A Bolsa IMS de Pesquisa em Fotografia é dedicada em 2019 ao estudo da atuação de Stefania Bril (1922-1992), cujo arquivo e biblioteca se encontram sob a guarda do Instituto Moreira Salles. Fotógrafa e crítica de fotografia do jornal O Estado de São Paulo e da revista Iris, Stefania atuou nos anos 1970 e 1980 como catalisadora das reflexões nacionais e internacionais sobre a fotografia, e de ações que contribuíram para moldar o espaço da fotografia contemporânea no Brasil. As inscrições para a bolsa se encerram no próximo 4 de outubro.
Em 1988, apenas 10 anos após a publicação de A fotografia como forma de expressão, o primeiro dos 250 ensaios sobre fotografia que escreveu para o jornal o Estado de São Paulo, Stefania Bril partia para o que seria o seu último, e talvez, o seu principal desafio: a criação de um centro cultural dedicado inteiramente à fotografia, pioneiro do gênero no Brasil.
Foi árduo o caminho trilhado por Stefania até chegar à inauguração da Casa da Fotografia Fuji, em São Paulo, em 23 de agosto de 1990. Aliás, nada foi propriamente fácil na trajetória desta judia que sobreviveu ao Holocausto sem sair de sua Polônia natal, e que chegou ao Brasil em 1950, já formada em Química, em busca de um lugar onde os sonhos pudessem se realizar.
O mundo das imagens fotográficas não apareceu cedo para Stefania. Sua primeira década no novo país foi dedicada às pesquisas bioquímicas e nucleares. Nessa última área trabalhou com seu marido, Casimir Bril, no processamento do urânio e do tório a partir das areias monazíticas.
Assim como acontece com tantas mulheres do mundo da ciência, a contribuição de Stefania para o desenvolvimento desse campo ainda está para ser corretamente avaliada, pois, apesar dos diversos artigos científicos por ela assinados, o lugar que até agora lhe foi atribuído é o de “assistente” do marido.
Aos 47 anos, após uma passagem pela enfoco - Escola de fotografia, recém-fundada por dois jovens na casa dos 20 anos, Bril não apenas foi arrebatada pela prática fotográfica mas, sobretudo, pela possibilidade de construir uma nova trajetória profissional, independente e autoral.
As primeiras fotos de Stefania datam de 1969. Desde o começo ela se autodefiniu como “fotógrafa de calçada”, seguidora de Cartier-Bresson. Não foi fotojornalista, nem cronista. Foi, melhor, uma ensaísta, que com ternura e certa ingenuidade se lançou ao encontro de instantes inusitados.
Após fotografar por quase 10 anos as “calçadas” de cidades como São Paulo, Amsterdã, Paris e Jerusalém, em 1978 Stefania mergulhou fundo em outras duas atividades: a crítica de fotografia e o agenciamento de projetos inovadores. Para Bril, a prática fotográfica parece ter sido uma etapa decisiva do trabalho, mas talvez não a mais necessária, num contexto cultural ainda bastante rarefeito, carente de espaços para a educação visual, para a discussão e para a difusão da fotografia. Compreendendo a necessidade de se constituir um novo espaço social para a fotografia no país, ela tomou para si a tarefa de ser protagonista dessa construção.
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A área de fotografia do IMS coleciona conjuntos significativos da obra de autores importantes em nossa historiografia. Dentre eles, o acervo de Stefania Bril se destaca por reunir, além de toda a sua produção fotográfica, um copioso material de caráter arquivístico e documental. O conjunto é ainda enriquecido pela biblioteca pessoal da autora, atualmente na Biblioteca de Fotografia do IMS Paulista.
Um olhar atento para o arquivo revelará, por exemplo, não apenas as decisões que Stefania tomou enquanto fotógrafa, testemunhadas nas anotações nos negativos e nas ampliações que ela realizou, mas suas preferências estéticas e suas interlocuções mais constantes. Algumas das figuras mais relevantes da fotografia mundial, como André Kertész, Robert Doisneau e Henri Cartier-Bresson, e da brasileira, como Mario Cravo Neto, Luis Braga e Carlos Freire, têm forte presença nos escritos, correspondências e projetos de Stefania. O arquivo guarda também documentos que registram em detalhes a elaboração do pensamento crítico da autora, e permitem seguir o passo-a-passo da construção das ações por ela concebidas.
Voltemos agora à Casa da Fotografia Fuji, um projeto que representou, talvez, a síntese de todas as suas iniciativas anteriores. Tratava-se de criar um espaço que reunisse a crítica, a prática, a educação visual e a informação sobre a fotografia, em escala nacional e internacional. Esses objetivos já estavam definidos desde os Encontros de Fotografia que Stefania organizou em Campos do Jordão, em 1978 e no ano seguinte. Foram os primeiros eventos desse gênero no país, antes mesmo que o Núcleo de Fotografia da Funarte, fundado em 1979, se encarregasse de sistematizar e ampliar nacionalmente iniciativas semelhantes.
A construção do projeto da Casa da Fotografia, assim como os projetos anteriores de Bril, resultou de uma luta solitária, até heroica. O arquivo documenta, tijolo por tijolo, o processo de montagem desse sonho particular, que cresceu até envolver a Fuji, um dos gigantes do mercado mundial da fotografia, como patrocinador único, assim como importantes fotógrafos, críticos, instituições nacionais e estrangeiras e editoras, ganhando caráter público.
No arquivo também é possível acompanhar as dificuldades de conciliação entre a concepção e condução rigorosa das atividades da Casa e as necessidades do financiador, que culminaram com o desligamento de Stefania em abril de 1992. A Casa da Fotografia, contudo, permaneceu ativa por mais de uma década e a biblioteca, cuja base foi montada cuidadosamente por Bril, encontra-se desde 2004 na Faculdade Senac de Comunicação e Artes, em São Paulo.
Stefania Bril faleceu poucos meses após sua saída da Casa Fuji, em setembro do mesmo ano. Em 2001, o Instituto Moreira Salles recebeu o primeiro lote de seu arquivo, complementado pela biblioteca pessoal e pelas ampliações fotográficas, 10 anos depois. A vinda dessa coleção não foi uma mera coincidência. Embora com grandes diferenças, os objetivos e a atuação do IMS na área de fotografia de certa forma dão continuidade ao sonho que Stefania começou a construir na Casa Fuji, isto é, o de se criar um espaço vivo dedicado à discussão e à difusão da produção fotográfica brasileira.
Ileana Pradilla Ceron é responsável pelo Núcleo de Pesquisa em Fotografia do IMS.