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AUDIOdescrição

Walter Firmo

no verbo do silêncio a síntese do grito

03 Gaudêncio da Conceição durante Festa de São Benedito

Parada 3 - Obra 2: Gaudêncio da Conceição durante Festa de São Benedito

Audiodescrição: A fotografia colorida, retangular na horizontal, intitulada Gaudêncio da Conceição durante Festa de São Benedito, de 1989, mede 153 cm de comprimento por 103 cm de altura e está na parede com moldura fina, de madeira escura. Mostra, em primeiro plano (do peito para cima), um homem negro idoso, um quilombola da Comunidade do Angelim, em Conceição da Barra, Espírito Santo, vestido de branco, com uma coroa de flores artificiais coloridas na cabeça, no meio de folhagens com pequenas flores vermelhas. A luz da fotografia remete a um dia nublado. Sr. Gaudêncio é magro, tem a pele enrugada, os olhos pequenos e fundos, a barba por fazer, grisalha. Com a fisionomia séria, ele olha para a frente. Usa bata branca, enfeitada com rendas, com um bolso pequeno na lateral esquerda, bordado com flores vermelhas e fitas largas nas cores amarela e rosa trespassadas na frente. Na cabeça coberta por um lenço branco, uma vistosa coroa enfeitada de flores coloridas de papel de seda. Sr. Gaudêncio é integrante do grupo Ticumbi, uma dança de origem africana, cultuada no norte do Espírito Santo. A celebração em homenagem a São Benedito e São Sebastião, que conta com a participação dos grupos folclóricos, reúne milhares de devotos ao som de pandeiros, violas, sanfonas e tambores, e exalta a cultura capixaba.

Ouça agora o depoimento de Walter Firmo sobre esta obra.

Em seguida, você poderá ouvir o texto dos curadores: Sergio Burgi e Janaina Damaceno.

Conceição da Barra fica exatamente equidistante de Salvador e Vitória. Eu, naquele tempo, né? Isso tem mais ou menos uns 30, 40 anos, me parece. Eu me vi sacudido pra estar sempre lá pra fotografar o Chico Bianchi*, uma festa crioula, né?, que só naquele recanto do Brasil aconteceria. E foi assim... Eu fui várias vezes, vários anos, né?, naquela localidade pra fotografar. E aí esse senhor, seu Gaudêncio, foi um dos fotografados por mim naquela época.

... no verbo do silêncio a síntese do grito

Walter Firmo incorporou desde cedo em sua prática fotográfica a noção da síntese narrativa de imagem única, elaborada por meio de imagens construídas, dirigidas e, muitas vezes, até encenadas. Desde o início de sua trajetória artística e profissional, confronta e questiona os cânones e os limites da fotografia documental e do fotojornalismo. Num sentido mais amplo, questiona a própria fotografia como mimese do real, incorporando em sua obra novos procedimentos criativos, específicos e conceituais, de valoração e exaltação do objeto e tema de interesse maior em seu percurso artístico: a representação e a visibilização da população negra do país.

Nascido e criado no subúrbio carioca, filho único de paraenses – seu pai, de família negra e ribeirinha do baixo Amazonas; sua mãe, de família branca portuguesa, nascida em Belém – Walter Firmo construiu, desde sua infância e adolescência, a poética de seu olhar voltada principalmente para a elaboração de um registro amplo e generoso da população negra do Rio de Janeiro e de todo o país, em sua vida cotidiana, seus afetos, sua religiosidades e suas festas. Uma verdadeira ode à integridade, altivez e resiliência dessa população e de suas múltiplas manifestações culturais.

Num processo próprio de construção de linguagem, experimentou e estabeleceu, já a partir do início dos anos 1960, um diálogo direto e inovador com nossa paisagem, população e luz – tropicais e transatlânticas, rurais e periféricas, sensuais e extasiantes. Sua fotografia foi sendo engendrada ao longo dos anos num verdadeiro estúdio a céu aberto, tendo como temática central não simplesmente a cor, mas uma cor que revela a população negra do país, tanto na potência cromática plena de suas imagens coloridas como também em suas poderosas imagens em preto e branco – a maior parte delas até hoje inéditas, mostradas pela primeira vez nesta exposição. Firmo construiu uma prática autoral, criativa e engajada, voltada para todos aqueles que descendem da violenta diáspora africana que marca e conforma inescapavelmente o passado, o presente e o futuro deste país, tecendo e compondo “no verbo do silêncio a síntese do grito”.

Negritude e encantamentos, narrativas e experimentações. São estes, portanto, os elementos estruturantes das múltiplas poéticas que conferem sentido e lugar à obra de Walter Firmo.

Carioca por nascimento, paraense por ascendência, baiano por devoção, negro e brasileiro por definição e convicção, Walter Firmo nos apresenta nesta exposição sua obra densa e essencial, construída ao longo de uma trajetória de 70 anos ininterruptos. Criou, ao longo desse percurso, uma sólida presença na imprensa e na fotografia autoral, que resultou em um vasto acervo de mais de 140 mil imagens, hoje preservado em regime de comodato no Instituto Moreira Salles.

Sergio Burgi, curador
Janaina Damaceno Gomes, curadora adjunta