a registrar as suas vidas cotidianas, destacando tanto a beleza natural da região quanto as consequências negativas da exploração econômica dos recursos disponíveis. O filme junta o olhar e as imagens de Bodanzky ao olhar e imagens dos ribeirinhos.
Tenta louvar o mundo mutilado
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 18’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
A trajetória cinematográfica de Jorge Bodanzky é profundamente marcada pelo seu convívio com o jornalismo e a reportagem documental. Tenta louvar o mundo mutilado reconstitui alguns dos seus mais importantes trabalhos nessa seara, com registros que vão desde as ditaduras latino-americanas às expressões religiosas de matriz africana no Brasil.
Programação
IMS Paulista
18/5, sábado, 16h
28/5, terça, 20h
Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Igreja dos oprimidos
Jorge Bodanzky e Helena Salem | Brasil, França | 1985, 75’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados no Arquivo Nacional, com coordenação de Debora Butruce) | Classificação indicativa: 14 anos
Rodado no sul do Pará, em Conceição do Araguaia, região de graves conflitos de terra. Com vigor preciso e apaixonado, o filme narra a saga de fraternidade e de esperança que uniu os movimentos eclesiais de base e os camponeses pobres da região, em defesa do direito à posse da terra.
“A atuação da igreja progressista na Amazônia ainda era muito forte em 1985, quando dirigi com Helena Salem o documentário”, comenta Bodanzky na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos. “Antes mesmo de adotar o livro homônimo da Helena como base de trabalho, eu já havia pensado num filme que partisse de uma ‘nova missa’ da Teologia da Libertação para enfocar as particularidades e o destino de cada pessoa que ali estivesse. A ideia me surgira ao fazer um trabalho no Ceará, quando assisti à missa celebrada por um padre austríaco à sombra de uma grande árvore.
Tinha ficado comovido com o despojamento da cena, aqueles camponeses e Deus lá em cima, sem templo, sem imagens de santos, como no início da Igreja Católica.”
“Uma convergência de propósitos reuniu a mim, Helena, a produtora Lucíola Villela e o padre Ricardo Rezende, de Conceição do Araguaia (sul do Pará). [...] Padre Ricardo tinha sobrevivido a cinco atentados e exercia um papel de liderança nas comunidades eclesiais de base do Norte brasileiro. A Teologia da Libertação começava a ser perseguida e duramente combatida pela ala conservadora da Igreja. [...] Padre Ricardo, presente como uma espécie de explicador, celebrou a missa que ocupa o núcleo central do filme. Afora seus depoimentos, evitamos fazer um desfile de padres e bispos, preferindo dar voz ao povo e a personagens da luta pela terra.”
“Não faltaram questões polêmicas, como a defesa, por um agente pastoral, das queimadas feitas pelos camponeses. Mostrando isso, não estávamos tentando justificar ‘a queimada do bem’, mas expondo as razões de sobrevivência daquela gente.”
“Entrevistamos, em sua própria casa, o pistoleiro Sebastião da Terezona, um assassino confesso, livre e orgulhoso, cercado de quadros religiosos nas paredes. Filmamos o corpo de um soldado morto num conflito em Redenção. Apesar das nossas convicções políticas, pretendíamos abrir espaço para os dois lados da guerra. Mas, à exceção de um sindicalista patronal que insinuou o recurso à violência, não foi fácil ouvir o outro lado.”
“[...] Em Igreja dos oprimidos eu não fiz a câmera, o que é muito sofrido para mim. A L.C. Barreto assinou um contrato de coprodução com a Société Française de Production, visando principalmente a pós-produção do filme. Mas eles conseguiram impor o fotógrafo Serge Guitton, que tinha um estilo mais rígido e lento, com câmera no tripé. É claro que o orientei na medida do possível, mas não é a fotografia que eu faria. De qualquer forma, isso não foi conflitante e a equipe era bem coesa. Helena Salem, muito doce mas também muito ativa e politizada, usava suas relações para criar um ambiente favorável à nossa entrada com a câmera.”
