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José Medeiros, o centenário de um mito

13 de maio de 2021

Um dos mais importantes fotógrafos de sua geração – aquela que, a partir de meados dos anos 1940, renovaria a linguagem do fotojornalismo no país, tendo como laboratório as páginas de O Cruzeiro –, José Medeiros faria cem anos nesta terça-feira, 18 de maio. Sua trajetória como profissional da principal revista ilustrada brasileira da época, na qual ingressou com 25 anos, espelha a amplitude de temas tratados na publicação. Foi um dos primeiros a registrar os povos indígenas do Xingu, e também pioneiro em retratar uma cerimônia ritualística do candomblé, em Salvador. Ao mesmo tempo, tinha um olhar precioso sobre a vida cotidiana do Rio. Boêmio de carteirinha, circulava com desenvoltura pelos espaços mais glamourosos da cidade nos anos 1950, documentando artistas e políticos. Em celebração ao centenário, disponibilizamos no final deste post, para o leitor folhear, um dossiê completo sobre Medeiros, preparado pela pesquisadora Andrea Wanderley.

"Os dois conjuntos de fotos nesta página são representativos da vasta documentação que Medeiros realizou sobre a cultura negra e, em sentido mais amplo, sobre a presença determinante da população afro-descendente na formação do país", afirma Sérgio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS. "Propôs e realizou matérias ligadas às condições de vida dos trabalhadores e também dos moradores das periferias e favelas do Rio de Janeiro. Documentou as escolas de samba ainda nos anos 1940 e realizou uma vasta documentação sobre o candomblé."

A seleção de imagens é bastante representativa do trabalho multifacetado do fotógrafo, cujo acervo, com cerca de 20 mil negativos, está desde 2005 sob a guarda do instituto. "Penso que  (...)  a fotografia tem, aliás como tudo, uma função política. A fotografia não conta necessariamente o real, pelo contrário, ela pode mentir pra burro. A pessoa por trás da câmera pode mostrar o que quiser, como quiser. Eu, por exemplo, para não defender interesse do patrão, do governo, saía pela tangente fazendo reportagens sobre os negros, sobre os índios", narrou ele no catálogo da exposição José Medeiros – 50 anos de fotografia (Funarte, 1986).

O garoto que se interessou muito cedo pela fotografia, ainda na Teresina natal, acompanhando as incursões do pai, fotógrafo amador, acabaria se tornando um dos grandes nomes do país. “Fez o primeiro fotojornalismo sério no Brasil‚ autêntico‚ sem retoque nem artifícios‚ não alterava nada na cena que tinha que fotografar", observou certa vez Flávio Damm (1928-2020), seu colega na Cruzeiro e também cunhado (era casado com uma das irmãs de Medeiros). "Sem pretensão alguma tinha consciência do seu grande talento. Tinha faro jornalístico e uma grande facilidade em se identificar com minorias‚ índios‚ negros e com o povão em geral.” O "não alterava nada na cena que tinha que fotografar" pode parecer óbvio nos dias atuais, mas está no cerne da tal renovação implementada por aquela turma da qual Damm fazia parte. A fotografia deixava de ser uma ilustração, muitas vezes encenada da reportagem, para se tornar, ela própria, a narrativa daquilo que se estava relatando.

 

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Ótimo fotógrafo, Medeiros também era excelente em discorrer sobre o ofício. Durante cinco anos, de 1952 a 1957, manteve na revista A Cigarra, do mesmo grupo dos Diários Associados de que fazia parte O Cruzeiro, a coluna mensal Falando em Fotografia, em duas páginas, na qual dava notícias da área e dicas aos que se aventuravam na prática, além de publicar entrevistas com colegas da profissão. Era modesto – em entrevista ao Jornal do Brasil, em 2 de dezembro de 1986, se definiu como "um grande lambe-lambe", mas seus colegas preferiam repetir a alcunha que lhe dera Jean Manzon, responsável por sua contratação no Cruzeiro: poeta da luz.

Assim se tornaria conhecido também no cinema, onde fez uma longa carreira depois de deixar O Cruzeiro, em 1962. Seu primeiro trabalho como diretor de fotografia foi em A falecida (1965), de Leon Hirszman, que também estreava como diretor de longas-metragens. Foram cerca de 30 filmes, entre eles Memórias do cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos, Nem tudo é verdade (1986), de Rogério Sganzerla, e Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues.

"O Medeiros é um dos nossos mais brilhantes, modernos e inteligentes fotógrafos", disse Cacá sobre ele, na mesma reportagem do JB. "Ele saltou por cima de sua geração de fotógrafos corretos e acadêmicos, inventando um estilo pessoal, cheio de poesia, inspiração e improvisação, criando uma estrutura técnica perfeitamente adaptada às dificuldades reais do cinema brasileiro."

Roberto Farias (1932-2018), com quem Medeiros colaborou em vários filmes, entre eles a popular trilogia protagonizada por Roberto Carlos, observou: "José Medeiros fez um tipo de fotografia que vem das entranhas dele. Ele é do norte do país, onde há muita luz, e com o amor pela fotografia que tem desde menino, soube captar e interpretar essa luz".

Ou, como disse Glauber Rocha (1939-1981), era "o único que sabia fazer uma luz brasileira”. José Medeiros morreu de infarto, aos 69 anos, em 27 de agosto de 1990, quando participava em Áquila, na Itália, de um festival cultural, O último grito da Amazônia, onde era um dos nove fotógrafos brasileiros reunidos numa exposição sobre a região. Deixou, como legado, uma relevante documentação visual sobre o Brasil e uma legião de admiradores. Evandro Teixeira, um dos mais importantes fotojornalistas da geração posterior e que se iniciou na carreira nos anos 1950 fazendo um curso por correspondência com Medeiros anunciada nas páginas do Cruzeiro, fala hoje, quase 70 anos depois, da grandeza do mestre de forma sucinta e reverente: "Zé Medeiros foi o início do meu sonho no jornalismo fotográfico. Depois desse sonho, conheci o mito! Meu Deus!"

Sérgio Burgi garante que, ainda este ano, a obra do "mito"estará acessível a todos. "Neste ano do centenário de José Medeiros daremos acesso pleno, até o fim do segundo semestre, através da internet e da intranet do instituto, a todo o acervo do fotógrafo reunido no IMS", promete.

 

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José Medeiros teve uma carreira prolífera, diante da qual uma página de internet não dá conta. Disponibilizamos abaixo, para ser folheado, e também em PDF para download o extenso dossiê preparado pela pesquisadora Andrea Wanderley, do IMS. Além de uma cronologia detalhada, estão listadas, com link para a hemeroteca da Biblioteca Nacional, as mais de 600 reportagens fotográficas e colunas que assinou na imprensa brasileira.

 

 


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