Os rostos vincados carregam expressões sisudas, semblantes tristes, alguns sorrisos tímidos e olhares que transitam entre curiosos e divertidos, além de outros que sugerem apenas um vazio instalado há tempos. Com leves mudanças em cada um, todos os retratos revelam, porém, a indelével marca da solidão, captada em preto e branco pela fotógrafa Lily Sverner, nascida na Bélgica em 1934 e radicada no Brasil desde 1941. Lily, que morreu dia 29 de outubro, aos 82 anos, registrou as imagens entre 1989 e 1991 em dois asilos – um em Itatiba (SP), cidade onde morava, e outro em São Paulo –, e organizou-as na série “Nomes”, doada ao Instituto Moreira Salles em 2005. As 473 imagens formam um importante conjunto documental dentro da obra de Lily, que se tornou um dos grandes nomes da fotografia no Brasil, com uma trajetória iniciada no início dos anos 70, quando estudou na Enfoco Escola de Fotografia, formadora de outros expoentes da área.
Em “Nomes”, Lily consegue mostrar com delicadeza o isolamento do convívio social que um asilo impõe aos idosos, ao mesmo tempo em que busca recompor a individualidade e a dignidade das pessoas através do retrato, observa Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS. “É no olhar que ela constrói a questão da solidão”, aponta Burgi. “Este é um projeto mais extenso dentro da obra de Lily, que tenta dar conta dos indivíduos. Tem a relação dela com o tema da velhice e também o espaço de vivência e convivência destes idosos”. Além dos retratos, a série também apresenta imagens do entorno dos asilos – igrejas, pátios, morros, detalhes de casas –, nas quais a fotógrafa sublinha o abandono externo e interno com pouca ou nenhuma referência humana na paisagem.
A solidão e a decadência física são a face mais evidente da série, mas também há momentos de descontração registrados por Lily, como a alegre reunião de um coral. É também comovente o olhar amoroso que a fotógrafa lança sobre o apego dos idosos por seus poucos pertences – que pode ser um violão, um pavão de louça, uma coleção de estatuetas de santos ou outra de bijuterias, estas carregadas ao mesmo tempo sobre o corpo, como talismãs.
Embora seja um conjunto mais documental, mais objetivo, ainda assim “Nomes” pode sugerir múltiplas leituras ao espectador. “Uma das virtudes da fotografia, e talvez a que mais nos perturba, é que ela não pode dizer tudo”, escreveu a fotógrafa em seu livro Virtudes da realidade, lançado em 1995. “Numa leitura da imagem, antes que o percebamos, camadas de nossa subjetividade modificam o contexto, conforme nosso estado de espírito, nossas lembranças associativas ou nossos direcionamentos culturais. Cada fotografia, portanto, teria a virtude de adquirir leituras próprias da realidade, uma simbiose que a torna, naquele momento, obra conjunta do fotógrafo e do leitor”, completou Lily, que fundou em 1997, com André Boccato, a Sver & Bocatto Editores, primeira casa dedicada exclusivamente à edição de livros de fotografia no Brasil. Em 1997, ela criou também o Gabinete da Imagem, para a comercialização de fotografias.
A derradeira exposição de Lily Sverner, Para ver sem pressa, que ocupou entre agosto e setembro de 2016 a galeria Fass, em São Paulo, foi feita para celebrar 30 anos de atividades da fotógrafa, que tem trabalhos no acervo de instituições no Brasil e no exterior. Sob a curadoria do crítico Rubens Fernandes Junior, a mostra reuniu obras de diversas épocas, como as das séries “Chapéus” (1992) e “Padarias” (1991).
“Seu olhar apurado atravessa o cotidiano dos homens e evidencia seu desejo de transformar aquele momento de intensa cumplicidade numa fotografia. Sua fotografia tem o desejo de se eternizar numa fotografia. Pode parecer redundante, mas são poucos os que conseguem ter tranquilidade para criar imagens que tenham essa singularidade. Ela não tem a intenção de registrar um tempo puro, mas, como lembra Octávio Paz, apenas o tempo que traduzimos como ‘a iminência imediata do agora’. E isso me parece essencial nestas fotografias”, escreveu o curador na época.