“[...] Rodamos durante três semanas com uma equipe de cinco pessoas. O produtor delegado era Louis Mollion, que já tinha vindo ao Brasil e até velejado no meu barco. Acompanhei a montagem e finalização em Paris, onde o filme estreou na TF1 em horário nobre, excepcionalmente na versão integral (75 minutos), em setembro de 1986. Um mês antes, fora exibido ao papa João Paulo II e integrado ao acervo da cinemateca do Vaticano. Não tenho dúvida de que o filme surgiu num momento oportuno para a discussão da Igreja da Libertação. No Brasil, ganhou a Margarida de Prata da CNBB e rodou o circuito dos cineclubes, com temporadas no Estação Botafogo, no Rio, e no Oscarito, em São Paulo. Foi exibido nos festivais de Cannes, Havana e Montreal, entre outros.”
O Muiraquitã
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 20’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Os percursos de um cineasta-viajante por paisagens sociais e culturais brasileiras atravessadas pelo furacão da modernização autoritária que a ditadura militar impôs: povos indígenas, cavalhadas, migrantes. Através da câmera-olho de Jorge Bodanzky, vemos as múltiplas faces da borrasca que atinge os modos de vida das populações tradicionais e suas práticas vistas.
Programação
IMS Paulista
18/5, sábado, 18h
23/5, quinta, 20h
Utopia/distopia + Meu barco é veleiro
Classificação indicativa da sessão: Livre
Utopia/distopia
Jorge Bodanzky | Brasil | 2020, 72’, DCP (Produtor Bruno Caldas) | Classificação indicativa: Livre
Jorge Bodanzky recorre às memórias afetivas do período em que cursou a Universidade de Brasília para apresentar um painel da juventude na década de 1960, com seus sonhos e suas expectativas, suas crises e seus projetos interrompidos.
Para Bodanzky, que frequentou a Universidade de Brasília nos anos que seguiram a sua fundação, a UnB representava o projeto de construção de um novo Brasil: desde a arquitetura, passando pela integração entre as áreas do conhecimento, a reunião de estudantes de todo o país com professores de renome internacional. Em entrevista à Ponte Jornalismo, afirma que foi Darcy Ribeiro o articulador político para que esse projeto se concretizasse: “Ele era muito articulado politicamente e era muito ligado ao presidente João Goulart. Foi num ato de distração da Câmara que acabaram aprovando o projeto de uma instituição como essa. A verdade é que a proposta original da UnB era tão revolucionária que até hoje nenhuma universidade brasileira foi a sombra do que ela foi.”
O golpe militar de 1964, no entanto, interrompeu brutalmente o projeto recém-nascido. À Ponte, Bodanzky analisa: “Os militares interferiram em outras universidades e em organizações estudantis como a UNE. Mas nunca com a mesma violência e rapidez com que fizeram com a UnB. Essa foi a única instituição de ensino superior fechada por eles.”
Em Utopia/distopia, o sonho dessa UnB e sua subsequente destruição são narrados de forma indissociável da vida do próprio diretor. Em sua biografia escrita por Carlos Alberto Mattos, já estava posto: “Esse período em Brasília foi a minha descoberta do Brasil e da cultura brasileira. Até então, eu tinha certa pretensão intelectual, mas não um sentimento de grupo. Seguia a onda, era de esquerda porque tinha mesmo de ser. Em Brasília, adquiri a visão de mundo que determinou tudo o que eu faria a seguir. Posso dizer que minha vida se fundou ali, junto com a universidade.”
Depoimentos extraídos da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso e da matéria Direitos em Cena | ‘Utopia Distopia’: uma universidade de vanguarda, do site Ponte Jornalismo.
Meu barco é veleiro
Ewerton Belico & Irmãos Pretti - a partir do acervo de Jorge Bodanzky | Brasil | 2024, 14’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: Livre
Jorge Bodanzky é, em grande medida, um realizador viajante. O movimento constante é um traço de seu processo criativo, que incide por registros tanto pessoais quanto de projetos diversos que constituem a base para Meu barco é veleiro. Observações e experiências por continentes diversos, em uma espécie de romance de formação improvisado, no qual as paisagens humanas revelam a constituição de um olhar.
Programação
IMS Paulista
14/5, terça, 20h
25/5, sábado, 18h
Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari
Classificação indicativa da sessão: 14 anos
Limites do diáfano
Direção, fotografia e câmera: Jorge Bodanzky; roteiro: Ewerton Belico; montagem: Irmãos Pretti | Brasil | 2023, 9’, DCP (Acervo IMS) | Classificação indicativa: 14 anos
Como ver livremente diante da opressão generalizada? Limites do diáfano compila alguns dos materiais em super-8 realizados por Jorge Bodanzky durante a ditadura militar, articulando materiais domésticos, experimentos com o suporte cinematográfico e os vestígios, em suporte amador, de algumas de suas obsessões temáticas e estilísticas. Limites do diáfano coleta alguns fragmentos que insinuam um possível perfil dos modos de ver que Jorge Bodanzky constituiu ao longo das últimas décadas.
