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O tabuleiro da baiana

24 de novembro de 2016

 

Foi em 1938, ao ler uma tradução de Jubiabá, do baiano Jorge Amado, que o francês Marcel Gautherot começou a se render ao Brasil. Nada mais natural, portanto, que a Bahia, com suas paisagens e personagens míticos imortalizados pelo autor de Tenda dos Milagres e Dona Flor e seus dois maridos, tenha sido um dos recantos a receber especial  atenção do fotógrafo, nascido em Paris em 1910 e radicado desde 1940 no país que conheceu de Norte a Sul e que documentou em séries celebradas sobre cultura, folclore, arquitetura e natureza. Em Salvador, Gautherot fez a festa em cima das festas populares, como a procissão de Nosso Senhor dos Navegantes, e realizou diversas e belas fotos das baianas que vendem acarajé nas ruas. Figuras tradicionais que tiveram como berço a Bahia e ganharam o Brasil, desde 2010 elas são lembradas em todo o país no Dia Nacional da Baiana de Acarajé, comemorado em 25 de novembro.

 

 

As séries de Gautherot, um dos principais nomes da fotografia brasileira – cujo acervo de 25 mil imagens foi adquirido pelo Instituto Moreira Salles em 1999 – foram feitas entre o início dos anos 1950 e o final dos 1960. Nas fotos, as baianas são vistas em pleno ofício, preparando e fritando no azeite de dendê os famosos bolinhos de feijão-fradinho, e em retratos expressivos que capturam olhares, trajes e adereços (há desde grandes chapéus de palha a turbantes caprichosamente enrolados, passando por panos simples abandonados sobre as cabeças na tentativa de protegê-las do sol). No papel de minucioso antropólogo, porém, o fotógrafo expande seu foco para o que tem além dos tabuleiros das baianas, e registra cenários, público e situações – como o cansaço evidente de muitas delas, algumas com filhos pequenos ao lado ou no colo –, que ajudam a compor um amplo e ao mesmo tempo detalhado painel da cultura local.

 

 

A Bahia mereceu muitas outras séries feitas por Gautherot, descrito pelo poeta Carlos Drummond de Andrade como “um dos mais notáveis documentadores da vida nacional”, e pelo arquiteto Lucio Costa como “o mais artista dos fotógrafos”. Além das vendedoras de acarajé, ele registrou rodas de capoeira, de baianas, a labuta de pescadores, o vai-e-vém dos mercados, a arquitetura e paisagens deslumbrantes, entre elas a do Rio São Francisco, que atravessa o estado. A viagem pelo rio, aliás, rendeu um grande ensaio sobre a arte das carrancas, publicado em parte na revista O Cruzeiro em 1947, e que também originou em 2015 a exposição A viagem das carrancas no IMS-RJ, com 42 fotografias.

 

 

Não por acaso, o estado que ganhou tanta atenção de Gautherot foi objeto de sua primeira e tardia exposição individual, Bahia: rio São Francisco, Recôncavo e Salvador , também registrada em livro. A mostra foi realizada apenas em 1995, na Casa França-Brasil, no Rio, um ano antes da morte do fotógrafo. Entre junho e agosto de 2016, a Maison Européenne de La Photographie (MEP), em Paris, abrigou a primeira grande retrospectiva do artista fora do Brasil, Marcel Gautherot – Brésil: tradition, invention, com curadoria de Samuel Titan Jr. e Sergio Burgi.

 

 

 

MAIS

A beleza das baianas na fotografia do século XIX no Brasil (Brasiliana fotográfica)