De um lado, a arquitetura urbana, concreta, revelada em conjuntos de casas, fábricas, detalhes de fachadas e interiores. De outro, a arquitetura de sonhos que ganham forma em delicadas vitrines, tecidos e rendas de vestidos de casamento. Em comum, o olhar aguçado da fotógrafa Dulce Soares sobre duas áreas de São Paulo, registradas no final dos anos 1970: a Barra Funda em plena era de expansão e especulação imobiliária da capital, e a Rua São Caetano, mais conhecida como Rua das Noivas. Após uma temporada no IMS de São Paulo, a mostra Vitrines e fachadas – Dois ensaios paulistanos de Dulce Soares está em cartaz no IMS de Poços de Caldas. Para esta exposição, acrescentou-se a série ”Palace Hotel”, realizada na cidade em 1974. Os três trabalhos de Dulce Soares, reeditados e exibidos juntos pela primeira vez, fazem parte do acervo do Instituto Moreira Salles.
As imagens integram um conjunto de 1.108 negativos que fazem parte do acervo do Instituto Moreira Salles desde 2003, e a exposição marca a primeira vez em que os dois ensaios da fotógrafa, nascida no Rio de Janeiro em 1943, são mostrados em conjunto. As fotografias de Barra Funda constituem um documento histórico-arquitetônico, feito a convite da Comissão de Fotografia e Artes Aplicadas da secretaria estadual de Cultura de São Paulo, em 1977, momento em que obras de grande porte mudavam a paisagem da cidade e também do bairro. Mesmo corroídas pelo tempo, as fachadas de casas particulares e também de prédios comerciais e industriais, uma vocação da região, ainda exibem os caprichosos ornamentos do passado.
“Dulce não só registra lugares historicamente relevantes na Barra Funda, como o Theatro São Pedro e as Fábricas Matarazzo, mas faz também um reconhecimento das tipologias construtivas, como sobrados de esquina, janelas e frontões”, explica Valentina Tong, curadora assistente da área de fotografia contemporânea do IMS. “O conjunto revela o bairro de uso misto, que abriga indústrias, pequenas fábricas, comércio e moradia. Há um movimento de aproximação das construções. Dulce usa um método para fotografar baseado na repetição: ao olhar para as construções de forma seriada, possibilita comparações ao mesmo tempo em que revela o contexto do bairro”.
Muito do trabalho de Dulce Soares, que ganhou o Prêmio Pirelli de Fotografia em 1999, coordenou diversos projetos editoriais nas áreas de arte, arquitetura, urbanismo e meio ambiente, e tem obras em acervos do Masp e MAM-SP, além do IMS, foi baseado na paisagem urbana, como lembra Valentina. Porém, se no ensaio sobre a Barra Funda a fotógrafa, que se mudou para São Paulo em 1964 – onde teve aulas com nomes como Maureen Bisilliat e Claude Kubrusly na escola de fotografia Enfoco –, centrou seu olhar mais especificamente na arquitetura, na série da Rua das Noivas, feita entre 1978 e 1979, a partir de suas andanças pela cidade, ela se permitiu ir um pouco adiante. Além de fotografar vitrines, futuras noivas e costureiras em ação, Dulce colheu breves depoimentos que complementaram uma exposição das obras no MASP e um livro, ambos de 1981, e que também estão na mostra do IMS. O conjunto vira uma espécie de reflexão sobre o universo feminino através do recorte de um sonho em branco industrializado.
As declarações de quem trabalha na área evidenciam o compromisso com o mercado: “Vendemos ilusões… Esta é a origem da rua. Em cima disto é que se trabalha, em cima da ilusão”, declara um lojista; “A gente tem que construir a felicidade de acordo com a nossa situação. As coisas não são como a gente quer”, diz uma costureira. Já os depoimentos de quem compra os sonhos revelam desejos infinitos, e às vezes contraditórios: “O casamento representa pra mim: Alegria. Segurança. Tranquilidade. Grande amor da vida a dois. Muita ternura ao lado da pessoa amada. Paz, felicidade. O caminho certo para construir uma família. Uma forma ideal para a saúde com relação ao sexo. Uma maneira de viver e progredir. (…) Um jogo. Um passo de grande responsabilidade. Uma lembrança que a gente guarda para sempre. Uma prisão. Uma batalha”, diz um trecho de uma das redações enviadas para o concurso “O que o casamento representa para mim”, promovido pelo Clube de Lojistas, também reproduzido na exposição.
Depois de passar pelo IMS-SP, onde esteve em cartaz até 4 de dezembro, a exposição Vitrines e fachadas – Dois ensaios paulistanos de Dulce Soares viajou para o Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas, onde fica até 21 de maio de 2017.
Exposição Vitrines e fachadas – Dois ensaios paulistanos de Dulce Soares
Em cartaz
Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas
Rua Teresópolis, 90, Jardim dos Estados
Tel.: (35) 3722-2776
Visitação até 21 de maio de 2017
Horários: de terça a domingo e feriados (exceto segunda), das 13h às 19h.
Entrada franca
Locais anteriores
Instituto Moreira Salles de São Paulo
De 30 de julho a 4 de dezembro de 2016
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