Em uma iniciativa do Cinema do IMS, o acervo de Jorge Bodanzky depositado no IMS, sobretudo seus filmes super-8 feitos em contextos diversos (ambiente doméstico, viagens a trabalho, estudo para filmes) foram elaborados e editados pelos cineastas Ewerton Belico, Luiz Pretti e Ricardo Pretti em quatro curtas-metragens inéditos, que serão apresentados ao longo da mostra As câmeras de Bodanzky. A realização desses filmes é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles, com produção de Vasto Mundo & Errante.
Caminhos de Valderez
Jorge Bodanzky e Hermano Penna | Brasil | 1971, 23’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos
Desde o início de sua fundação, Brasília mostrou-se em sua dupla face: de um lado, a cidade arrojada e utópica e, de outro, um espaço em que sua diversificada população podia explorar o misticismo e a espiritualidade. O filme tenta analisar as razões disso, retratando a jovem Valderez, que, paralelamente a uma vida civil comum, desenvolvia atividades no campo espiritual. A ditadura imperava, e eram vários os mecanismos para driblar sua presença maciça. O filme pode ser visto como um ensaio para o Iracema, com sua linguagem inovadora e a fusão de documentário e ficção.
Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, a partir de pesquisa e uma série de conversas e entrevistas com Bodanzky, Carlos Alberto Mattos conta a vida do cineasta em primeira pessoa. Sobre Valderez, realizado quando o cineasta já colaborava com a televisão alemã, o livro relata: “A saudade de Brasília fez com que eu a escolhesse para cenário do meu primeiro ensaio de direção cinematográfica. O tema de Caminhos de Valderez nasceu de minhas observações, à época da UnB, sobre a tendência de fuga para o misticismo entre a população brasiliense. Já naquela época, Brasília e seus arredores eram um grande celeiro místico e esotérico, apinhado de cartomantes, fanáticos, terreiros de umbanda, o Vale do Amanhecer, a Cidade Eclética etc. Todos os meus amigos, e até a minha prima Sylvia Orthof, tinham alguma ligação com aquele mundo.”
“Hermano Penna e eu, que juntos roteirizamos e dirigimos o filme em 1971, queríamos retratar essa dualidade de Brasília não com um documentário puro e simples, mas através de uma personagem ficcional que a representasse. Alguém que tivesse uma existência civil comum e uma atividade paralela no campo do misticismo. Sylvia indicou uma aluna de seu grupo de teatro, Valderez Reis, moça bonita e interessante, que tinha laços com a umbanda. Criamos com ela uma personagem-homônima, dona de casa, esposa de funcionário público e mãe de dois filhos, que tinha um lado identificado com o fantástico. Em parte, o filme documenta elementos do cotidiano real de Valderez, inclusive o terreiro que ela frequentava, com boa dose de improviso no processo. Mas também ficcionalizamos a narrativa, inserindo a personagem em outros contextos místicos e criando sua vida de mãe de família. [...] Havia também um fundo político. Valderez via-se perseguida por um grupo de policiais e mal conseguia escapar. Parecia atingida por um trauma político que poderia ser real ou fruto de sua imaginação. A ideia era retratar o clima de opressão e mostrar como as pessoas se alienavam por meio da religião.”
“A essa altura, eu já estava certo de preferir o cinema à fotografia. A cumplicidade e a criação em equipe me agradavam bem mais que o trabalho solitário do fotógrafo. [...] Daí veio o desejo de dirigir meus próprios filmes, em vez de apenas fotografar os dos outros. A ideia de buscar uma interação entre documentário e criação ficcional me apaixonava desde que tomei contato pela primeira vez com os filmes de Jean Rouch e John Cassavetes. Admirava o humor de Rouch e a naturalidade com que ele conduzia não atores em seus filmes africanos. No Cassavetes de Husbands [Os maridos], 1970, por exemplo, impressionavam-me o despojamento com que ele filmava os atores profissionais, a maneira como eles improvisavam e a câmera, que os flagrava de maneira quase documental. Outro filme que me marcou nessa época foi The Harder They Come (Balada sangrenta), 1972, de Perry Henzell, que lançou a música reggae no mundo e reencenou experiências da vida de Jimmy Cliff. Eram todos filmes de câmera leve, com ênfase nos planos-sequência e acentos documentais.”
