A série Primeira Vista traz textos de ficção inéditos, escritos a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. O poeta Armando Freitas Filho foi convidado a escrever sobre uma foto de Mario Cravo Neto, feita em 1980 para uma série em torno de Canudos.
Ou, pensando bem, por que não? Não me esqueço, cito de memória, já que não acho o livro no meio desse mafuá, o verso de Álvaro de Campos: “Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!” e, também, apoiado na certeza de Rimbaud: “je est um autre” citado no primeiro andar desse texto. E a mesa, se reparo bem, não é de escritório, mas sim de uma sala de passagem que aceita de tudo um pouco que pousa nela, embora a pilha de papel bem que poderia ser as provas de um romance vale o quanto pesa, tipo Moby-Dick. Por que Moby-Dick? Talvez porque escrevo à beira-mar. Mas como não sou prosador de ofício, e sim poeta do meu tempo, sem odes e odisseias, minhas linhas são magras almejando ser graciliânicas em um dia excepcional qualquer. Por isso, amparado nas imagens e na imaginação, começo a pôr em ordem o que vejo e perscruto. Ainda estou no começo do arranjo que no entanto me toma por inteiro, me põe em pé no meio da noite para limpar o chapéu de couro na parede. Mas a mania ainda não é minha, firmemente fixada, como deveria ser.
Armando Freitas Filho estreou, em 1963, com Palavra. Em 2003, seus 13 livros de poesia foram reunidos em Máquina de escrever. Seguiram-se Raro mar (2006), Lar, (2009), Dever (2013), e Rol (2016). Recebeu, entre outros, os prêmios Jabuti, Portugal Telecom, APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e Prêmio Rio Literatura.