Jari
Jorge Bodanzky e Wolf Gauer | Brasil | 1979, 58’, DCP (Arquivo inédito produzido no laboratório Link Digital a partir de materiais depositados na Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 14 anos
O documentário acompanha os parlamentares designados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a devastação da Amazônia, na região do polêmico Projeto Jari, de Daniel Ludwig, milionário americano que investia na região. O filme debate o processo de industrialização da Amazônia, mostrando os aspectos contraditórios daquilo que pretendia ser o maior empreendimento privado da região.
Na biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos a partir de relatos do cineasta, é descrita a origem e a repercussão do filme: “Todo um novo capítulo do meu trabalho na Amazônia começou no dia em que conheci o senador Evandro Carreira, do MDB. Ele me procurou solicitando algumas imagens de Iracema para apresentar numa entrevista à TV Bandeirantes. Embora achasse o pedido um tanto insólito, cedi, porque vi nele uma figura interessante. Seu discurso sobre a Amazônia tinha uma qualidade utópica, mas era coerente, corajoso e bastante diferenciado do que se propunha para a região naquele momento. [...] O Senador “Pororoca” – como o chamavam devido à prolixidade – era contraditório, espalhafatoso, fazia uma política antiquada, mas conhecia profundamente seu território e demonstrava preocupações legítimas. Tanto que estava prestes a visitar o Projeto Jari, como integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito da devastação da Amazônia.”
“Eu e Wolf logo acertamos com ele a realização de um filme sobre essa viagem. Conhecer in loco o controvertido Projeto Jari era sonho de quase todo jornalista brasileiro na época. Tudo era muito controlado, o acesso era complicado. Um gigantesco complexo de extração de madeira e fabricação de celulose estava implantado às margens do rio Jari, na divisa entre o Pará e o Amapá. [...] Ao fim da visita oficial, decidimos ficar por nossa conta e risco, apesar da insistência dos administradores da usina para que partíssemos junto com os políticos. Percebemos certo mal-estar. Disseram que não se responsabilizariam por nós a partir dali. Mesmo assim, resolvemos arriscar.”
“Um dos engenheiros, corajosamente, nos ofereceu hospedagem e nos levou no seu carro para documentarmos o outro lado do Jari. [...] Bastava afastar-se 300 metros daquela fábrica com tecnologia de ponta para se dar de cara com o Brasil real: uma imensa favela de palafitas, coalhada de gente miserável e de prostitutas, onde a lei parecia não chegar. Desvinculados dos políticos e da diretoria do projeto, não tivemos dificuldade em colher bons depoimentos sobre a situação dos operários, em grande parte imigrantes nordestinos, suas queixas das condições de trabalho e de alimentação, o xadrez privado para aqueles que reclamavam, malária, assassinatos, exploração pelo comércio do Beiradão. Nas entrevistas, eu e Wolf captamos também o medo de falar, as especulações sobre um patrão cujo rosto quase ninguém via.”
[...]“Já na montagem, antecipamos a destinação que o filme deveria ter: a de ser um instrumento de debate sobre a industrialização da Amazônia. Confrontamos depoimentos contraditórios, expusemos a falácia de quem defendia a exploração irresponsável da floresta e da mão de obra. [...] Já a partir de maio de 1980, tínhamos entre 15 e 20 cópias circulando constantemente através da distribuidora Dinafilme. Jari foi um dos poucos filmes concebidos e realizados especificamente para o circuito alternativo. A televisão da época não absorveria um filme com tal conteúdo crítico. Nos cinemas, não havia espaço para um média-metragem documental em 16 mm. O filme foi exibido no Senado e na Escola Superior de Guerra. [...] Evandro Carreira e Modesto da Silveira usaram Jari em suas campanhas com nosso pleno consentimento.”
“O filme se propunha a ser uma arma política e, portanto, quanto mais fosse exibido e usado, melhor. As projeções se sucediam em cineclubes, universidades, sindicatos, associações de classe e assembleias legislativas de vários estados, além dos comitês do Movimento de Defesa da Amazônia. Era muito estimulante ver como o trabalho chegava ao público e gerava debates amplos, muito além do conteúdo do filme. Cerca de 200 mil pessoas viram Jari naquele momento, quando a televisão, de maneira geral, ignorava solenemente a realidade brasileira.”
Programação
IMS Paulista
23/4, terça, 19h
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Ewerton Belico e Kleber Mendonça Filho
27/4, sábado, 17h30
Compasso de espera
Antunes Filho | Brasil | 1969, 98’, 35 mm (Cinemateca Brasileira) | Classificação indicativa: 16 anos
O poeta e publicitário Jorge de Oliveira é apadrinhado pelo dr. Macedo Alves, ex-patrão de sua mãe. Distante de sua família, Jorge tem uma vida confortável e mantém um romance com Emma, uma mulher branca bem mais velha e sua chefe na agência de publicidade. Jorge conhece Cristina, uma jovem branca da tradicional família Marcondes Lima, apaixona-se perdidamente e é correspondido, porém não consegue desvencilhar-se de Emma.
Compasso de espera é um dos primeiros filmes brasileiros a trazer à cena um protagonista negro da classe média. Antunes Filho designou o artista plástico Fernando Lemos para criar o conceito de fotografia de Compasso de espera. Lemos, por sua vez, convidou Jorge Bodanzky para ser o fotógrafo. Em sua biografia, Bodanzky relata: “A partir do tema do racismo (escritor negro namora modelo branca, e o casal é espezinhado pela sociedade), a fotografia deveria exacerbar as massas de preto e de branco, separá-las e trabalhar sua dramaticidade. Recebi do Fernando uma ideia bem precisa de como deveria ser a imagem e dei asas à minha admiração pela fotografia de O bandido Giuliano [de Francesco Rossi].”
Em um videoensaio em torno do filme, a atriz Mariana Nunes e o crítico e professor de cinema Juliano Gomes se detém de forma bastante aguda nas estratégias de fotografia e encenação: “Censurado pela ditadura militar por dois anos, só foi lançado em 1975, sem cortes, graças aos esforços de Zózimo Bulbul, o protagonista do filme. Os exibidores brasileiros não se interessaram pelo filme. O lançamento foi limitado, e ele recebeu quase nenhuma repercussão crítica. Além disso, exibidores temiam que um filme em preto e branco espantasse o público, já acostumado a cores naquele momento. Antunes queria o filme em P&B porque era mais barato e também por causa do seu tema racial. O monocromático foi uma opção para dar ao filme um aspecto mais bruto, artesanal e subdesenvolvido, segundo Antunes.”
“Zózimo estreia como diretor com o curta Alma no olho, que é inspirado no livro Alma no exílio, do escritor e ativista Eldridge Cleaver. Alma no olho foi feito com as sobras do negativo de Compasso de espera. Quase como uma produção de um homem só. [...] O negativo Kodak Plus-X usado nesses dois filmes reduz os tons cinzas, enfatizando tons ou muito claros ou muito escuros. Produzindo alto contraste. Além do mesmo negativo, há outros elementos em comum entre os dois filmes: o tema racial explícito. O fundo branco e os espaços brancos. O movimento de zoom in a que o operador de VT se refere em Compasso é feito no fim de Alma no olho, de maneira bastante ambígua. O isolamento e solidão do homem negro.”
“A metáfora da cor mostra que o mundo branco e o mundo preto fazem contato, mas estão profundamente separados. O contraste do negativo é uma das maneiras de enfatizar a ideia de diferença e separação, marcando e diferenciando preto e branco. A direção de arte e figurinos reforçam essa diferença. Uma das imagens mais sintéticas do filme é Zózimo vestindo um terno branco. Sua pele escura produz alto contraste com o tecido. Pele negra, terno branco. Uma expressão da condição de Jorge, vivendo espaços e relações que o repelem e são hostis a ele.”
Trecho inicial da sinopse adaptado a partir da versão veiculada na plataforma Sesc Digital.
Citação de Bodanzky extraída da biografia Jorge Bodanzky: o homem com a câmera, escrita por Carlos Alberto Mattos para a Coleção Aplauso.
O videoensaio de Mariana Nunes e Juliano Gomes, disponibilizado pela iniciativa Cinelimite.
Programação
IMS Paulista
25/4, quinta, 20h
28/4, domingo, 17h45
IMS PAULISTA
28/11/2024, quinta
20h - Terceiro milênio
Sessão apresentada por Jorge Bodanzky e Kleber Mendonça Filho
IMS PAULISTA
5/10/2024, sábado
18h30 - Iracema, uma transa amazônica
20h30 - Era uma vez Iracema + Ainda uma vez Iracema
Programação de setembro
IMS PAULISTA
19/9/2024, quinta
19h - Iracema, uma transa amazônica
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Edna de Cássia, Kleber Mendonça Filho e João Moreira Salles.
Programação de agosto
IMS PAULISTA
3/8/2024, sábado
17h30 - Meu barco é veleiro + O Muiraquitã + Tenta louvar o mundo mutilado + Limites do diáfano
6/8/2024, terça
20h - Pandemonium
13/8/2024, terça
20h - Jorge Bodanzky em Super-8: Transamazônica e Belém-Brasília + Cidades
Sessão com trilha sonora ao vivo de Sarine e Yantra.
Mais informações sobre a sessão com trilha ao vivo.
17/8/2024, sábado
18h - Caminhos de Valderez + Jari
20/8/2024, terça
20h - A propósito de Tristes Trópicos
24/8/2024, sábado
18h30 - A propósito de Tristes Trópicos
31/8/2024, sábado
18h30 - Pandemonium
Programação de julho
IMS PAULISTA
6/7/2024, sábado
17h45 - Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner
9/7/2024, terça
20h - Navegaramazônia: uma viagem com Jorge Mautner
14/7/2024, domingo
18h - Gitirana
16/7/2024, terça
20h - Gitirana
20/7/2024, sábado
18h30 - Brasília em super-8 + Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil + O clique único de Assis Horta
23/7/2024, terça
20h - Brasília em super-8 + Volkswagen: operários na Alemanha e no Brasil + O clique único de Assis Horta
Programação de junho
IMS PAULISTA
8/6/2024, sábado
18h - O profeta da fome
9/6/2024, domingo
18h15 - Meu barco é veleiro + O Muiraquitã + Tenta louvar o mundo mutilado + Limites do diáfano
11/6/2024, terça
20h - Os Mucker
12/6/2024, quarta
20h - O profeta da fome
15/6/2024, sábado
18h - Os Mucker
16/6/2024, domingo
18h15 - As aventuras de Igor na Antártica
18/6/2024, terça
20h - As aventuras de Igor na Antártica
19/6/2024, quarta
20h - Transanarquia
22/6/2024, sábado
18h - Ruivaldo, o homem que salvou a terra
23/6/2024, domingo
18h - Transanarquia
25/6/2024, terça
19h - Amazônia, a nova Minamata?
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Cacique Jairo Saw Munduruku e Larissa Rodrigues
26/6/2024, quarta
20h - Ruivaldo, o homem que salvou a terra
29/6/2024, sábado
18h - As cores e amores de Lore
30/6/2024, domingo
18h - Meu barco é veleiro + O Muiraquitã + Tenta louvar o mundo mutilado + Limites do diáfano
Programação de maio
IMS PAULISTA
11/5/2024, sábado
18h - Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano
18/5/2024, sábado
16h - No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado
18h - Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã
21/5/2024, terça
20h - Hitler IIIº mundo + Limites do diáfano
23/5/2024, quinta
20h - Igreja dos oprimidos + O Muiraquitã
28/5/2024, terça
20h - No meio do rio, entre as árvores + Tenta louvar o mundo mutilado
IMS PAULISTA
23/4/2024, terça
19h - Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari
Sessão seguida de debate com Jorge Bodanzky, Ewerton Belico e Kleber Mendonça Filho
25/4/2024, quinta
20h - Compasso de espera
27/4/2024, sábado
17h30 - Limites do diáfano + Caminhos de Valderez + Jari
28/4/2024, domingo
17h45 - Compasso de espera
Teaser da mostra As câmeras de Bodanzky
Abertura da mostra As câmeras de Bodanzky, com Jorge Bodanzky, Ewerton Belico e Kleber Mendonça Filho
Jorge Bodanzky, Cacique Jairo Saw Munduruku e Larissa Rodrigues conversam sobre Amazônia, a nova Minamata?
Jorge Bodanzky, Edna de Cássia, Kleber Mendonça Filho e João Moreira Salles conversam sobre Iracema, uma transa amazônica